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Fogo na Amazônia se concentra em locais onde agronegócio avança

Repro­dução: © Marizil­da Cruppe/Greenpeace

Para professor da UFPA, queimadas são resultado da apropriação ilegal


Publicado em 18/09/2024 — 10:12 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Os incên­dios que con­somem o bio­ma amazôni­co são uma das eta­pas da explo­ração econômi­ca da flo­res­ta, que vem sendo con­vo­ca­da pela econo­mia mundi­al para fornecer ali­men­tos e matérias-pri­mas baratas, per­mitin­do a manutenção do preço dos salários nos país­es mais desen­volvi­dos e o aumen­to do lucro em escala glob­al. Essa é a avali­ação do pro­fes­sor de econo­mia Gilber­to de Souza Mar­ques, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará (UFPA).

Autor do livro Amazô­nia: riqueza, degradação e saque, o espe­cial­ista desta­ca que a agropecuária, a min­er­ação e o setor madeireiro são as prin­ci­pais ativi­dades que con­tribuem para o des­mata­men­to da Amazô­nia e que a gri­lagem de ter­ra ali­men­ta essa explo­ração econômi­ca.

Brasília (DF) 18/09/2024 - Professor de economia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilberto de Souza Marques, autor do livro “Amazônia: riqueza, degradação e saque”Foto: Gilberto de Souza Marques/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Pro­fes­sor de econo­mia da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará Gilber­to de Souza Mar­ques, autor do livro Amazô­nia: riqueza, degradação e saque — Foto: Gilber­to de Souza Marques/Arquivo Pes­soal

Mar­ques ques­tiona o mod­e­lo econômi­co impos­to ao bio­ma, argu­men­tan­do que nem tudo que gera muito lucro é o mel­hor para o con­jun­to da sociedade brasileira. Além dis­so, afir­ma que a Amazô­nia já está inter­na­cional­iza­da porque as grandes multi­na­cionais da min­er­ação e do agronegó­cio são as que con­tro­lam a econo­mia dom­i­nante na região.

Para o espe­cial­ista em econo­mia políti­ca, natureza e desen­volvi­men­to, as exper­iên­cias dos povos indí­ge­nas e comu­nidades tradi­cionais são as sementes de esper­ança que devem ser regadas para se con­tra­por à mono­cul­tura na região amazôni­ca.

Con­fi­ra a entre­vista com­ple­ta:

Agên­cia Brasil: Qual a relação da destru­ição da Amazô­nia com a explo­ração econômi­ca do bio­ma?

Gilber­to Mar­ques: A Amazô­nia tem duas grandes tare­fas no mun­do que são incom­patíveis. A primeira é con­tribuir para aumen­tar a rentabil­i­dade do cap­i­tal nas econo­mias cen­trais, com o rebaix­a­m­en­to dos cus­tos de pro­dução. Isso sig­nifi­ca pro­duzir matérias-pri­mas baratas de expor­tação para a Chi­na e para a Europa, como o fer­ro, a soja e out­ros pro­du­tos.

Ao pro­duzir ali­men­tos baratos, a Amazô­nia diminui a pressão para ele­vação salar­i­al ness­es país­es e con­tribui para ele­var as taxas de lucro em meio a uma econo­mia glob­al que vive suces­si­vas crises de rentabil­i­dade do cap­i­tal.

A segun­da tare­fa da Amazô­nia é con­tribuir para reduzir os efeitos do aque­c­i­men­to glob­al, em par­tic­u­lar a emis­são de gas­es de efeito est­u­fa. Na atu­al­i­dade, essas duas tare­fas são incom­patíveis porque a primeira tare­fa impõe um rit­mo de apro­pri­ação da natureza como nun­ca vis­to nos 13 mil anos de existên­cia humana na Amazô­nia.

Esse rit­mo dita­do pela bus­ca do lucro faz com que a natureza ten­ha difi­cul­dade de se recom­por, pois são ativi­dades extrema­mente degradantes para a natureza.

floresta Amazônica
Repro­dução: Flo­res­ta Amazôni­ca — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Agên­cia Brasil: Quais as prin­ci­pais ativi­dades que con­tribuem para degradar a Amazô­nia?

Gilber­to: A min­er­ação e o agronegó­cio asso­ci­a­dos à explo­ração madeireira. E a car­ac­terís­ti­ca mais gri­tante na Amazô­nia é que o legal se ali­men­ta do ile­gal e o ile­gal do legal.

O setor pecuar­ista, que se apro­pria de ter­ras públi­cas e que uti­liza muitas vezes o tra­bal­ho escra­vo, con­tin­ua, de algu­ma for­ma, venden­do o seu gado para as grandes cadeias da com­er­cial­iza­ção dos grandes frig­orí­fi­cos, dire­ta ou indi­re­ta­mente.

Indi­re­ta­mente porque eles maquiam esse gado [de áreas gri­ladas] e os frig­orí­fi­cos sabem dis­so. O gado que não pode ser ven­di­do para Europa, por exem­p­lo, porque tem regras mais rígi­das, segue para o Nordeste ou o Sud­este, abaste­cen­do ess­es mer­ca­dos region­ais e per­mitin­do que os reban­hos cri­a­dos nes­sas regiões pos­sam ser expor­ta­dos sem pre­juí­zo do con­sumo local. Dire­ta ou indi­re­ta­mente, o gado amazôni­co, mes­mo cri­a­do em áreas ile­gais, entra nas grandes cadeias de pro­teí­na ani­mal do plan­e­ta.

Em 2021, o prin­ci­pal pro­du­to expor­ta­do pelo municí­pio de São Paulo foi o ouro, com aprox­i­mada­mente 27% de tudo que o municí­pio expor­tou. De onde vem esse ouro que entra nos grandes cir­cuitos legais da finan­ce­i­riza­ção da econo­mia? Esse ouro sai, em grande medi­da, dos cir­cuitos ile­gais que estão destru­in­do a Amazô­nia.

A min­er­ação destrói inten­si­va­mente a flo­res­ta, o solo e sub­so­lo, mas ela ocorre em espaço menor, ain­da que ten­ha uma exten­são além da mina, como é o caso da con­t­a­m­i­nação dos rios. Já a agropecuária usa exten­sas áreas e o uso de agrotóx­i­cos mata os inse­tos que polin­izam a flo­res­ta.

Além dis­so, a plan­tação de soja reti­ra cober­tu­ra veg­e­tal, aumen­tan­do a tem­per­atu­ra em torno do cam­po de plan­tio e os riscos de incên­dios. Essas ativi­dades estim­u­lam a apro­pri­ação ile­gal da ter­ra na Amazô­nia.

Floresta amazônica vista de cima.
Repro­dução: Flo­res­ta amazôni­ca vista de cima. — Divul­gação TV Brasil

Agên­cia Brasil: Como ocorre essa apro­pri­ação ile­gal da ter­ra da Amazô­nia?

Gilber­to: O grileiro se apro­pria de uma ter­ra públi­ca, de uma área de preser­vação ou de ter­ritório indí­ge­na, e der­ru­ba a flo­res­ta de ime­di­a­to. Em segui­da, vende para um segun­do pro­pri­etário que sabe que a ter­ra é ile­gal pelo próprio preço de ven­da, que é rebaix­a­do.

Depois de com­prar, o segun­do dono entra com o pedi­do de reg­u­lar­iza­ção fundiária dessa ter­ra, argu­men­tan­do que a com­prou de boa-fé, acred­i­tan­do que era uma ter­ra legal­iza­da.

Esse argu­men­to da boa-fé serviu para reg­u­larizar pro­priedades gri­ladas des­de os gov­er­nos da ditadu­ra empre­sar­i­al mil­i­tar, com o argu­men­to de que isso ger­aria segu­rança jurídi­ca e impediria a gri­lagem de ter­ra. Na real­i­dade, isso estim­u­la a gri­lagem na região amazôni­ca.

Agên­cia Brasil: Por que existe o risco de a soja avançar ain­da mais no bio­ma amazôni­co?

Gilber­to: Por que o cus­to de trans­porte é ele­men­to deter­mi­nante hoje na soja. Do municí­pio de Sor­riso (MT) até o Por­to de Paranaguá, no Paraná, são 2,2 mil km. Depois de embar­ca­da nos navios, ela sobe toda a cos­ta brasileira.

Quan­do essa soja é pro­duzi­da aqui na Amazô­nia, próx­i­mo à lin­ha do Equador, ou com conexão com os rios, o cus­to de trans­porte cai bas­tante ou chega a quase zero. É o caso da soja que está sendo pro­duzi­da no Amapá, a 70 quilômet­ros do por­to.

Ou seja, há uma redução de cus­to bru­tal nesse proces­so e a redução ele­va a rentabil­i­dade da ativi­dade, per­mitin­do que o pro­du­to chegue bara­to aos mer­ca­dos cen­trais.

Fora isso, quan­do, por meio da Lei Kandir, o gov­er­no deixa de cobrar o ICMS sobre essa expor­tação, o pro­du­to pode ser ven­di­do por um preço abaixo de seu val­or, sem que a empre­sa per­ca nada. Mas o Esta­do deixou de arrecadar o que lhe caberia. Há, então, uma trans­fer­ên­cia de val­or do Brasil para as econo­mias cen­trais. Vendemos mer­cado­rias e recebe­mos menos do que elas efe­ti­va­mente valem.

Agên­cia Brasil: Os incên­dios na Amazô­nia têm relação com a explo­ração econômi­ca?

Gilber­to: O fogo é resul­ta­do desse proces­so de apro­pri­ação ile­gal da ter­ra e é uma eta­pa da explo­ração econômi­ca. Durante o primeiro semes­tre do ano, que é o perío­do de mais chu­va, se faz a der­ruba­da da flo­res­ta para a reti­ra­da das madeiras.

Quan­do começa o verão amazôni­co, que ocorre entre o final de jun­ho até setem­bro prin­ci­pal­mente, se toca muito fogo na flo­res­ta para queimar o que se der­rubou no primeiro semes­tre, mas não se aproveitou para a ativi­dade madeireira. Então, se for­ma o pas­to.

Além dis­so, 80% das pro­priedades da flo­res­ta são reser­vas legais que não podem ser des­matadas. O pro­pri­etário então toca fogo na flo­res­ta e diz que aqui­lo foi um incên­dio não pro­duzi­do por ele. Como deixou de ser flo­res­ta, ele vai uti­lizar a área para o aumen­to do pas­to, para o plan­tio de soja ou out­ra ativi­dade do agronegó­cio.

Quan­do você pega a dis­tribuição do fogo, você vê que a con­cen­tração está exata­mente nos municí­pios em que mais avança o agronegó­cio. Como é o caso de São Félix Xin­gu (PA), que tem o maior reban­ho bovi­no do Brasil.

Porém, o que esta­mos ven­do hoje, neste iní­cio de setem­bro, é um descon­t­role porque alguns dados de mon­i­tora­men­to apon­tam que até um terço do fogo sobre a Amazô­nia está ocor­ren­do em flo­res­ta em pé, difer­ente­mente do padrão típi­co que é o fogo sobre flo­res­ta que foi der­ruba­da no primeiro semes­tre.

Um homem trabalha em um trecho de queimada da floresta amazônica, como está sendo desmatada por madeireiros e agricultores em Iranduba, Amazonas, Brasil, 20 de agosto de 2019. REUTERS / Bruno Kelly /
Repro­dução: Homem tra­bal­ha em tre­cho de queima­da da flo­res­ta amazôni­ca, des­mata­da por madeireiros e agricul­tores em Iran­du­ba _ Foto Reuters/ Bruno Kel­ly

Agên­cia Brasil: O sen­hor diz que a Amazô­nia está inter­na­cional­iza­da no mer­ca­do glob­al. Como é isso?

Gilber­to: A Amazô­nia está inter­na­cional­iza­da porque os grandes ramos da pro­dução do agronegó­cio e da min­er­ação estão con­tro­la­dos pelas grandes empre­sas multi­na­cionais em escala inter­na­cional.

As duas maiores plan­tas de alu­mi­na e alumínio do plan­e­ta estão no Pará e são con­tro­ladas por uma empre­sa transna­cional, que é a Hydro, de cap­i­tal prin­ci­pal­mente norueguês. O prin­ci­pal acionista é o gov­er­no da Norue­ga, que é tam­bém o prin­ci­pal doador do Fun­do Amazô­nia.

A Vale do Rio Doce anun­ciou que a maior parcela do seu cap­i­tal total é nego­ci­a­da em cir­cuitos estrangeiros, ou seja, não está nas mãos de brasileiros. Se pegar­mos o comér­cio de grãos, prin­ci­pal­mente soja, quem com­er­cial­iza e con­tro­la esse comér­cio na Amazô­nia são as grandes transna­cionais do agronegó­cio como Cargill, Bunge, ADM [Human, Pet and Ani­mal Nutri­tion Com­pa­ny] e LDC [Louis Drey­fus Com­pa­ny].

Boa Vista/RR – A Polícia Federal deflagrou na manhã de hoje, 27/01, a operação Okê Arô*, para combater o desmatamento ilegal em uma área de quase 5.000 hectares de floresta amazônica.
Repro­dução:  Boa Vista – Polí­cia Fed­er­al defla­gra Oper­ação Okê Arô* para com­bat­er des­mata­men­to ile­gal na flo­res­ta amazôni­ca. — PF/divulgação

Agên­cia Brasil: Qual a explo­ração econômi­ca sus­ten­táv­el alter­na­ti­va que pode ben­e­fi­ciar o povo brasileiro?

Gilber­to: Nos­so desafio é enten­der que não nec­es­sari­a­mente o que dá grande lucro é algo que ben­e­fi­cia o con­jun­to da pop­u­lação ou que seja nec­es­sari­a­mente o mel­hor para o país e para a região.

Pre­cisamos prob­lema­ti­zar essa noção de desen­volvi­men­to como sim­ples expan­são da econo­mia. His­tori­ca­mente, isso foi uti­liza­do no Brasil para jus­ti­ficar deter­mi­nadas políti­cas, mas o resul­ta­do foi exclusão social e o enriquec­i­men­to de uma peque­na mino­ria.

Nesse sen­ti­do, temos exper­iên­cias em cur­so na região amazôni­ca que são ain­da muito incip­i­entes, mas muito ric­as. A pro­dução agroecológ­i­ca, com as agroflo­restas, é uma delas. Out­ras exper­iên­cias são as ativi­dades comu­nitárias, como a pesca do Mapará, no Rio Tocan­tins, onde as pes­soas se jun­tam para pescar e o resul­ta­do é dis­tribuí­do entre todos, inclu­sive entre aque­les que não pud­er­am pescar.

Tem ain­da a rica exper­iên­cia do povo indí­ge­na Ka’apor, do Maran­hão, que tem cri­a­do áreas de pro­teção quan­do iden­ti­fi­ca a entra­da de madeireiros e out­ros inva­sores. Eles con­stroem comu­nidades nas rotas dos inva­sores, bar­ran­do a entra­da deles. Já cri­aram 12 áreas de pro­teção, per­mitin­do a recom­posição da flo­res­ta.

Temos que aju­dar a dis­sem­i­nar essas exper­iên­cias de inte­gração sociedade-natureza em oposição à mono­cul­tura na Amazô­nia. A gente tem que olhar a Amazô­nia com esper­ança, porque ela ain­da é a maior con­cen­tração de matéria viva do plan­e­ta.

Ela cap­tura dióx­i­do de car­bono e cumpre papel vital para a existên­cia da humanidade. O plan­e­ta vai con­tin­uar existin­do, o que está em questão é a con­tinuidade da humanidade. Nesse sen­ti­do, a Amazô­nia é a esper­ança para o plan­e­ta. E os povos que vivem na Amazô­nia, por meio de suas exper­iên­cias, são sementes de esper­ança que temos que aju­dar a bro­tar.

Edição: Graça Adju­to

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