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Exposição revisita mostra A Mão Afro Brasileira, em São Paulo

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Realizada em 1988, mostra marcou a história da arte do país


Pub­li­ca­do em 19/10/2023 — 08:02 Por Elaine Patri­cia da Cruz — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Há 35 anos, o artista e museól­o­go Ema­noel Araújo (1940–2022) fez a curado­ria da icôni­ca exposição A Mão Afro-Brasileira, para mar­car o cen­tenário da abolição da escravidão. Real­iza­da em 1988, no Museu de Arte Mod­er­na de São Paulo (MAM), a mostra mar­cou a história da arte do país.

Anos depois, em 2004, Ema­noel Araújo fun­dou o Museu Afro Brasil, do qual foi dire­tor-curador até a sua morte, em setem­bro do ano pas­sa­do. O museu, próx­i­mo ao MAM, tam­bém no Par­que Ibi­ra­puera, tem seu olhar volta­do aos aspec­tos dos uni­ver­sos cul­tur­ais africanos e afro-brasileiros, abor­dan­do temas como a religião, o tra­bal­ho, a arte e a escravidão, e reg­is­tra a tra­jetória históri­ca e as influên­cias africanas na con­strução da sociedade brasileira.

Para hom­e­nagear a mar­cante exposição de 1988 e o próprio Ema­noel Araújo, o MAM decid­iu se unir ao Museu Afro Brasil Ema­noel Araújo para realizar a mostra Mãos: 35 anos da Mão Afro-Brasileira, que entra em car­taz nes­ta quin­ta-feira (19) em ambas as insti­tu­ições, no Par­que Ibi­ra­puera.

“A mostra que o Emanuel Araújo real­i­zou em 1988 foi muito impor­tante e rel­e­vante, e está den­tro da história das exposições como uma das pio­neiras em relação a essa temáti­ca de arte afro-brasileira. Inclu­sive, ela deu origem à fun­dação do Museu Afro Brasil. E o MAM está revis­i­tan­do essa exposição para repen­sá-la criti­ca­mente, atu­al­izá-la e refle­tir sobre o sen­ti­do dessa mostra hoje”, disse Cauê Alves, curador-chefe do MAM.

A pro­pos­ta dessa nova mostra já havia sido com­par­til­ha­da com o próprio Ema­noel Araújo, que se entu­si­as­mou em faz­er a parce­ria insti­tu­cional, mas mor­reu antes de ver o pro­je­to con­cretiza­do. “É um olhar tam­bém sobre a própria história da insti­tu­ição. Cheg­amos a con­ver­sar com o Ema­noel Araújo sobre essa mostra, e ele ficou super­em­pol­ga­do na época. Mas, infe­liz­mente, ele não pode ver a con­cretiza­ção [dessa mostra]”, disse Alves.

A exposição tem curado­ria do artista Claudinei Rober­to da Sil­va e faz um recorte e uma atu­al­iza­ção sobre a mostra de 1988. Ela reúne pin­turas, gravuras, fotografias, escul­turas e doc­u­men­tos de mais de 30 artis­tas afrode­scen­dentes brasileiros, pop­u­lares, acadêmi­cos, mod­er­nos e con­tem­porâ­neos, entre eles, Heitor dos Praz­eres, Aline Bis­po, Rosana Pauli­no e o próprio Ema­noel Araújo. Doc­u­men­tos ref­er­entes à exposição de 1988 tam­bém serão exibidos.

“O que temos pre­tendi­do, a par­tir dessa curado­ria, é apre­sen­tar tam­bém uma ger­ação de artis­tas que se ben­e­fi­cia­ram do que foi ante­ri­or­mente feito pelo Ema­noel Araújo e por out­ras insti­tu­ições que, de algu­ma maneira, enten­der­am que a diver­si­dade e a plu­ral­i­dade eram vitais para o apro­fun­da­men­to de um proces­so de democ­ra­ti­za­ção do país. Não podemos esque­cer que a exposição acon­te­ceu no ano em que foi inau­gu­ra­da uma nova Con­sti­tu­ição, que pre­tendeu ampli­ar os dire­itos de gru­pos his­tori­ca­mente excluí­dos como mul­heres, negros e os orig­inários”, expli­ca o curador à Agên­cia Brasil.

Momento único

A nova exposição do MAM e do Museu Afro ocorre em um momen­to em que diver­sas insti­tu­ições de São Paulo estão voltan­do seus olhares para a arte pro­duzi­da por artis­tas afrode­scen­dentes, como a mostra Retratis­tas do Mor­ro, em car­taz no Sesc Pin­heiros e a mostra Dos Bra­sis – Arte e Pen­sa­men­to Negro, no Sesc Belen­z­in­ho. Esse diál­o­go tam­bém é feito com a Bien­al de São Paulo, even­to que está sendo real­iza­do no pré­dio da Bien­al, ao lado do MAM, no mes­mo Par­que Ibi­ra­puera.

“É um momen­to úni­co na história da arte do Brasil. Mas é um momen­to que exige, sem dúvi­da, mui­ta reflexão. Não obstante todas as con­quis­tas, ain­da acho que a rep­re­sen­tação dess­es artis­tas nos grandes museus da cidade e do país ain­da é muito reduzi­da. O bom da situ­ação é que ela está sendo enfrenta­da”, disse o curador.

Claudinei, no entan­to, faz uma ressal­va. Esse momen­to úni­co em que as insti­tu­ições estão se voltan­do para a pro­dução e a arte negra não se tra­ta de moda. Ela se ref­ere a um proces­so históri­co e de apaga­men­tos e que, neste momen­to, está sendo revis­to.

“Aqui­lo que con­ven­cionamos chamar de arte brasileira tem um pas­sa­do. Fre­quente­mente ouvi­mos falar em voga, em moda. Mas é impor­tante que as pes­soas saibam que não esta­mos falan­do de moda mas, talvez, de ascen­são de algu­ma coisa que vivia de maneira sub­m­er­sa. Esta­mos falan­do de uma emergên­cia, de uma emer­são. E isso surge a par­tir de uma insurgên­cia dos que querem se ver rep­re­sen­ta­dos”, disse o curador.

“Podemos pen­sar que essa exposição tam­bém cel­e­bra a emergên­cia, a insurgên­cia e ascen­são dess­es gru­pos que, não obstante con­tin­uem sendo oprim­i­dos, con­seguem hoje se orga­ni­zar de modo a traz­er à tona uma pro­dução que pode ser obser­va­da nes­sas várias exposições que acon­te­cem na cidade e par­tic­u­lar­mente nes­sa, que vamos inau­gu­rar ago­ra”, desta­cou.

Acervos

A exposição tam­bém debate sobre a con­sti­tu­ição dos acer­vos dos museus brasileiros e sobre como eles espel­ham, ou não, a diver­si­dade étni­ca, de gênero e classe da pop­u­lação do país. Esse é tam­bém um debate sobre a relevân­cia e cir­cu­lação da pro­dução int­elec­tu­al e artís­ti­ca de mino­rias que foram sec­u­lar­mente excluí­das.

“A ideia é que essa exposição, parte dela, pos­sa ser adquiri­da pelo museu para que ele pos­sa ser cada vez mais diver­so e menos bran­co. Temos uma políti­ca de aquisição que está muito asso­ci­a­da à políti­ca de exibição. A gente cole­ciona aqui­lo que a gente mostra e mostramos o que a gente cole­ciona. Esse é um jeito tam­bém de faz­er o museu refle­tir sobre a pos­si­bil­i­dade de incor­po­rar novas obras ao seu acer­vo”, expli­ca Cauê Alves.

Para o curador, a exposição é tam­bém uma for­ma do museu com­bat­er e se posi­cionar con­tra o epis­temicí­dio. “Epis­temí­cidio é o apaga­men­to da história e da memória dess­es gru­pos oprim­i­dos. O museu tam­bém faz parte de um apara­to que pre­tende, de algu­ma for­ma, res­gatar essas memórias e essas histórias. Nesse sen­ti­do, ele é um apara­to con­tra esse epis­temicí­dio. Mas é sem­pre impor­tante a gente lem­brar que a entra­da dess­es artis­tas foi fac­ul­ta­da por uma luta que é pretéri­ta, que é muito ante­ri­or à ascen­são dos mes­mos”, disse Claudinei.

“Gos­to de pen­sar que, em 1968, tive­mos o AI‑5, que tol­hia as liber­dades indi­vid­u­ais, e esse AI‑5 foi enfrenta­do por diver­sos setores da sociedade, inclu­sive pela sociedade negra orga­ni­za­da. Dez anos depois da procla­mação desse ato, temos em São Paulo a fun­dação do Movi­men­to Negro Unifi­ca­do. Dez anos depois dis­so, temos a cel­e­bração do cen­tenário da abolição, onde o 13 de maio pas­sa a ser ressig­nifi­ca­do porque pas­sa-se a enten­der que negros e negras foram pro­tag­o­nistas de primeira hora da luta pela sua eman­ci­pação. É no rol dess­es acon­tec­i­men­tos soci­ais e rel­e­vantes que começa a sur­gir a neces­si­dade de exibir a pro­dução int­elec­tu­al e sim­bóli­ca dessa parcela con­sid­eráv­el da nos­sa pop­u­lação. E isso acon­te­ceu jus­ta­mente em 1988”, expli­ca o curador.

A mostra em ambas as insti­tu­ições ficará em car­taz até o dia 3 de março. No MAM, a mostra tem entra­da gra­tui­ta aos domin­gos. Já o Museu Afro tem entra­da gra­tui­ta às quar­tas-feiras.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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