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Famílias improvisam acampamentos em rodovias para vigiar suas casas

Repro­dução: © Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Em Porto Alegre, bairros ao norte estão alagados há mais de 20 dias


Publicado em 23/05/2024 — 07:02 Por Pedro Rafael Vilela — Enviado Especial — Porto Alegre

Uma cena que se tornou comum em toda a região met­ro­pol­i­tana de Por­to Ale­gre é a de pes­soas que impro­vis­aram acam­pa­men­tos em bar­ra­cas ou nos próprios car­ros esta­ciona­dos no acosta­men­to das rodovias. Em ger­al, são famílias inteiras que tiver­am que sair às pres­sas de suas casas, em áreas ala­gadas, para bus­car refú­gio em um local próx­i­mo por temor de saques.

“Subi­mos para cá no dia 3 de maio e, na primeira noite em que cheg­amos aqui, o pes­soal esta­va saque­an­do as casas da viz­in­hança, rouban­do fio, boti­jão de gás, motor de geladeira”, con­ta Sil­vano Soares Fagun­des, 28 anos, cata­dor de mate­r­i­al reci­cláv­el e morador da Vila San­to André, no Humaitá, na zona norte da cap­i­tal gaúcha, em um aces­so da rodovia BR-116 próx­i­mo à Are­na do Grêmio.

Foi ali, em uma parte alta, mas a poucos met­ros de sua casa, ain­da ala­ga­da, que ele, a esposa, duas fil­has e vários viz­in­hos mon­taram um acam­pa­men­to com lonas, bar­ra­cas e usan­do os próprios car­ros como casas. São cer­ca de 40 pes­soas que ago­ra for­mam uma comu­nidade de desabri­ga­dos e fazem parte das quase 600 mil pes­soas fora de casa em todo o esta­do.

Porto Alegre (RS), 17/05/2024 – CHUVAS RS- DESABRIGADOS - Moradores desabrigados da Vila Santo André, divisa de Porto Alegre e Canoas, montam acampamento na rodovia, esperando a água que invadiu suas casas baixe. - . Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Por­to Ale­gre — Moradores desabri­ga­dos da Vila San­to André, divisa de Por­to Ale­gre e Canoas, mon­tam acam­pa­men­to na rodovia, esperan­do baixar a água que inva­diu suas casas — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O barul­ho e o movi­men­to de veícu­los em alta veloci­dade na pista são inten­sos. Sem ren­da por não poder tra­bal­har na reci­clagem, Har­i­ana Pereira, 30 anos, o mari­do e os qua­tro fil­hos ago­ra dormem no furgão antes usa­do para trans­portar os mate­ri­ais cole­ta­dos.

“Aqui tem um ban­heiro quími­co, mas é precário. Há muitas pes­soas que vêm aju­dar, man­dam remé­dio, água, é o que está garan­ti­n­do a sobre­vivên­cia. O gov­er­no não man­da nada. A gente até esta­va esperan­do um pes­soal para cadas­trar no pro­gra­ma Vol­ta por Cima [do gov­er­no estad­ual], mas não apare­ceu”, recla­ma.

Mais cedo, Har­i­ana tin­ha ido ver o que sobrou den­tro de casa, que chegou a ficar quase encober­ta pela inun­dação, mas não teve cor­agem de começar a limpar ain­da. “Vim hoje para limpar, mas não tem condições, tudo destruí­do, nada se salvou. O que a água não lev­ou, estavam saque­an­do, então a gente preferiu ficar aqui”, expli­ca.

Sobre voltar para uma área alagáv­el com a família, Har­i­ana diz que não tem mui­ta alter­na­ti­va e respon­s­abi­liza as autori­dades públi­cas. “Foi neg­ligên­cia. Os diques rompi­dos, não fiz­er­am manutenção. Isso pode­ria ter sido evi­ta­do”.

Porto Alegre (RS), 17/05/2024 – CHUVAS RS- DESABRIGADOS - Moradores desabrigados da Vila Santo André, divisa de Porto Alegre e Canoas, montam acampamento na rodovia, esperando a água que invadiu suas casas baixe. - . Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Por­to Ale­gre — Moradores da Vila San­to André ain­da aguardam água baixar para voltar às suas casas — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Para Sil­vano Soares, reer­guer o pouco do que tin­ha não vai ser sim­ples. Inscrito no Cadas­tro Úni­co de Pro­gra­mas Soci­ais (CadÚni­co) do gov­er­no fed­er­al, ele espera ser um dos 200 mil ben­efi­ciários do Auxílio Recon­strução, cujo cadas­tra­men­to pelas prefeituras começou nes­ta sem­ana. “Vai aju­dar bas­tante, se chegar esse din­heiro que estão prom­e­tendo, porque não tem como começar do zero”.

Esperando secar

Out­ro moti­vo que faz as pes­soas preferirem ficar na rua a optar por abri­gos é a sep­a­ração. “A gente não quis ir para o abri­go. É mel­hor ficar aqui. No abri­go estão sep­a­ran­do os pais de cri­anças”, ale­ga Cristi­na Sodré Lin­hares, 24 anos, tam­bém cata­do­ra de reci­cláveis. Do Poder Públi­co, Cristi­na espera ao menos que enviem equipa­men­tos para tirar todo o entul­ho espal­ha­do pela enchente dos mate­ri­ais que estavam em dois galpões de reci­clagem local­iza­dos no bair­ro.

Em área próx­i­ma dali, à beira da pista da BR-116, no bair­ro Far­ra­pos, o casal Gilson Nunes Rosa e Clau­dia Rodrigues con­ta que não ficou em abri­go porque teria que se sep­a­rar em locais difer­entes, incluin­do o cachor­ro, com­pan­heiro insep­a­ráv­el. “A gente não que­ria ficar sep­a­ra­do e cor­ria o risco de nun­ca mais achar meu cachor­ro”, diz Clau­dia.

Porto Alegre (RS), 21/05/2024 – CHUVAS/ RS - ENCHENTE - Bairro Farrapos, em Porto Alegre, continua alagado. - Morador do Bairro de Farrapos, Gilson Nunes Rosa está vivendo em uma barraca. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Por­to Ale­gre — Morador do Bair­ro de Far­ra­pos, Gilson Nunes Rosa está viven­do em uma bar­ra­ca — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

“A gente tá viven­do aqui de for­ma meio desumana, em bar­ra­ca. Enquan­to não secar, não temos como faz­er nada”, diz Gilson, que tam­bém está para­do sem o tra­bal­ho de reci­clagem.

No mes­mo local, a reportagem da Agên­cia Brasil con­ver­sou com Jorge Barce­los dos San­tos, que tra­bal­ha­va como motorista de frete, mas viu seu car­ro ala­gar na enchente e não sabe se poderá voltar a con­tar com o veícu­lo. “Den­tro de casa, a água chegou a 1,95 metro. O cam­in­hão de frete, que era o gan­ha-pão, foi com­ple­ta­mente cober­to de água”.

Sua esposa, Maria Elisa Rodrigues, expli­ca a decisão de mon­tar uma bar­ra­ca quase em frente de casa, sob o viadu­to, sep­a­ra­dos ape­nas por uma rua ain­da ala­ga­da e por onde as pes­soas cir­cu­lam em bar­cos.

Catástrofe desigual

As tra­jetórias de quem optou por acam­par na beira da estra­da após as enchentes se encon­tram em um pon­to comum: a vul­ner­a­bil­i­dade socioe­conômi­ca. Mapas pro­duzi­dos pelo Núcleo Por­to Ale­gre do Obser­vatório das Metrópoles mostram uma demar­cação muito clara de desigual­dade de ren­da nas pes­soas que foram mais atingi­das pela catástrofe.

“As áreas ala­gadas são, prin­ci­pal­mente, as mais pobres. Não só as regiões de menor ren­da, mas, na maio­r­ia dos casos, as áreas mais próx­i­mas dos rios que ala­garam são as áreas mais pobres”, afir­ma André Augustin, pesquisador do Obser­vatório e um dos respon­sáveis pelo estu­do.

Porto Alegre (RS), 21/05/2024 – CHUVAS/ RS - ENCHENTE - Bairro Farrapos, em Porto Alegre, continua alagado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Por­to Ale­gre — Bair­ro Far­ra­pos, em Por­to Ale­gre, con­tin­ua ala­ga­do — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Os mapas tam­bém mostraram impacto pro­por­cional­mente muito maior sobre a pop­u­lação negra, que rep­re­sen­ta cer­ca de 21% da pop­u­lação do esta­do. Nesse caso, as áreas que mais sofr­eram com as inun­dações apre­sen­tam con­cen­tração expres­si­va de pop­u­lação negra, geral­mente aci­ma da média dos municí­pios. É o caso jus­ta­mente dos bair­ros Humaitá, Saran­di e Rubem Berta, em Por­to legre, e de Math­ias Vel­ho, em Canoas.

Edição: Graça Adju­to

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