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Exposição no IMS de São Paulo mostra ditaduras chilena e brasileira

Repro­dução: © Evan­dro Teixeira/Acervo IMS

Trabalhos são do fotojornalista Evandro Teixeira


Pub­li­ca­do em 21/03/2023 — 06:39 Por Elaine Patrí­cia Cruz — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Em 1973, o foto­jor­nal­ista Evan­dro Teix­eira (1935) foi envi­a­do pelo Jor­nal do Brasil (JB) para cobrir o golpe mil­i­tar no Chile. Acom­pan­hado do repórter Paulo César de Araújo, Teix­eira embar­cou para o Chile no dia 12 de setem­bro, um dia após o golpe que cul­mi­nou com a morte do então pres­i­dente Sal­vador Allende. Com as fron­teiras fechadas pela jun­ta mil­i­tar chile­na, ele só con­seguiu entrar em San­ti­a­go no dia 21 de setem­bro, quan­do foi per­mi­ti­do que a impren­sa reg­is­trasse o acon­tec­i­men­to, mas sob forte vig­ilân­cia mil­i­tar.

Com a máquina analóg­i­ca guarda­da den­tro da jaque­ta e sem­pre prepara­da para o clique, Teix­eira con­seguiu se desven­cil­har da cen­sura chile­na e faz­er os mais impor­tantes reg­istros daque­le perío­do para a impren­sa brasileira. E são essas fotos, pro­duzi­das em pre­to e bran­co para o JB, que estão em exposição a par­tir des­ta terça-feira (21) no Insti­tu­to Mor­eira Salles, em São Paulo. A mostra Evan­dro Teix­eira, Chile, 1973 é gra­tui­ta e fica em car­taz até 30 de jul­ho. A curado­ria é de Ser­gio Bur­gi, coor­de­nador de fotografia do IMS.

“A exposição olha pri­mor­dial­mente para o mate­r­i­al que o Evan­dro pro­duz­iu em San­ti­a­go dias após o golpe mil­i­tar de 1973. E essa apre­sen­tação é con­struí­da em diál­o­go com o que ele havia pro­duzi­do antes no Brasil, tam­bém no perío­do de ditadu­ra mil­i­tar — ima­gens icôni­cas como a da toma­da do Forte de Copaca­bana no dia 1º de abril de 1964, no primeiro dia do golpe”, disse Bur­gi, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Aliás, essa foto pro­duzi­da por Teix­eira sobre a toma­da do Forte de Copaca­bana, em que os mil­itares são apre­sen­ta­dos sob forte som­bra e chu­va tor­ren­cial no Rio de Janeiro, ape­nas com uma luz bril­han­do ao fun­do, é um de seus reg­istros preferi­dos. Apó vis­i­tar a exposição em sua hom­e­nagem, em São Paulo, Teix­eira con­tou como a imagem foi fei­ta. “As 5h, o Leno [capitão Leno, que era seu viz­in­ho no Rio de Janeiro] bateu na min­ha por­ta dizen­do que o golpe mil­i­tar esta­va acon­te­cen­do. ‘Você vem comi­go ou não?’, ele falou. Naque­le momen­to, colo­quei a câmera den­tro da jaque­ta, enchi os bol­sos de filmes e lev­ei só uma lente de 35 milímet­ros. E par­ti para lá”, con­tou o foto­jor­nal­ista. E foi assim que ele fez o primeiro fla­grante do golpe de 1964.

Exposição no IMS de São Paulo mostra as ditaduras chilena e brasileira sob o olhar aguçado do fotojornalista Evandro Teixeira -- Jovem preso no Estádio Nacional sendo identificado e fotografado por militares, Santiago, Chile, 22/09/1973.
Repro­dução: Jovem pre­so no Está­dio Nacional sendo iden­ti­fi­ca­do e fotografa­do por mil­itares, San­ti­a­go, Chile, 22/09/1973. — Evan­dro Teixeira/Acervo IMS

Ao todo, a exposição apre­sen­ta 160 fotografias, além de livros, vídeos, fac-símiles, crachás de impren­sa e até a máquina que Teix­eira pre­cisou levar ao Chile para trans­mi­tir ao Brasil suas fotos analóg­i­cas. Das 160 fotos em exposição, 130 apre­sen­tam as ima­gens feitas por ele naque­le país. As demais são fotos em que retra­ta a ditadu­ra brasileira. Entre elas está uma das mais famosas do perío­do em que reg­istrou cen­te­nas de pes­soas aglom­er­adas na Cinelân­dia, no cen­tro do Rio, segu­ran­do uma faixa onde se lê: Abaixo a Ditadu­ra, Povo no Poder, fei­ta durante a Passea­ta dos 100 mil. A foto, que havia sido escol­hi­da para estam­par a capa do Jor­nal do Brasil, acabou sendo cen­sura­da pelos mil­itares e não pôde entrar na primeira pági­na do jor­nal. Mas se tornou uma das ima­gens mais con­heci­das sobre a ditadu­ra mil­i­tar brasileira.

“Ele fez uma série de ima­gens das man­i­fes­tações de 1968, que começaram com o assas­si­na­to do estu­dante Edson Luis (Edson Luís de Lima Souto, mor­to por mil­itares brasileiros], pas­sou pela mis­sa de séti­mo dia reprim­i­da na Can­delária, que cul­mi­nou depois na chama­da ‘sex­ta-feira san­grenta’ [even­to em que os mil­itares reprim­i­ram uma passea­ta de estu­dantes, provo­can­do a morte de pelo menos 28 pes­soas]. E, por fim, retra­tou tam­bém a Passea­ta dos 100 mil”, expli­cou Bur­gi.

Salas expositivas

A exposição apre­sen­ta três grandes con­jun­tos de ima­gens feitas por Teix­eira nes­sa viagem ao Chile. No primeiro espaço são apre­sen­tadas fotos que ele fez da ditadu­ra brasileira e tam­bém ima­gens em que retra­tou o que acon­te­ceu no Está­dio Nacional de Chile, “trans­for­ma­do em um cam­po de detenção, tor­turas e assas­si­natos”, segun­do o curador.

Nes­ta sessão da sala expos­i­ti­va, o curador colo­cou de lado as ima­gens feitas no está­dio e que foram ence­nadas pelos mil­itares, mostran­do poucos pre­sos políti­cos nas arquiban­cadas e um coro­nel dan­do entre­vista. Dizia que todos eles rece­bi­am bom atendi­men­to nas prisões. Do out­ro lado, foram colo­cadas as fotos que Evan­dro fez ao con­seguir se desven­cil­har dos mil­itares e entrar no sub­so­lo do está­dio, mostran­do os estu­dantes sendo pre­sos.

Exposição no IMS de São Paulo mostra as ditaduras chilena e brasileira sob o olhar aguçado do fotojornalista Evandro Teixeira -- Enterro do poeta Pablo Neruda no Cemitério Geral de Santiago, Santiago, Chile, 25/09/1973. Evandro Teixeira/Acervo
Repro­dução: Enter­ro do poeta Pablo Neru­da no Cemitério Ger­al de San­ti­a­go, San­ti­a­go, Chile, 25/09/1973. Evan­dro — Evan­dro Teixeira/Acervo IMS

“A jun­ta mil­i­tar [chile­na], ao lib­er­ar a impren­sa inter­na­cional, ten­tou faz­er a recon­strução de uma nar­ra­ti­va às aves­sas do que de fato esta­va acon­te­cen­do no Está­dio Nacional. Ele [Teix­eira] e dezenas de foto­jor­nal­is­tas foram lev­a­dos ao está­dio, que foi pre­vi­a­mente prepara­do com ape­nas 10% dos pre­sos escol­hi­dos para ficarem ali nas arquiban­cadas. Enquan­to o coro­nel dava entre­vista dizen­do que os pre­sos tin­ham dire­ito a ban­ho de sol e atendi­men­to médi­co, o Evan­dro, que já con­hecia o local por ter cober­to a Copa do Mun­do, desceu ao sub­so­lo e mostrou ima­gens de estu­dantes chegan­do, pre­sos”, disse o curador.

Evan­dro Teix­eira se lem­bra bem desse momen­to. Ao vis­i­tar a exposição nes­sa segun­da-feira (21), ele con­tou à Agên­cia Brasil como foi viven­ciar essa parte da história. “Foi um momen­to de ten­são no Está­dio Nacional, por exem­p­lo. Como eu con­hecia o está­dio, por já ter esta­do na Copa do Mun­do de 1962, eu sabia onde esta­va pesan­do. Sabia que lá tin­ha um porão. E aí quan­do eu esta­va acom­pan­han­do a visi­ta [ofi­cial] ao está­dio, quan­do acabou [essa apre­sen­tação], dei uma fugi­da e fiz rap­i­da­mente meia dúzia de fotogra­mas de estu­dantes pre­sos encosta­dos no paredão. E todos eles mor­reram. Todos que estavam no fotogra­ma mor­reram”, con­tou.

O segun­do espaço da sala expos­i­ti­va apre­sen­ta fotos feitas por ele nas ruas de San­ti­a­go. É nesse espaço que se encon­tra tam­bém a máquina de tele­fo­to, que fun­ciona­va como apar­el­ho de fax e que uti­liza­va para enviar fotos do Chile para o Jor­nal do Brasil. “Aqui há uma série de ima­gens do Palá­cio de La Mon­e­da bom­bardea­do, da cidade ocu­pa­da pelo Exérci­to e do cemitério per­iféri­co com covas aber­tas”, descreveu o curador.

Já o ter­ceiro espaço apre­sen­ta as ima­gens que Teix­eira fez sobre a morte e o enter­ro do poeta chileno Pablo Neru­da. O fotó­grafo havia con­heci­do Neru­da e sua esposa Matilde ain­da no Brasil, quan­do estiver­am em Sal­vador para vis­i­tar o escritor Jorge Ama­do.

Assim que chegou ao Chile para retratar a ditadu­ra, Teix­eira soube que Neru­da esta­va hos­pi­tal­iza­do em uma clíni­ca. E se dirigiu ao local. Lá encon­trou Neru­da já mor­to e acabou fazen­do os úni­cos e últi­mos reg­istros do poeta. “Ele foi com uma câmera escon­di­da, con­seguiu pas­sar por uma entra­da lat­er­al e chegou a uma área onde o cor­po do Neru­da havia sido trazi­do para a preparação [do enter­ro]. Há uma foto impor­tante que ele faz, a primeira delas, em que está a viú­va do Neru­da [ao lado do cor­po]. Ele fez a foto e se apre­sen­tou para ela, lem­bran­do da visi­ta deles a Jorge Ama­do. E aí ela pediu que ele lá ficas­se e a acom­pan­has­se. O foto­jor­nal­ista fez 36 horas de doc­u­men­tação entre a clíni­ca, a casa deles, o velório e o enter­ro. Essa acabou viran­do a primeira man­i­fes­tação políti­ca con­tra o regime de [Augus­to] Pinochet”, disse o curador.

Exposição no IMS de São Paulo mostra as ditaduras chilena e brasileira sob o olhar aguçado do fotojornalista Evandro Teixeira -- Corpo do poeta Pablo Neruda na Clínica Santa Maria, velado por sua viúva Matilde Urrutia, Santiago, Chile, 24/09
Repro­dução: Cor­po do poeta Pablo Neru­da na Clíni­ca San­ta Maria, vela­do por sua viú­va Matilde Urru­tia, San­ti­a­go, Chile, 24/09 — Evan­dro Teixeira/Acervo IMS

As fotos sobre a morte e o enter­ro de Neru­da são apre­sen­tadas acom­pan­hadas por tre­chos de suas poe­sias. “Tem uma foto de dona Matilde em um cubícu­lo, ao lado da por­ta por onde entrei. Quan­do abriu a por­ta da Clíni­ca San­ta Maria, eu esta­va rodan­do por ali e procu­ran­do por onde entrar. Vi uma port­in­ha aber­ta e entrei. Quan­do entrei naque­le cubícu­lo, vi o cor­po do Neru­da em uma maca e dona Matilde sen­ta­da ao lado. E aí eu ‘pá’, cliquei. Primeiro eu fotografei e depois fui falar que eu era o fotó­grafo [que fez ima­gens] do Jorge Ama­do. ‘Lem­bra?’, disse a ela. Aí ela olhou para mim e afir­mou: ‘meu fil­ho, sua pre­sença aqui é muito impor­tante’”, lem­brou Teix­eira.

Então, ele foi autor­iza­do pela viú­va a fotogra­far o velório e o enter­ro do poeta, que foi acom­pan­hado por uma mul­ti­dão. “Foi bem emo­cio­nante. Eu chor­ei lá. Eu subi no túmu­lo para fotogra­far de cima e vi o povo can­tan­do: ‘Neru­da está vivo’. E aí eu chor­ei. Com as lágri­mas der­ra­madas, eu me segurei. Foi um momen­to lin­do”, con­tou.

As ditaduras

Na entre­vista à Agên­cia Brasil, o foto­jor­nal­ista que viven­ciou os perío­dos vio­len­tos de ditadu­ra mil­i­tar no Brasil e no Chile disse que não há difer­enças entre eles. E ressaltou que, saber sobre esse perío­do na história dos dois país­es é impor­tante para que a sociedade jamais per­mi­ta a vol­ta das ditaduras. “Aqui­lo que acon­te­ceu em Brasília [a invasão dos três Poderes, no iní­cio de janeiro deste ano] foi uma ver­gonha. Aqui­lo me deu um negó­cio. Aqui­lo foi uma coisa triste”, lamen­tou.

Teix­eira vai par­tic­i­par de um bate-papo com o públi­co nes­ta terça-feira, a par­tir das 18h. Na con­ver­sa, que tam­bém con­tará com a pre­sença do curador da mostra, serão dis­cu­ti­das as ditaduras e a importân­cia dos regimes democráti­cos. “É uma exposição impor­tan­tís­si­ma porque fala fun­da­men­tal­mente da questão do Esta­do de Dire­ito e do sig­nifi­ca­do de vio­lên­cia, toda vez que você rompe isso”, disse Bur­gi.

“Esse tipo de exposição é impor­tante para ensi­nar à novas ger­ações o que é a ditadu­ra. Difer­ente­mente do Brasil, a Argenti­na e o Chile tiver­am um proces­so de jul­ga­men­to [dos respon­sáveis pelas tor­turas e mortes do perío­do] que per­mi­ti­ram às novas ger­ações con­hecer a história. Como no Brasil não hou­ve ess­es jul­ga­men­tos, esse tipo de ini­cia­ti­va, a exposição é fun­da­men­tal”, afir­mou Cari­na, fil­ha do fotó­grafo.

O bate-papo tam­bém deve incluir a importân­cia do papel do foto­jor­nal­ista nos reg­istros históri­cos. “Min­ha aven­tu­ra pes­soal iden­ti­fi­ca-se com a aven­tu­ra vivi­da pelo mun­do. Não ten­ho méri­tos para isso, sou um homem mane­jan­do uma câmera. Quan­do bem oper­a­da, é um fós­foro ace­so na escuridão. Ilu­mi­na fatos nem sem­pre muito com­preen­síveis. Ofer­ece lam­pe­jos, rev­ela dores do impasse do mun­do. E des­per­ta nos home­ns o dese­jo de destru­ir esse impasse”, disse o fotó­grafo em tex­to sobre a exposição.

A mostra no Insti­tu­to Mor­eira Salles tem entra­da gra­tui­ta. Mais infor­mações podem ser obti­das no site da exposição. “Tomara que mui­ta gente ven­ha ver porque, mod­és­tia a parte, eu não tin­ha ain­da a dimen­são da qual­i­dade e da quan­ti­dade do que eu tin­ha feito”, disse o fotó­grafo à reportagem.

Edição: Graça Adju­to

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