...
domingo ,9 fevereiro 2025
Home / Noticias / Exposição em São Paulo lembra cobertura de guerra no Vietnã

Exposição em São Paulo lembra cobertura de guerra no Vietnã

Repro­dução: © Andre Liohn/Divulgação

O Gosto da Guerra mostra trabalho do jornalista José Hamilton Ribeiro


Publicado em 13/07/2024 — 09:02 Por Elaine Patrícia Cruz – Repórter da Agência Brasil — São Paulo

ouvir:

“Guer­ra é ruim, mas sem jor­nal­ista é pior”. A frase é de José Hamil­ton Ribeiro, um dos mais con­sagra­dos e pre­mi­a­dos jor­nal­is­tas brasileiros e que, em março de 1968, cobriu a guer­ra do Viet­nã pela revista Real­i­dade. Foi lá que, ao pis­ar em uma mina ter­restre, perdeu parte de sua per­na esquer­da.

Ape­sar dis­so, ele man­tém a con­vicção de que o tra­bal­ho do jor­nal­ista em zonas de con­fli­to con­tin­ua sendo fun­da­men­tal. “Se há uma guer­ra que não se con­segue evi­tar, então é prefer­ív­el que se ten­ha um jor­nal­ista nes­sa guer­ra. Jor­nal­ista na guer­ra é uma for­ma peque­na, humilde, mas é para pôr a bola no chão e man­ter o bom sen­so, sabe? E evi­tar aque­la cabeça do pes­soal guer­reiro, que fazia guer­ra por gos­to, por sen­tir praz­er na guer­ra”. Segun­do ele, as teste­munhas da guer­ra e os jor­nal­is­tas que fiz­er­am a cober­tu­ra der­am um depoi­men­to muito difer­ente do pes­soal que se alin­hou ao espíri­to guer­reiro de algu­mas mentes assim dia­bóli­cas, às vezes”, disse ele, em entre­vista à Agên­cia Brasil e à TV Brasil.

Santa Catarina 15/08/2018 José Hamilton Ribeiro Jornalista durante palestra na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foto Henrique Almeida/ Agecom/UFSC
Repro­dução; Depois de anos à frente do Globo Rur­al, José Hamil­ton Ribeiro ago­ra vive mais reclu­so, pelo inte­ri­or mineiro – Foto Hen­rique Almeida/ Agecom/UFSC

Depois de anos à frente do Globo Rur­al, José Hamil­ton Ribeiro ago­ra vive mais reclu­so, pelo inte­ri­or mineiro. Nes­ta sem­ana, ele vis­i­tou o Museu da Imagem e do Som (MIS), na cap­i­tal paulista, para uma dupla cel­e­bração: a inau­gu­ração da exposição O Gos­to da Guer­ra, com ima­gens pro­duzi­das por jor­nal­is­tas e fotó­grafos em áreas de con­fli­to, e o relança­men­to de seu livro de mes­mo nome, em que rela­ta a cober­tu­ra da Guer­ra do Viet­nã.

No livro, ele descreve o que era “gos­to da guer­ra”, que sen­tiu pro­fun­da­mente logo após ter pisa­do aci­den­tal­mente em uma mina ter­restre. “Sen­tia na boca um gos­to ruim, com se tivesse engoli­do um pun­hado de ter­ra, pólvo­ra e sangue – hoje eu sei, era o gos­to da guer­ra”.

“Essa expressão veio a mim num momen­to, lá no Viet­nã, em que sen­ti que tin­ha acon­te­ci­do algu­ma coisa comi­go, mas não sabia exata­mente o que era. Quan­do recu­perei a con­sciên­cia, esta­va sen­ta­do e em uma real­i­dade que eu não esta­va dom­i­nan­do, não sabia qual era, não sabia o que tin­ha acon­te­ci­do dire­ito. Uma hora ali, sen­ti uma sen­sação estran­ha aqui na tes­ta, pas­sei a mão e vi que tin­ha uma coisa mol­ha­da, líqui­da, olhei e era sangue. Pen­sei: ‘puxa vida, um fer­i­men­to na cabeça. Para ger­ar sangue e para sujar a mão assim é sinal de que foi um fer­i­men­to grande. Estou mor­ren­do’. Tive a sen­sação de que ia mor­rer”, con­tou aos jor­nal­is­tas da Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação (EBC).

Foi aí que perce­beu que seu maior fer­i­men­to, no entan­to, não era na cabeça. “O enfer­meiro começou a faz­er cura­ti­vo daqui, cura­ti­vo dali. No fim das con­tas, o fer­i­men­to tin­ha sido pequeno. Foi mais o barul­ho da explosão e a sen­sação de inse­gu­rança que veio com aqui­lo. De repente, esta­va sen­ta­do no chão, sem saber por quê. Fiquei inse­guro em relação ao que tin­ha acon­te­ci­do. Então, demor­ou algum tem­po até que alguém me aju­dou a com­ple­tar a real­i­dade que esta­va viven­do naque­le momen­to, que no começo era tão con­fusa para mim”.

O que acon­te­ceu no Viet­nã há mais de 50 anos deixou mar­cas pro­fun­das – e não lhe escapou da memória. Ain­da hoje, ao obser­var as fotos feitas pelo fotó­grafo japonês Keis­aburo Shi­mamo­to, que o acom­pan­hou no Viet­nã e reg­istrou esse episó­dio para a revista Real­i­dade - mostrando‑o caí­do ao chão, envolto em muito sangue — ele se recor­da exata­mente do que acon­te­ceu.

“Sem­pre ficou uma ‘lem­brançaz­in­ha’, uma ‘fumaçaz­in­ha’, uma coisa que se inven­ta na memória. Mas isso não impediu que eu con­tin­u­asse a vida ali e con­tin­u­asse tra­bal­han­do como repórter”, afir­mou.

A imagem fei­ta por Shi­mamo­to, retratan­do José Hamil­ton logo após ter per­di­do a per­na em uma mina, é uma das fotografias que estão em exposição na mostra, que entrou em car­taz no MIS. Há tam­bém ima­gens pro­duzi­das pelo próprio jor­nal­ista, em que ele apre­sen­ta cri­anças sor­rindo em meio à guer­ra.

“Eu esta­va no Viet­nã lidan­do com um prob­le­ma ter­rív­el, que era a guer­ra, um prob­le­ma de per­da, e de repente con­heci cri­anças, vi cri­anças lá que, no meio de toda aque­la tris­teza, daque­la pobreza e daque­la amar­gu­ra, brin­cavam. Brin­cavam uma com a out­ra, inde­pen­den­te­mente da situ­ação que os home­ns não con­seguiam con­tro­lar”, comen­tou.

A exposição

Com curado­ria de Teté Ribeiro, fil­ha do jor­nal­ista, a exposição O Gos­to da Guer­ra apre­sen­ta ima­gens reg­istradas por José Hamil­ton Ribeiro e pelo fotó­grafo que o acom­pan­hou naque­la cober­tu­ra, o japonês Keis­aburo Shi­mamo­to.

A mostra desta­ca ain­da o tra­bal­ho de mais cin­co cor­re­spon­dentes de guer­ra do sécu­lo 20, que cobri­ram con­fli­tos ocor­ri­dos na Ucrâ­nia, em Moçam­bique, no Iraque e em El Sal­vador, entre out­ros. São fotografias pro­duzi­das por André Liohn, Hélio de Cam­pos Mel­lo, Juca Mar­tins, Leão Ser­va e Yan Boechat e que mostram os cus­tos humanos envolvi­dos em uma guer­ra.

“Essa é uma mostra comem­o­ra­ti­va de O Gos­to da Guer­ra, que meu pai escreveu em 1969. Esse livro foi escrito antes de eu nascer, o aci­dente acon­te­ceu antes de eu nascer, e ele está sendo reed­i­ta­do ago­ra pela Com­pan­hia das Letras, numa coleção chama­da Jor­nal­is­mo Literário. O livro não tem muitas fotos, mas a reportagem do meu pai ficou muito mar­ca­da fun­da­men­tal­mente por uma imagem, que foi, infe­liz­mente, a dele feri­do no Viet­nã. Para com­ple­men­tar [a exposição], a gente chamou mais cin­co fotó­grafos brasileiros que cobri­ram con­fli­tos na segun­da metade do sécu­lo 20. Tem até uma [imagem] do sécu­lo 21, que é, infe­liz­mente, da guer­ra que está acon­te­cen­do atual­mente na Ucrâ­nia”, expli­cou a curado­ra.

Brasília (DF), 12.07.2024 - O jornalista José Hamilton Ribeiro gravemente ferido durante reportagem na Guerra do Vietnã em julho de 1969. Foto: Keisaburo Shimamoto/Divulgação
Repro­dução: Jor­nal­ista José Hamil­ton Ribeiro grave­mente feri­do durante reportagem na Guer­ra do Viet­nã em jul­ho de 1969 — Keis­aburo Shimamoto/Divulgação

Ao tra­bal­har com a reed­ição do livro escrito por seu pai e na curado­ria dessa exposição, Teté rev­ela que começou a sen­tir o sofri­men­to que ele enfren­tou na guer­ra. “Eu con­hecia só a história do sofri­men­to da min­ha mãe [do que ela havia enfrenta­do enquan­to o pai esta­va na guer­ra]. A história do sofri­men­to do meu pai, do quan­to doeu fisi­ca­mente, do quan­to achou que ia mor­rer, do quan­to chegou per­to de mor­rer, acho que só enten­di nes­sa reed­ição do livro. E isso foi chocante”, con­tou.

“Ninguém acha que pai e mãe vão mor­rer ou sofr­er. Ou que ten­ham sofri­do antes de você nascer. Você nem acha que eles exis­tem antes de você nascer. E ago­ra que sou adul­ta, ten­ho fil­ha e meu pai está mais vel­ho, esse sofri­men­to me cau­sou um choque e uma dor ter­rív­el. Ador­ei a exper­iên­cia de ter revis­i­ta­do isso, mas não tem nen­hum lado bom. Foi hor­rív­el, um aci­dente ter­rív­el. Se há algu­ma coisa que dá pra falar que é boa em toda essa pesquisa, é que ele está vivo, que a gente está vivo, esta­mos jun­tos e con­tin­u­amos lutan­do”, disse Teté.

A exposição, com entra­da gra­tui­ta, fica em car­taz no MIS da Aveni­da Europa até o dia de 26 de jul­ho. Mais infor­mações podem ser obti­das no site.

Edição: Graça Adju­to

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Fim de semana tem calor intenso e blocos de rua no Rio

Temperatura máxima prevista é de 36ºC e a mínima, de 20ºC Rafael Car­doso — Repórter …