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Exposição excessiva de crianças em redes sociais pode causar danos

Repro­du­ção: © REUTERS/Dado Ruvic/Direitos Reser­va­dos

Pediatras alertam para os perigos desse hábito, o sharenting


Publi­ca­do em 25/09/2021 — 10:15 Por Lud­mil­la Sou­za – Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — São Pau­lo

A meni­na Ali­ce, de 5 anos, ama tirar fotos e víde­os. Ela tem um per­fil na rede soci­al Ins­ta­gram admi­nis­tra­do pela mãe, a empre­sá­ria do setor de ali­men­tos Tai­na­ra Para­de­las. A mãe cui­da com aten­ção do per­fil, fei­to ape­nas para regis­trar os momen­tos da infân­cia da garo­ti­nha. 

“O per­fil da Ali­ce foi fei­to para com­par­ti­lhar memó­ri­as e coi­sas engra­ça­das com ami­gos ínti­mos e fami­li­a­res”, con­ta a mãe, que usa cri­té­ri­os de segu­ran­ça no per­fil da peque­na. “O per­fil dela é tran­ca­do e só pode segui-la quem eu acei­to”, deta­lha Tai­na­ra.

Repro­du­ção: ETai­na­ra e a filha Ali­ce — Arqui­vo pes­so­al

A empre­sá­ria expli­ca que a meni­na não tem obri­ga­ção com o Ins­ta­gram dela, “e eu não fico fazen­do con­teú­do vol­ta­do para a rede. Eu tiro fotos e gra­vo víde­os de momen­tos des­con­traí­dos e feli­zes para eu ter guar­da­do, pos­tar é uma con­sequên­cia. Ali­ce é uma cri­an­ça ani­ma­da, ama foto e víde­os e, se algum dia, eu pedir para tirar uma foto e ela não qui­ser, eu não for­ço. Mas nun­ca pedi ela para tirar uma foto ou fazer um vídeo para pos­tar no Ins­ta­gram”.

Dife­ren­te­men­te de Tai­a­na­ra, no entan­to, mui­tos pais e mães expõem inde­vi­da­men­te infor­ma­ções pes­so­ais de seus filhos meno­res em redes soci­ais, o que pode colo­cá-los em situ­a­ção de vul­ne­ra­bi­li­da­de. Esse tipo de ati­tu­de, conhe­ci­da como sha­ren­ting — ter­mo em inglês que com­bi­na as pala­vras sha­re (com­par­ti­lhar) e paren­ting (pater­ni­da­de) -, par­te de uma ten­dên­cia cres­cen­te e que pode ter con­sequên­ci­as inde­se­ja­das.

Impactos

A Soci­e­da­de Bra­si­lei­ra de Pedi­a­tria (SBP) aler­ta para os peri­gos e impac­tos de lon­go pra­zo des­se hábi­to na vida dos meno­res.

“A cri­an­ça e o ado­les­cen­te não devem ter vida públi­ca nas redes soci­ais. Não sabe­mos quem está do outro lado da tela. O con­teú­do com­par­ti­lha­do publi­ca­men­te, sem cri­té­ri­os de segu­ran­ça e pri­va­ci­da­de, pode ser dis­tor­ci­do e adul­te­ra­do por pre­da­do­res em cri­mes de vio­lên­cia e abu­sos nas redes inter­na­ci­o­nais de pedo­fi­lia ou por­no­gra­fia, por exem­plo”, expli­ca a coor­de­na­do­ra do Gru­po de Saú­de Digi­tal da SBP,  Evelyn Eisens­tein.

O coor­de­na­dor do Gru­po de Tra­ba­lho de Saú­de Men­tal da SBP, o médi­co Rober­to San­to­ro, aler­ta que o sha­ren­ting traz peri­gos obje­ti­vos e sub­je­ti­vos ao desen­vol­vi­men­to da cri­an­ça: “Acho que a gen­te tem que par­tir pri­mei­ro de uma ques­tão de prin­cí­pio. A vida da cri­an­ça não per­ten­ce aos pais. Eles são pro­mo­to­res do desen­vol­vi­men­to da cri­an­ça e do ado­les­cen­te e têm que zelar por esse desen­vol­vi­men­to, para que ocor­ra de uma manei­ra coe­ren­te e equi­li­bra­da, rumo a uma ida­de adul­ta em que a pes­soa con­si­ga se rea­li­zar ple­na­men­te de acor­do com os seus poten­ci­ais”.

Guia prático

Para atu­a­li­zar pedi­a­tras, pais e edu­ca­do­res sobre a influên­cia das tec­no­lo­gi­as de infor­ma­ção e comu­ni­ca­ção (TICs), redes soci­ais e inter­net nas ques­tões de saú­de e de com­por­ta­men­to das cri­an­ças e ado­les­cen­tes, a SBP publi­cou nes­te ano o Guia Prá­ti­co de Atu­a­li­za­ção “#SemA­bu­sos #Mais­Saú­de.

O guia des­ta­ca impor­tan­tes reco­men­da­ções aos médi­cos sobre como ava­li­ar na his­tó­ria e no exa­me, duran­te a con­sul­ta, casos sus­pei­tos de vio­lên­cia ou abu­sos offli­ne ou onli­ne; além de ori­en­tar os pais sobre alter­na­ti­vas segu­ras, edu­ca­ti­vas e sau­dá­veis de ati­vi­da­des para cri­an­ças e ado­les­cen­tes.

A expo­si­ção exa­ge­ra­da de infor­ma­ções sobre cri­an­ças repre­sen­ta uma ame­a­ça à inti­mi­da­de, vida pri­va­da e direi­to à ima­gem, como dis­põe o Esta­tu­to da Cri­an­ça e do Ado­les­cen­te (ECA). Soma­do a isso, todo con­teú­do publi­ca­do na inter­net gera dados que, no futu­ro, podem ser desa­pro­va­dos pelos filhos, por enten­de­rem que sua vida pri­va­da foi expos­ta inde­vi­da­men­te duran­te a infân­cia.

A mãe da Ali­ce afir­ma que não se pre­o­cu­pa com esta ques­tão, pois não pos­ta nada ina­de­qua­do. “Isso não me pre­o­cu­pa nem um pou­co. Não pos­to nada que venha a enver­go­nhar minha filha no futu­ro”, garan­te Tai­na­ra.

Repro­du­ção: Mari­ah com os pais Fili­pe e Ali­ne — Arqui­vo pes­so­al

Assim como Tai­na­ra, o publi­ci­tá­rio Fili­pe Fer­raz tam­bém é o admi­nis­tra­dor do per­fil da Mari­ah, tam­bém de 5 anos. “A gen­te que gera todo con­teú­do publi­ca­do. Evi­ta­mos dei­xar o celu­lar na mão dela e dar essa auto­no­mia. Acho que ain­da é cedo, ela tem 5 anos de ida­de. O con­teú­do é mais via­gem, brin­ca­dei­ras e algu­mas dan­ças. Nada vul­gar, para pre­ser­var a inte­gri­da­de dela”.

O pai con­ta que o per­fil da Mari­ah é des­pre­ten­si­o­so. “Não temos uma frequên­cia nem pla­ne­ja­men­to. Regis­tra­mos oca­siões fora da roti­na e novi­da­des”. Além dis­so, Mari­ah gos­ta e até pede para fazer pos­ta­gens. “Qua­se todos os dias ela quer publi­car! Ela ado­ra dan­ci­nhas e mon­ta­gens! Fil­tros com cari­nhas então… ama!”.

Ago­ra, quan­do a meni­na não quer fazer algu­ma pos­ta­gem, os pais acei­tam e res­pei­tam a deci­são, con­ta Fili­pe. “A gen­te res­pei­ta o momen­to dela. Nem sem­pre ela está dis­pos­ta”. Para ele, é pre­ci­so ter dis­cer­ni­men­to de como a cri­an­ça será expos­ta. “A res­pon­sa­bi­li­da­de é toda dos pais”.

Já na opi­nião do médi­co San­to­ro, não há como mini­mi­zar os ris­cos da expo­si­ção exa­ge­ra­da de cri­an­ças na inter­net. Para ele, esse públi­co não deve ser expos­to nas redes. “Eu sou radi­cal em rela­ção a isso. A gen­te não tem que mini­mi­zar os ris­cos de expo­si­ção da cri­an­ça. A gen­te sim­ples­men­te não tem que expor cri­an­ças e ado­les­cen­tes, por­que eles não têm ain­da con­di­ções de deter­mi­nar o que é segu­ro e o que não é segu­ro em ter­mos des­sa expo­si­ção”.

Segun­do ele, os pais pre­ci­sam zelar jus­ta­men­te pela pri­va­ci­da­de dos filhos. “Sugi­ro que as ima­gens de cri­an­ças e ado­les­cen­tes não sejam com­par­ti­lha­das livre­men­te na inter­net, a não ser com mui­to cui­da­do para pes­so­as mui­to pró­xi­mas, para pes­so­as da famí­lia. Eu não colo­ca­ria, por exem­plo, ima­gens de cri­an­ças em sites públi­cos e toma­ria mui­to cui­da­do com isso”, acon­se­lha San­to­ro.

Consequências

Os dados digi­tais das cri­an­ças podem ser uti­li­za­dos para dife­ren­tes fina­li­da­des, des­de o rou­bo de iden­ti­da­de, cyber­bullying, uso inde­vi­do de ima­gens e víde­os por pedó­fi­los, até outras ame­a­ças à segu­ran­ça.

A coor­de­na­do­ra do Gru­po de Saú­de Digi­tal da SBP,  a médi­ca Evelyn Eisens­tein, des­ta­ca que a pri­va­ci­da­de onli­ne é uma garan­tia para que as futu­ras gera­ções pos­sam entrar em sua matu­ri­da­de livres para cons­truir por elas mes­mas suas iden­ti­da­des digi­tais.

“Isso é man­da­tó­rio. A SBP sem­pre pro­cu­ra des­ta­car a impor­tân­cia da medi­a­ção paren­tal em aces­sos a con­teú­dos nas redes soci­ais para ten­tar redu­zir pro­ble­mas rela­ci­o­na­dos à segu­ran­ça e à saú­de das cri­an­ças e ado­les­cen­tes”, dis­se Evelyn.

A psi­có­lo­ga Thais Ven­tu­ra Cor­rêa Domin­guez refor­ça que os pais são os prin­ci­pais res­pon­sá­veis pela expo­si­ção de cri­an­ças na inter­net. “É impor­tan­te que eles este­jam aten­tos a res­guar­dar a indi­vi­du­a­li­da­de e pri­va­ci­da­de da cri­an­ça, considerando‑a como um ser de direi­tos, que devem ser pre­ser­va­dos”.

O cui­da­do com a dis­po­ni­bi­li­za­ção de infor­ma­ções pes­so­ais deve sem­pre ser con­si­de­ra­do, com­ple­ta Thaís. “As cri­an­ças não pos­su­em habi­li­da­de cog­ni­ti­va para tal dis­cer­ni­men­to. O estar on-line hoje se tor­na qua­se uma obri­ga­ção, o que mui­tas vezes leva a com­por­ta­men­tos rea­ti­vos e impul­si­vos de com­par­ti­lha­men­to de infor­ma­ções. Por isso, o cui­da­do com as ações nas redes deve ser redo­bra­do”.

Repro­du­ção: Arte Agên­cia Bra­sil

Precauções

No Bra­sil ain­da não exis­tem medi­das legis­la­ti­vas que regu­lem a pri­va­ci­da­de das cri­an­ças pelos pro­ve­do­res de inter­net. Logo, a publi­ca­ção de uma foto apa­ren­te­men­te sim­ples pode ter diver­sas inter­pre­ta­ções e pre­juí­zos, mes­mo anos após a pos­ta­gem.

“Temos vári­os pro­je­tos de lei bar­ra­dos por indús­tri­as de entre­te­ni­men­to, mídi­as e pro­ve­do­res que lucram em dema­sia com esse tipo de com­par­ti­lha­men­to”, comen­tou a médi­ca Evelyn Eisens­tein. Segun­do ela, não há na legis­la­ção bra­si­lei­ra uma lei como a Chil­dren’s Onli­ne Pri­vacy Pro­tec­ti­on Act (Cop­pa — Lei de Pro­te­ção à pri­va­ci­da­de onli­ne de cri­an­ças, em tra­du­ção livre), ins­ti­tuí­da nos Esta­dos Uni­dos, em 1998, para a pro­te­ção de dados e regu­la­ção da expo­si­ção de cri­an­ças meno­res de 13 anos na inter­net.

Em agos­to des­te ano, o Goo­gle anun­ci­ou o lan­ça­men­to de um ser­vi­ço que per­mi­te remo­ção de ima­gens pes­so­ais de ado­les­cen­tes meno­res de 18 anos em seus resul­ta­dos de pes­qui­sa. Um for­mu­lá­rio para fazer o pedi­do de remo­ção está dis­po­ní­vel na pági­na de supor­te da empre­sa. O Goo­gle infor­ma, no entan­to, que essa remo­ção não sig­ni­fi­ca que a foto será reti­ra­da da inter­net, mas que dei­xa­rá de ser mos­tra­va nos resul­ta­dos de bus­ca do Goo­gle Ima­gens.

O com­par­ti­lha­men­to de ima­gens e víde­os é um hábi­to rela­ti­va­men­te novo, por isso as reper­cus­sões na vida futu­ra das cri­an­ças ain­da não são total­men­te conhe­ci­das, esta é a par­te mais pre­o­cu­pan­te da expo­si­ção exces­si­va.

“Não são ape­nas os pais que devem ser mais cui­da­do­sos, mas tam­bém fami­li­a­res e cui­da­do­res. Eles pre­ci­sam estar cien­tes das pos­sí­veis con­sequên­ci­as inde­se­ja­das para a saú­de das cri­an­ças. Não é ino­fen­si­vo com­par­ti­lhar con­teú­do onli­ne”, dis­se Evelyn.

Para a psi­có­lo­ga Thaís Ven­tu­ra, é impor­tan­te a refle­xão dos pais quan­to aos seus inte­res­ses pes­so­ais em rela­ção à expo­si­ção de seus filhos a essas tec­no­lo­gi­as, “bus­can­do sem­pre refle­tir quais as neces­si­da­des e con­sequên­ci­as de suas ati­tu­des refe­ren­tes ao uso des­sas tec­no­lo­gi­as na influên­cia da saú­de da cri­an­ça”.

Os pais que dese­jam com­par­ti­lhar fotos e víde­os de seus filhos podem tomar medi­das pro­te­ti­vas para garan­tir que o con­teú­do não seja usa­do para fins mali­ci­o­sos. Por exem­plo, é pos­sí­vel limi­tar o públi­co de pos­ta­gens para que ape­nas aque­les em quem você con­fia que pos­sam ver o con­teú­do.

Repro­du­ção: Arte Agên­cia Bra­sil

Influencers Mirins

Com sta­tus de cele­bri­da­de, mui­tas cri­an­ças se tor­na­ram influ­en­ci­a­do­res digi­tais. Elas come­ça­ram com o incen­ti­vo dos fami­li­a­res e mui­tos têm até patro­ci­na­do­res. “Essas cri­an­ças cons­tro­em uma vida fal­sa, de ima­gens e não uma vida de expe­ri­ên­ci­as reais. E os pais estão cola­bo­ran­do para a cons­tru­ção de uma per­so­na­li­da­de mol­da­da para agra­dar a ima­gem que fazem da pes­soa, ou seja, de um fal­so self. A cri­an­ça come­ça a pas­sar por essa situ­a­ção des­de peque­na. Mui­tas vezes, por trás des­se per­fil fal­so pode exis­tir um gran­de vazio. A explo­ra­ção des­sas cri­an­ças por par­te dos pais é uma for­ma de abu­so infan­til”, apon­tou o coor­de­na­dor do Gru­po de Tra­ba­lho de Saú­de Men­tal da SBP, Rober­to San­to­ro.

Na opi­nião do médi­co, essa con­du­ta pode inter­fe­rir no desen­vol­vi­men­to da cri­an­ça e englo­bar múl­ti­plos aspec­tos como o inte­res­se econô­mi­co e o nar­ci­sis­mo pato­ló­gi­co dos pais.

“Por­que em vez da cri­an­ça seguir sua via natu­ral de desen­vol­vi­men­to, os pais podem estar usan­do a cri­an­ça para exi­bir a outras pes­so­as com com fins de lucro finan­cei­ros e, às vezes, por puro nar­ci­sis­mo, ou seja: pais frus­tra­dos que não con­se­gui­ram rea­li­zar suas neces­si­da­des de se des­ta­car, então usam os filhos para aten­der essas neces­si­da­des. Isso é sem­pre abso­lu­ta­men­te ina­de­qua­do”.

A opi­nião é com­par­ti­lha­da pela psi­có­lo­ga Thaís Ven­tu­ra: “Deve-se estar aten­to ao natu­ral con­fli­to e inte­res­ses fami­li­a­res, pois a fal­ta de enten­di­men­to e a admi­nis­tra­ção equi­vo­ca­da des­se cená­rio podem resul­tar em explo­ra­ção e afe­tar a saú­de e o bem estar da cri­an­ça. É impor­tan­te que os pais bus­quem conhe­ci­men­to e infor­ma­ção quan­to a fun­ção e a expo­si­ção que seu filho está exer­cen­do, agin­do em prol de garan­tir o cui­da­do e a saú­de da cri­an­ça”.

Edi­ção: Deni­se Gri­e­sin­ger

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