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Exposição no Memorial da Resistência lembra vítimas da ditadura

Painel mostra páginas dos processos relacionados à violência

Lety­cia Bond — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 25/01/2025 — 16:50
São Paulo
São Paulo (SP), 24/01/2025 - Memorial da Resistência em São Paulo, inaugura painel de Rafael Pagatini, que faz parte da exposição Uma Vertigem Vision.ária - Brasil Nunca Mais. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Repro­dução: © Paulo Pinto/Agência Brasil

O Memo­r­i­al da Resistên­cia de São Paulo, úni­co espaço do país a sal­va­guardar um acer­vo sobre os atos de resistên­cia a aparatos de repressão no Brasil, comem­o­rou 16 anos de ativi­dade nes­ta sex­ta-feira (24). Para mar­car o aniver­sário, o museu, insta­l­a­do no pré­dio onde fun­cio­nou por quase qua­tro décadas o Depar­ta­men­to Estad­ual de Ordem Políti­ca e Social (Deops/SP), preparou um mur­al para provo­car reflexões bas­tante atu­ais.

A obra Este capí­tu­lo não foi Con­cluí­do (2024), de Rafael Paga­ti­ni, ficará em exibição no mur­al exter­no do museu. Para hom­e­nagear e hon­rar a memória de persegui­dos políti­cos durante a ditadu­ra civ­il-mil­i­tar instau­ra­da em 1964, com o golpe que der­rubou o pres­i­dente João Goulart, Paga­ti­ni escol­heu expor um painel de 14,2m x 4,5m com­pos­to por 72 pági­nas dos proces­sos do Supe­ri­or Tri­bunal Mil­i­tar (STM) rela­ciona­dos às vio­lên­cias prat­i­cadas con­tra tais pes­soas, como retal­i­ação aos ques­tion­a­men­tos que fazi­am.

Para tornar mais pro­nun­ci­adas as pre­senças das víti­mas da ditadu­ra, o pesquisador e docente gaú­cho mostra as fol­has de papel com itens como roupas e adereços. Essas pági­nas foram copi­adas do pro­je­to Brasil: Nun­ca Mais, que, com esforços cole­tivos de diver­sos seg­men­tos, de mil­i­tantes a fig­uras das igre­jas católi­ca e pres­bi­te­ri­ana, preser­vou 1 mil­hão de pági­nas con­ti­das em 707 proces­sos do STM entre 1979 e 1985.

Uma das leituras pos­síveis conec­ta o painel ao livro O Proces­so, de Franz Kaf­ka, escrito no con­tex­to da Primeira Guer­ra Mundi­al, em 1914. O romance serve de refer­ên­cia na medi­da em que tam­bém tra­ta do assom­bro do pro­tag­o­nista, Josef K., a quem imputam algo que não sabe o que é e que por isso é lev­a­do a jul­ga­men­to. A angús­tia, por não haver certeza do que serão o des­fe­cho do jul­ga­men­to e, por­tan­to, seu des­ti­no e por ser víti­ma de uma justiça são algo que mar­ca o livro e tam­bém iden­ti­fi­ca­do em perío­dos de regimes autoritários.

São Paulo (SP), 24/01/2025 - Memorial da Resistência em São Paulo, inaugura painel de Rafael Pagatini, que faz parte da exposição Uma Vertigem Vision.ária - Brasil Nunca Mais. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Repro­dução: São Paulo (SP), 24/01/2025 — Memo­r­i­al da Resistên­cia em São Paulo, inau­gu­ra painel de Rafael Paga­ti­ni, que faz parte da exposição Uma Ver­tigem Vision.ária — Brasil Nun­ca Mais. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil — Paulo Pinto/Agência Brasil

Exposição

O painel inte­gra a exposição tem­porária Uma Ver­tigem Visionária — Brasil: Nun­ca Mais, de 400 m² e curado­ria de Diego Matos. Uma das seções ofer­ece aos vis­i­tantes a opor­tu­nidade de ver obras da Coleção Alí­pio Freire, real­izadas por ex-pre­sos políti­cos como Artur Scav­one, Ângela Rocha, Rita Sipahi, Manoel Cyril­lo, Sér­gio Fer­ro, Sér­gio Sis­ter e o próprio Alí­pio Freire, durante a per­manên­cia em presí­dios de São Paulo, na ditadu­ra.

Segun­do a dire­to­ra do Memo­r­i­al da Resistên­cia, Ana Mat­tos Pato, um dos pon­tos mais inter­es­santes e rel­e­vantes a se notar é a natureza do mate­r­i­al que serviu de base para o Brasil: Nun­ca Mais: doc­u­men­tos elab­o­ra­dos pelos próprios mil­itares, agentes da repressão. “É uma doc­u­men­tação e, nesse sen­ti­do, irrefutáv­el”, diz à Agên­cia Brasil, acres­cen­tan­do que nis­so o Brasil difere da Argenti­na, que tam­bém é retrata­da em out­ra exposição atual­mente aber­ta no museu, de nome Memória argenti­na para o mun­do: o Cen­tro Clan­des­ti­no ESMA.

Parte dos vis­i­tantes, diz a dire­to­ra, chega ao museu sem saber nada do Brasil: Nun­ca Mais, enquan­to alguns já viram uma cópia impres­sa, mas, sem tê-la aber­to antes, somente ago­ra, pisan­do no memo­r­i­al é que desven­dam seu con­teú­do. “O que noto das pes­soas que vêm aqui é, primeiro, uma sur­pre­sa. Mui­ta gente não con­hecia, diz, ah, tin­ha na estante do meu avô, do meu pai, do meu tio. Um ‘ah, já ouvi falar’. Mas esse ‘já ouvi falar’, quan­do você começa a con­ver­sar, vê que é uma memória dis­tante”, comen­ta.

“E isso me impres­sio­nou muito tam­bém, porque, se a gente for pen­sar, do pon­to de vista dessa história, ela mere­cia um lon­ga-metragem, ser con­heci­da, estu­da­da a fun­do, porque é uma história não só de uma cor­agem muito grande, mas, com pouco, se pro­duzir uma reação de doc­u­men­tação úni­ca e um rela­to pro­fun­do da vio­lên­cia de Esta­do na ditadu­ra. E, mais, um retra­to da tor­tu­ra como estraté­gia de coerção”, emen­da.

Uma das prin­ci­pais tare­fas de que se ocu­pam as equipes do memo­r­i­al é a cole­ta de depoi­men­tos de pes­soas que nar­ram o que ocor­ria na ditadu­ra. Com a exposição, tem sido retoma­da com mais inten­si­dade. “É a primeira vez que muitas dessas pes­soas vêm a públi­co”, salien­ta Ana.

Para a dire­to­ra, o silên­cio pro­lon­ga­do até hoje é expli­ca­do por um pacto que se fez, a fim de não deixar ninguém vul­neráv­el na época, mas tam­bém por um receio que ain­da per­du­ra. “Acho que tem a ver com o arqui­vo da mil­itân­cia, arquiv­os que foram cri­a­dos, muitas vezes, para não serem encon­tra­dos. Tin­ham que viv­er na clan­des­tinidade”, pon­dera.

“E acho que mui­ta gente tam­bém se envolveu inten­sa­mente, no perío­do da rede­moc­ra­ti­za­ção con­tin­u­ou com muito medo de falar, de diz­er ‘olha, eu par­ticipei’, porque era fato, a vig­ilân­cia con­tin­u­ou depois, no perío­do da democ­ra­cia. [Demon­stra] o quan­to essas pes­soas são mar­cadas por esse receio.”

Serviço

A exposição Uma Ver­tigem Visionária — Brasil: Nun­ca Mais fica em car­taz até o dia 27 de jul­ho, no Memo­r­i­al da Resistência, em São Paulo. A mostra tem entra­da gra­tui­ta e está aber­ta todos os dias (exce­to terça), das 10h às 18h.

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