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Fake news sobre vacinas buscam gerar medo, dúvidas e lucro

Repro­dução: © Wil­son Dias/Agência Brasil

OMS fez alerta para outra emergência de saúde pública: a infodemia


Pub­li­ca­do em 17/09/2023 — 09:55 Por Viní­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Em meio à pan­demia de covid-19, a Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde (OMS) aler­tou que o mun­do entrou em uma out­ra emergên­cia de saúde públi­ca: a infodemia. Com o exces­so de infor­mações pub­li­cadas por todo tipo de fonte na inter­net, essa crise tor­na difí­cil encon­trar fontes idôneas e ori­en­tações con­fiáveis quan­do se pre­cisa. A OMS ressaltou, na época, que esse fenô­meno é ampli­fi­ca­do pelas redes soci­ais e se alas­tra mais rap­i­da­mente, como um vírus, afe­tan­do pro­fun­da­mente todos os aspec­tos da vida.

Nesse caldeirão de con­teú­do, grande parte do que cir­cu­la é dito sem respal­do em evidên­cias cien­tí­fi­cas e com inter­ess­es com­er­ci­ais e políti­cos, aler­ta a dire­to­ra da Sociedade Brasileira de Imu­niza­ções (SBIm) Isabela Bal­lalai. Des­de a pan­demia de covid-19, o foco dos gru­pos que dis­sem­i­nam desin­for­mação em saúde tem sido as vaci­nas, o que impacta os esforços para ele­var as cober­turas do Pro­gra­ma Nacional de Imu­niza­ções (PNI), que com­ple­ta 50 anos nes­ta segun­da-feira (18).

Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI. Isabela Ballalai é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações. Foto: SBIm
Repro­dução: Isabela Bal­lalai diz que os médi­cos têm obri­gação de faz­er recomen­dações com base em evidên­cias cien­tí­fi­cas — SBIm

“Logo depois de anun­ciar a pan­demia de covid-19, a OMS anun­ciou a infodemia. Ain­da vive­mos isso e vai ser difí­cil sair dela”, lamen­ta a médi­ca.

“Por trás dis­so, existe uma estru­tu­ra, é um negó­cio que gera din­heiro para quem faz. Dis­cor­dar faz parte, e a ciên­cia pre­cisa de con­cordân­cias e dis­cordân­cias. É assim que ela evolui. Mas a ciên­cia pre­cisa se pren­der a evidên­cias cien­tí­fi­cas. O médi­co tem a obri­gação de dar sua recomen­dação basea­da em evidên­cias.”

Quan­do essa cam­pan­ha de desin­for­mação é com­bi­na­da a uma baixa per­cepção de risco das doenças pre­venidas pelas vaci­nas, a dire­to­ra da SBIm expli­ca que a hes­i­tação vaci­nal gan­ha força, mes­mo entre profis­sion­ais de saúde. Médi­cos e enfer­meiros, assim como toda a pop­u­lação, estão sujeitos ao bom­bardeio de infor­mação na inter­net, e muitas das doenças pre­venidas pelos imu­nizantes se tornaram raras ou con­tro­ladas jus­ta­mente pelo suces­so da vaci­nação.

“A maio­r­ia que ouve essas infor­mações fica na dúvi­da. E, na dúvi­da, pref­ere não arriscar na recomen­dação. E o médi­co muitas vezes está ouvin­do de um cole­ga que ele con­hece, porque muitas vezes os médi­cos chama­dos [para espal­har desin­for­mação] são médi­cos con­heci­dos, ou até um médi­co que foi pro­fes­sor dele. Então, ele acred­i­ta.”

Linguagem apelativa

A desin­for­mação sobre vaci­nas muitas vezes é alar­mante, descreve a dire­to­ra da SBIm, e traz um tom exal­ta­do tan­to no con­teú­do quan­to na for­ma de apre­sen­tá-lo, com letras gar­rafais e col­ori­das, por exem­p­lo. Ess­es con­teú­dos tam­bém se aproveitam de vídeos e fotos de adul­tos e cri­anças para inventarem histórias sobre situ­ações que não acon­te­ce­r­am ou não estão rela­cionadas à vaci­nação.

O Distrito Federal começou a vacinar crianças acima de 6 anos contra a COVID-19
Repro­dução: Vaci­nação de cri­anças con­tra covid-19 — Fabio Rodrigues-Pozze­bom/ Agên­cia Brasil

“Toda vez que rece­ber um post nas mídias de um médi­co reno­ma­do, de uma uni­ver­si­dade con­heci­da, que fala coisas como vaci­na mata, estão escon­den­do da gente, coisas sem­pre muito alar­mantes, descon­fie. Nós, médi­cos, não falam­os assim, não faze­mos ter­ror­is­mo”, descreve ela, que ressalta que, às vezes, é difí­cil para o públi­co con­tes­tar as infor­mações, que são apre­sen­tadas de maneira con­fusa, assus­ta­do­ra e até acom­pan­hadas de supostas evidên­cias. “Infe­liz­mente, para você val­i­dar ou não uma comu­ni­cação dessa, você pode ter tra­bal­ho. Pode ter um arti­go cien­tí­fi­co que con­clui uma coisa com­ple­ta­mente difer­ente de tudo que a ciên­cia está dizen­do, e você entra nele e está em uma revista. Mas que revista é essa?”

Ameaça à democracia

A cir­cu­lação dessas infor­mações já havia sido detec­ta­da pela própria Sociedade Brasileira de Imu­niza­ções, em pesquisa divul­ga­da em 2019. Dez afir­mações fal­sas recor­rentes sobre vaci­nas foram apre­sen­tadas a mais de 2 mil entre­vis­ta­dos nas cin­co regiões do Brasil, e mais de dois terços (67%) deles dis­ser­am que ao menos uma das infor­mações era ver­dadeira. O cenário se agravou muito com a pan­demia de covid-19 e o uso das redes soci­ais con­tra diver­sas insti­tu­ições democráti­cas, como a Justiça, o sis­tema eleitoral, a impren­sa e o próprio PNI.

Nesse con­tex­to, autori­dades como o então pres­i­dente Jair Bol­sonaro defend­er­am trata­men­tos inefi­cazes con­tra a covid-19, como o que chamou de kit covid, e atacaram medi­das pre­ven­ti­vas, como o dis­tan­ci­a­men­to social, além de pro­mover descon­fi­ança em relação às vaci­nas con­tra a doença.

Ess­es ataques começaram ain­da no desen­volvi­men­to das vaci­nas, como quan­do o então pres­i­dente com­par­til­hou nas redes que a sus­pen­são dos testes da Coro­n­aVac era “mais uma que Jair Bol­sonaro gan­ha­va”, após a morte de um dos vol­un­tários. Pos­te­ri­or­mente, ficou com­pro­va­do que o óbito não teve relação com o imu­nizante. “Morte, invalidez, anom­alia. Esta é a vaci­na que o [ex-gov­er­nador de São Paulo João] Doria que­ria obri­gar a todos os paulis­tanos tomá-la. O pres­i­dente disse que a vaci­na jamais pode­ria ser obri­gatória. Mais uma que Jair Bol­sonaro gan­ha”, escreveu em respos­ta a um seguidor, em novem­bro de 2020.

Vacinação drive-thru contra a covid-19 no Parque da Cidade, em Brasília.
Repro­dução: Dos­es da vaci­na Coro­n­aVac con­tra covid-19 — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

O coor­de­nador do PNI, Eder Gat­ti, con­ta que o com­bate à desin­for­mação em saúde tem sido o primeiro pas­so de uma ação sis­temáti­ca do gov­er­no fed­er­al para com­bat­er esse prob­le­ma em todas as áreas. Gat­ti afir­ma que o ataque à con­fi­ança nas vaci­nas acon­tece de for­ma sis­temáti­ca e orga­ni­za­da e aca­ba levan­do as pes­soas a terem medo de se vaci­nar ou descon­fi­arem das vaci­nas.

“Esse é um mal recente e rel­a­ti­va­mente pequeno no Brasil, começou ago­ra com a pan­demia, mas já causa efeitos sérios nas cober­turas vaci­nais no Brasil e é algo para a gente se pre­ocu­par”, aler­ta.

“A desin­for­mação é algo que ameaça a nos­sa democ­ra­cia, é mais ampla que a saúde, e a ação de com­bate à desin­for­mação está na saúde de for­ma pilo­to, inclu­sive para agir no ataque à desin­for­mação de for­ma sis­temáti­ca. Temos um pro­gra­ma estru­tu­ra­do que tem sido tes­ta­do no sen­ti­do de iden­ti­ficar ações que dis­sem­inem infor­mação e tam­bém de for­ma a con­ter o efeito”.

Mercado perverso

Pres­i­dente do Insti­tu­to Questão de Ciên­cia, a micro­bi­ol­o­gista e escrito­ra Natalia Paster­nak recomen­da que o públi­co ten­ha muito cuida­do com posta­gens, vídeos e notí­cias que busquem causar medo ou ansiedade, porque essa é uma estraté­gia usa­da com fre­quên­cia na desin­for­mação.

“A infor­mação fal­sa é fei­ta para emo­cionar, para deixar a pes­soa com rai­va, com medo, com von­tade de com­par­til­har e mostrar para todo mun­do. Quan­do você ver uma notí­cia dessas, com esse sen­sa­cional­is­mo, que foi con­struí­da para ger­ar medo e ater­rorizar, descon­fie. Esse tipo de notí­cia tem grandes chances de ser uma pro­pa­gan­da, uma notí­cia fab­ri­ca­da para enga­nar, e existe um mer­ca­do per­ver­so que movi­men­ta essas notí­cias e quer deixar as pes­soas com medo, para vender pro­du­tos e serviços”, denun­cia. “Tem gente venden­do rever­são vaci­nal, pro­du­tos que detox­i­fi­cam das vaci­nas e pro­du­tos asso­ci­a­dos, como livros, newslet­ter e esti­lo de vida para não pre­cis­ar se vaci­nar. É um mer­ca­do que vende desin­for­mação para empurrar remé­dios, pro­du­tos e serviços desnecessários e até perigosos. São pes­soas que já estão acos­tu­madas a oper­ar esse mer­ca­do per­ver­so de desin­for­mação em saúde e que mudaram o foco depois da pan­demia, porque o foco esta­va nas vaci­nas.”

Vacinação drive-thru contra a covid-19 no Parque da Cidade, em Brasília.
Repro­dução: Vaci­nas con­tra a covid-19 se tornaram alvo de gru­pos que dis­sem­i­nam fake news — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Além dis­so, ela aler­ta que é pre­ciso descon­fi­ar de infor­mações sus­peitas sobre saúde mes­mo que elas ven­ham de pes­soas próx­i­mas que demon­strem ter boas intenções e pre­ocu­pação em aler­tar sobre elas.

“Descon­fie e acol­ha. Em vez de apon­tar para aque­le ami­go ou famil­iar e diz­er que é um anti­vacin­ista, per­gunte onde ouviu, quem falou e por que acha isso. Per­gunte se checou e se ofer­eça checar jun­tos. É pre­ciso lem­brar que essas pes­soas são víti­mas dessa máquina de desin­for­mação. Não são essas pes­soas que estão lucran­do, elas estão sendo enganadas. É pre­ciso ouvi-las com cuida­do e ten­tar ori­en­tar da mel­hor maneira pos­sív­el.”

Interesses políticos

A ação coor­de­na­da dos anti­vacin­istas para prej­u­dicar o Movi­men­to Nacional pela Vaci­nação lança­do em fevereiro pelo Min­istério da Saúde foi mapea­da pelo Lab­o­ratório de Estu­dos de Inter­net e Mídias Soci­ais da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (NetLab/UFRJ). Somente no anti­go Twit­ter, o Net­Lab con­seguiu iden­ti­ficar um grupo de 36 mil per­fis que retu­itaram mais de 100 mil pub­li­cações com con­teú­do anti­vaci­na após o lança­men­to. Tal artic­u­lação acabou sendo mais inten­sa que a dos 41 mil per­fis que fiz­er­am 79 mil retuítes a favor da vaci­nação.

O Net­Lab expli­cou à Agên­cia Brasil na época, que, em diver­sos momen­tos, a pau­ta políti­ca do país é um gatil­ho para cam­pan­has de desin­for­mação, e o movi­men­to pela vaci­nação foi um episó­dio emblemáti­co. Isso ficou claro quan­do o pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va se vaci­nou na cam­pan­ha, e a extrema dire­i­ta ativou uma artic­u­lação muito inten­sa em que várias nar­ra­ti­vas são acionadas em difer­entes platafor­mas, ten­tan­do traz­er dúvi­das sobre o quão seguras as vaci­nas são.

Carlos Eduardo Barros é coordenador de projetos e pesquisador assistente no NetLab UFRJ. Foto: Aquivo Pessoal
Repro­dução: Car­los Eduar­do Bar­ros diz que a desin­for­mação sobre vaci­nas tem relação com inter­ess­es econômi­cos e políti­cos — Aqui­vo pes­soal

Coor­de­nador de pro­je­tos e pesquisador assis­tente no Net­Lab UFRJ, Car­los Eduar­do Bar­ros con­tex­tu­al­iza que a desin­for­mação sobre vaci­nas nos últi­mos anos está inti­ma­mente rela­ciona­da a inter­ess­es econômi­cos e políti­cos. O pesquisador expli­ca que, quan­do se fala em desin­for­mação, não se tra­ta de erros que todos estão sujeitos a come­ter ao se comu­nicar, mas de uma estru­tu­ra de pro­pa­gan­da que real­mente opera com o obje­ti­vo de causar engano e con­fusão, ofer­e­cen­do uma alter­na­ti­va que é lucra­ti­va para seus finan­ciadores.

“Por isso, quan­do tive­mos o auge da covid-19 no Brasil, por exem­p­lo, antes de aumen­tar o número de pes­soas con­t­a­m­i­nadas, aumen­taram os lucros de ven­da dos supos­tos trata­men­tos pre­co­ces prom­e­tendo curas mila­grosas que ‘a mídia estaria escon­den­do’”, afir­ma ele, que res­ga­ta out­ro caso emblemáti­co: “A primeira onda de boatos sobre vaci­nas causarem efeitos absur­dos começou em 1998, quan­do um cien­tista pub­li­cou uma pesquisa asso­cian­do a trí­plice viral com o autismo. Logo desco­bri­am que os dados eram fal­sos, e ele tin­ha sido pago por uma empre­sa far­ma­cêu­ti­ca que se ben­efi­ciou com a que­da de ven­das daque­la vaci­na. Mas a que cus­to? Estu­dos sobre esse caso desta­cam que o papel da mídia na época, dan­do espaço para o fal­so cien­tista mes­mo depois da fraude com­pro­va­da, acabou espal­han­do a ideia de “peri­go” das vaci­nas, e até hoje influ­en­cia gru­pos anti­vax.”

Diante de uma máquina profis­sion­al de pro­duzir e espal­har men­ti­ras, até mes­mo profis­sion­ais de saúde podem ser engana­dos, ressalta o pesquisador, prin­ci­pal­mente quan­do o tema da desin­for­mação não é sua espe­cial­i­dade profis­sion­al. Ele apon­ta que estu­dos no cam­po da desin­for­mação sobre ciên­cia mostram que pes­soas com alto nív­el de espe­cial­iza­ção são igual­mente suscetíveis a acred­i­tar em uma infor­mação fal­sa sobre out­ra área que elas descon­hecem, e podem ser ain­da mais difí­ceis de aceitar que foram enganadas.

“Além dis­so, difi­cil­mente um profis­sion­al que não seja pesquisador terá tem­po para se atu­alizar na mes­ma veloci­dade das descober­tas cien­tí­fi­cas – e a ciên­cia tam­bém não é um cor­po imóv­el de con­hec­i­men­to, ela muda o tem­po todo con­forme apren­demos novas coisas”, afir­ma. “Essa é a importân­cia das insti­tu­ições como o Min­istério da Saúde e a OMS. E por isso tam­bém é perigoso quan­do uma figu­ra de autori­dade, seja cien­tista, jor­nal­ista ou políti­co famoso, difunde uma ideia men­tirosa. Porque a par­tir dessa pes­soa é prováv­el que muitos, até bem inten­ciona­dos, sejam influ­en­ci­a­dos e até repro­duzam dis­cur­sos sim­i­lares.”

Edição: Juliana Andrade

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