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Finados: “saudade é pior que pobreza”, diz idosa em situação de rua

Enterro social é opção para pessoas vulneráveis que perdem familiares

Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 02/11/2024 — 08:10
Brasília
Brasília (DF) 01/11/2024 Pessoas em situação de rua em Brasília. Foto Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: © Antônio Cruz/Agência Brasil

Uma lona pre­ta des­gas­ta­da, apoia­da por madeiras fin­cadas na ter­ra, em área de calça­da, cobre a vida da aposen­ta­da baiana Luzia Cav­al­cante, de 67 anos. “Mas estar na rua não é a min­ha maior dor. Pior que a pobreza é a saudade”, lamen­ta. 

Com a vas­soura na mão, a mul­her nasci­da em Cam­po Ale­gre de Lour­des (BA) bus­ca­va afas­tar a poeira joga­da pelos car­ros que pas­sam acel­er­a­dos por uma via expres­sa na Asa Norte, em Brasília.

“Eu var­ro a rua na frente de casa para pas­sar o tem­po. Todos os anos, preparo min­ha cabeça para o Dia de Fina­dos (2), o meu pior dia da vida”. É quan­do ela vai vis­i­tar os túmu­los do mari­do Raimun­do, fale­ci­do com câncer de esôfa­go, há 28 anos, e do fil­ho João, assas­si­na­do aos 18 anos, em 2019.

Foi pela memória do fil­ho que Luzia pas­sou três dias bus­can­do doação e emprés­ti­mo para jun­tar R$ 3 mil e con­seguir sepul­tar o cor­po do rapaz em um cemitério de Planalti­na (DF). Teve difi­cul­dades de pedir aju­da porque não sabe escr­ev­er sobre a dor e a neces­si­dade que esta­va pas­san­do.

“Pen­so neles a toda hora. Tem gente que nos vê viven­do na rua e pen­sa que a gente é acos­tu­ma­do a viv­er na dor. Eu nun­ca me acos­tumei a viv­er sem eles”, lamen­tou.

Até a morte do rapaz, eles vivi­am em uma casa “humilde” na cidade de Vianópo­lis (GO).

Brasília (DF) 01/11/2024 Pessoas em situação de rua em Brasília. ( Luzia Cavalcante) Foto Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF) 01/11/2024 Luzia Cav­al­cante perdeu o mari­do e o fil­ho. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Luto

Mas a dor e “out­ros motivos” levaram parte da família a viv­er em uma bar­ra­ca na rua. Lev­an­ta­men­to do Insti­tu­to de Pesquisa e Estatís­ti­ca do Dis­tri­to Fed­er­al (IPE-DF), divul­ga­do no ano pas­sa­do, mostra que o número de pes­soas em situ­ação de rua nes­sa unidade fed­er­a­ti­va é de 2.938.

A morte de famil­iares é cita­da como um dos prin­ci­pais motivos que lev­am pes­soas para essa condição. Em todo o Brasil, segun­do o Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, são 236,4 mil.

A cor­re­ria de Luzia envolve ten­tar cuidar dos out­ros nove fil­hos que ficaram, incluin­do a caçu­la que sofre de ane­mia pro­fun­da e não anda. A bar­ra­ca onde vivem foi insta­l­a­da próx­i­ma ao hos­pi­tal públi­co na Asa Norte em que a jovem de 18 anos faz trata­men­to.

“Aman­hã é dia de ir ao cemitério. Segun­da é para ir ao hos­pi­tal”. Atual­mente, ela sobre­vive com o Bene­fí­cio de Prestação Con­tin­u­a­da (BPC), do gov­er­no fed­er­al, e ten­ta, nos dias que vol­ta a Goiás, cul­ti­var a roça na casa de ami­gos. Ela que­ria cuidar mais dos túmu­los em que os amores da vida dela estão enter­ra­dos.

Invisibilidade

Luzia não sabia, mas, no Dis­tri­to Fed­er­al, onde ela vive, há a pos­si­bil­i­dade de que pes­soas em vul­ner­a­bil­i­dade recor­ram ao sepul­ta­men­to social. A sec­re­taria de Desen­volvi­men­to Social garante que divul­ga o serviço para o públi­co-alvo. São exigi­dos para o bene­fí­cio doc­u­men­tos ofi­ci­ais, como o com­pro­vante de ren­da, que não pode ultra­pas­sar 50% do salário mín­i­mo na casa da pes­soa.

Con­forme expli­ca a pro­fes­so­ra de serviço social Laris­sa Matos, do Cen­tro Uni­ver­sitário de Brasília (Ceub), pes­soas em situ­ação de rua, mes­mo viven­do em áreas urbanas, à vista da mul­ti­dão da metró­pole, estão invis­i­bi­lizadas, inclu­sive pelas políti­cas públi­cas e pela sociedade. Assim, tam­bém invis­i­bi­lizadas tam­bém na situ­ação de luto.

“A frag­ili­dade em que vivem pode apro­fun­dar ain­da mais os sen­ti­men­tos da per­da e as lem­branças de um out­ro momen­to de vida”, diz a pesquisado­ra.

Saudade diária

Out­ra baiana na cap­i­tal do Brasil, que define a vida como uma “saudade diária”, é Maria dos San­tos, de 60 anos. Ela, que mudou de Xique-Xique (BA) para a cap­i­tal do país quan­do era ado­les­cente, diz que a per­da dos pais de for­ma pre­coce fez tam­bém com que perdesse a casa e o rumo da vida.

Maria tam­bém vive sob uma lona, ao lado de uma obra na cap­i­tal.

“Quan­do eles eram vivos, tín­hamos uma roça. Eles estão enter­ra­dos em Goiás. Não ten­ho como ir lá ver. Não ten­ho din­heiro para via­jar. Até que­ria, mas não dá”, lamen­ta.

Por falar em saudades, o per­nam­bu­cano Sebastião de Lima, de 59 anos, que vive sob uma lona na Asa Sul, diz que son­ha todos os dias com a mãe, que mor­reu há três décadas. “O cor­po dela está enter­ra­do lá em Olin­da (PE). Não ten­ho como vis­i­tar. Mas eu que­ria. Era ela a pes­soa que me dava car­in­ho na vida. Tudo piorou depois”.  Não seguiu na esco­la e só podia tra­bal­har para sobre­viv­er.

Ele hoje tra­bal­ha com reci­clagem, mas tem difi­cul­dades de recol­her mate­ri­ais com as mãos. O homem sofreu um aci­dente há 20 anos enquan­to con­ser­ta­va uma cer­ca. No ano seguinte, sofreu com a morte de um irmão e um sobrin­ho de 14 anos de idade.

“Eles foram enter­ra­dos em cova rasa, mas é em um lugar longe daqui. Fico só no meu bar­ra­co choran­do e rezan­do por eles no dia dos mor­tos”.

Brasília (DF) 01/11/2024 Pessoas em situação de rua em Brasília. ( Sebastião Lima ) Foto Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF) 01/11/2024 — O per­nam­bu­cano Sebastião Lima lem­bra a mãe, que mor­reu há três décadas. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
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