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Forças Armadas têm responsabilidade política por 8/1, diz pesquisador

Repro­dução: © Val­ter Campanato/Agência Brasil

Rodrigo Lentz propõe reforma nas relações entre civis e militares


Pub­li­ca­do em 08/01/2024 — 10:53 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Além das respon­s­abil­i­dades indi­vid­u­ais de mil­itares que par­tic­i­param dos atos golpis­tas do 8 de janeiro, as Forças Armadas, enquan­to insti­tu­ição, têm respon­s­abil­i­dade políti­ca em relação à invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília. Essa é a avali­ação do pro­fes­sor de ciên­cia políti­ca da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) Rodri­go Lentz, que estu­da o pen­sa­men­to políti­co do mil­i­tar brasileiro.  

“O Exérci­to toler­ou e per­mi­tiu que ess­es indi­ví­du­os usassem a insti­tu­ição para con­spir­ar o golpe de Esta­do. E essa respon­s­abil­i­dade políti­ca pre­cisa ser cobra­da a par­tir de refor­mas nas relações entre civis e mil­itares e na cri­ação de garan­tias de que isso não voltará a ocor­rer”, afir­mou Lentz, para quem foram várias as ações ou omis­sões que con­fir­mam essa tol­erân­cia com o movi­men­to golpista.

“Des­de dar adesão mais ampla a um pro­je­to políti­co par­tidário, que foi o gov­er­no Bol­sonaro, até a per­mis­são de mil­itares de alta patente da ati­va ocu­parem car­gos de min­istro de Esta­do. Além dis­so, podemos falar da par­tic­i­pação clau­di­cante e de quase deses­ta­bi­liza­ção do proces­so eleitoral a par­tir da atu­ação dos mil­itares na comis­são de fis­cal­iza­ção do TSE [Tri­bunal Supe­ri­or Eleitoral], e tam­bém a posição em relação aos acam­pa­men­tos”, enu­mer­ou.

Lobby militar nos parlamentos fere democracia, alertam especialistas - Rodrigo Letz. – Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Foto: Arqui­vo pes­soal

Lentz desta­cou a nota dos três coman­dantes das Forças Armadas — da Mar­in­ha, do Exérci­to e da Aeronáu­ti­ca — do dia 11 de novem­bro de 2022 inti­t­u­la­da “Às Insti­tu­ições e ao Povo Brasileiro”. No tex­to, os coman­dantes con­denaram “even­tu­ais exces­sos” cometi­dos por man­i­fes­tantes, mas sus­ten­taram que os atos não con­sti­tuíam qual­quer crime.

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Além dis­so, a nota atribuiu às Forças Armadas o papel de “mod­er­ador” da Repúbli­ca, inter­pre­tação rejeita­da por juris­tas e min­istros do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF). Segun­do essa inter­pre­tação, os mil­itares teri­am o poder de arbi­trar con­fli­tos entre os Poderes, pairan­do aci­ma dos Três Poderes con­sti­tuí­dos do país.

“A nota dos coman­dantes, logo depois do final do resul­ta­do eleitoral, ao não recon­hecer de for­ma aber­ta, clara e indu­bitáv­el o resul­ta­do eleitoral, ali­men­tou a san­ha golpista. Ou seja, os coman­dantes da época ali­men­ta­ram a san­ha golpista, seja pelo dis­cur­so à nação a par­tir de uma nota ofi­cial, seja a par­tir da per­mis­são e de apoio aos acam­pa­men­tos”, desta­cou o espe­cial­ista.

“Quan­do um capitão e vários gen­erais e ofi­ci­ais defen­d­em a ditadu­ra de 64, negan­do as graves vio­lações dos dire­itos humanos que ocor­reram no perío­do, e quan­do ess­es mil­itares voltam ao poder, eles vão ten­tar nat­u­ral­mente o golpe de Esta­do para se man­ter no poder.”

Na avali­ação do min­istro da Defe­sa, José Múcio, e do min­istro interi­no da Justiça e Segu­rança Públi­ca, Ricar­do Cap­pel­li, é pre­ciso sep­a­rar os indi­ví­du­os das insti­tu­ições. Em declar­ações à impren­sa, Múcio defend­eu que alguns mil­itares come­ter­am irreg­u­lar­i­dades em relação ao 8 de janeiro, mas que a insti­tu­ição não teria apoia­do a aven­tu­ra golpista.

Na últi­ma sex­ta-feira (5), o Exérci­to infor­mou que dois mil­itares foram punidos com penas dis­ci­plinadas, mas con­cluiu que não hou­ve crime na ação dos agentes que par­tic­i­param dos atos do 8 de janeiro.

Manifestação em frente ao Quartel General do Exército em Brasília
Repro­dução: Man­i­fes­tação em frente ao Quar­tel Gen­er­al do Exérci­to em Brasília — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Pacificação

Na avali­ação do cien­tista políti­co Rodri­go Lentz, está em cur­so no Brasil uma estraté­gia de limpeza da imagem das Forças Armadas após o 8 de janeiro com obje­ti­vo de se pro­mover uma paci­fi­cação das relações insti­tu­cionais brasileiras.

“Essa paci­fi­cação car­rega uma ideia de impunidade dos mil­itares, como for­ma de paci­ficar a relação entre eles e os civis, o que não com­bi­na com o regime democráti­co, mais ain­da para a garan­tia da não repetição do 8 de janeiro”, pon­der­ou.

Lentz defend­eu mudanças estru­tu­rais nas Forças Armadas, com maior par­tic­i­pação social na políti­ca de Defe­sa e capac­i­tação de quadros civis den­tro da pas­ta.

“Ou seja, tudo con­tin­ua como antes, man­ten­do a posição de uma tutela, de um pro­tag­o­nis­mo sor­rateiro. Logo, quan­do se man­tém as coisas como eram antes, bas­ta a mudança da con­jun­tu­ra para que as mes­mas práti­cas sejam reci­cladas em uma nova con­jun­tu­ra de crise políti­ca”, afir­mou o espe­cial­ista.

Para o pesquisador, as inves­ti­gações devem chegar à cúpu­la das Forças Armadas, como ocor­reu com a Polí­cia Mil­i­tar do Dis­tri­to Fed­er­al, que viu seus diri­gentes pre­sos. “Gen­erais de qua­tro estre­las pre­cisam ser respon­s­abi­liza­dos enquan­to indi­ví­du­os e que essa respon­s­abi­liza­ção sir­va de farol refor­mador para que não se repi­tam ess­es atos”, acres­cen­tou.

Entre as respostas do gov­er­no em relação à par­tic­i­pação de mil­itares em atos golpis­tas, Lentz men­ciona a trans­fer­ên­cia da Agên­cia Brasileira de Inteligên­cia (Abin) para Casa Civ­il e a trami­tação da pro­pos­ta no Con­gres­so que proíbe mil­itares da ati­va de se can­di­datarem.

Brasília (DF) 18/10/2023 Parlamentares comemoram o relatório da CPMI do golpe na comissão e na praça dos três poderes. Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF) 18/10/2023 Senado­ra Eliziane Gama comem­o­ra aprovação do relatório da CPMI do golpe. Lula Marques/ Agên­cia Brasil

CPMI do Golpe

Na avali­ação da Comis­são Mista Par­la­men­tar de Inquéri­to (CPMI) que inves­tigou o 8 de janeiro, as ações e omis­sões de mil­itares con­tribuíram para a invasão das sedes dos Poderes. O relatório final citou, como exem­p­lo, diver­sas man­i­fes­tações, de mil­itares da ati­va e da reser­va, a favor da tese de que as Forças Armadas são um poder mod­er­ador da Repúbli­ca, com capaci­dade de inter­vir em out­ros Poderes.

“A leniên­cia de alguns dos prin­ci­pais gen­erais den­tro do Exérci­to com a per­manên­cia dos acam­pa­men­tos em área mil­i­tar foi essen­cial para a ten­ta­ti­va de golpe de Esta­do per­pe­tra­da no dia 8 de janeiro, pois inter­pre­ta­da pelos vân­da­los golpis­tas como incen­ti­vo ao ato ― aos olhos do man­i­fes­tante comum, já imer­so em sua ‘bol­ha’ com intrínse­ca assime­tria infor­ma­cional, trata­va-se de uma per­cepção de que o Exérci­to estaria com eles no golpe”, diz o relatório da CPMI.

O doc­u­men­to aprova­do pela maio­r­ia dos par­la­mentares acres­cen­tou que “emb­o­ra pos­sam ter sido man­i­fes­tações de mem­bros iso­la­dos das Forças, é cer­to que a cul­tura orga­ni­za­cional das Forças Armadas tem a aptidão intrínse­ca para levar ao sen­ti­do da tutela mil­i­tar de democ­ra­cia civ­il”.

A Comis­são do Con­gres­so Nacional indi­ciou diver­sos mil­itares por supos­ta par­tic­i­pação no movi­men­to que cul­mi­nou no oito de janeiro. Entre os nomes indi­ca­dos pela CPMI, estão os gen­erais Wal­ter Bra­ga Net­to, Augus­to Heleno, Luiz Eduar­do Ramos, Paulo Sér­gio Nogueira, Mar­co Antônio Freire Gomes, Ridau­to Lúcio Fer­nan­des, Car­los Feitosa Rodrigues e Car­los José Pen­tea­do, além do almi­rante Almir Gar­nier Gar­nier San­tos e o tenente-coro­nel Mau­ro Cid.

Agên­cia Brasil per­gun­tou ao Min­istério da Defe­sa a avali­ação da pas­ta sobre a par­tic­i­pação dos mil­itares no 8 de janeiro, mas não obteve retorno até o fechamen­to des­ta reportagem.

Edição: Juliana Cézar Nunes

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