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Fotógrafa reúne acervo de paradas LGBTQIA+ do Rio desde 1995

Repro­dução: © Clau­dia Ferreira/ Memória e Movi­men­tos Sociais/Arquivo

Cláudia Ferreira conversou com a Agência Brasil no Mês do Orgulho LGBT


Pub­li­ca­do em 17/06/2023 — 14:00 Por Viní­cius Lis­boa – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Em 25 de jun­ho de 1995, a 17ª Con­fer­ên­cia da Asso­ci­ação Inter­na­cional de Gays e Lés­bi­cas (ILGA), no Rio de Janeiro, foi encer­ra­da com a real­iza­ção da Mar­cha pela Cidada­nia, con­sid­er­a­da a primeira Para­da LGBTQIA+ do Brasil.

O ato reuniu um públi­co de menos de 3 mil pes­soas, já com orga­ni­za­ção do Grupo Arco-Íris e a pre­sença de fig­uras históri­c­as da comu­nidade, como a trav­es­ti Jane di Cas­tro e a drag queen Isabeli­ta dos Patins. Out­ro sím­bo­lo da Para­da LGBTQIA+ do Rio, a ban­deira arco-íris de 124 met­ros já esta­va pre­sente na man­i­fes­tação.

Essa história foi reg­istra­da em ima­gens pela fotó­grafa Clau­dia Fer­reira, que par­tic­i­pa da Exposição Cidade 60+, no Museu da Repúbli­ca até 16 de jul­ho. Teste­munha da mobi­liza­ção pop­u­lar des­de os anos 1980, Clau­dia reúne seu acer­vo na pági­na Memória dos Movi­men­tos Soci­ais, na qual o movi­men­to LGBTQIA+ tem um espaço especí­fi­co, inau­gu­ra­do pela mar­cha de 1995.

“A grande novi­dade no Rio de Janeiro foi aque­la para­da. Eu fiquei muito feliz, porque via um posi­ciona­men­to que esta­va começan­do a ser mais públi­co, mais políti­co da questão LGBT. Estavam tiran­do a questão LGBT do armário”, con­ta a fotó­grafa, que é lés­bi­ca, em entre­vista à Agên­cia Brasil no Mês do Orgul­ho LGBTQIA+.

Clau­dia Fer­reira voltou a Copaca­bana em vários anos seguintes, como 1998, 2004, 2007 e 2011, e reg­istrou uma man­i­fes­tação que se agi­gan­tou, mudou de per­fil e aju­dou a abrir espaço para uma sociedade mais recep­ti­va.

Aos 67 anos, ela afir­ma que vê em seu cír­cu­lo social idosos LGBTQIA+ com uma vida muito mais livre do que a que lev­avam na juven­tude e pede aos jovens LGBTQIA+ que vejam o envel­hec­i­men­to como a pos­si­bil­i­dade de exper­i­men­tar um tem­po de mais tol­erân­cia.

Rio de Janeiro (RJ), 13/06/2023 – A fotógrafa Claudia Ferreira na exposição LGBT+60: Corpos que Resistem, no Museu da República, na zona sul da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: A fotó­grafa Clau­dia Fer­reira na exposição LGBT+60: Cor­pos que Resistem, no Museu da Repúbli­ca, na zona sul da cap­i­tal flu­mi­nense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Agên­cia Brasil: Como você chegou àquela primeira mar­cha em 1995? O que te atraiu para ela?
Clau­dia Fer­reira: Eu ven­ho fotografan­do os movi­men­tos fem­i­nistas des­de o final da déca­da de 1980, aten­ta a tudo que esta­va acon­te­cen­do na cidade, e assim fiquei saben­do que have­ria o con­gres­so da Ilga, aqui no Rio, e aque­la mar­cha pela cidada­nia. Na época, não tin­ha esse nome LGBT. Foi muito inter­es­sante, porque havia pou­ca gente, mas eu vi, do lado de fora, assistin­do, gays e lés­bi­cas que eu con­hecia e que não se sen­ti­ram enco­ra­ja­dos a par­tic­i­par. E isso foi mudan­do ao lon­go dos anos. É per­cep­tív­el nas min­has fotos. A Mar­cha da Cidada­nia se tornou a Para­da Gay, depois a Para­da GLBT, e, a par­tir de 2008, LGBT. E elas foram crescen­do e se tor­nan­do menos poli­ti­zadas.

ABr: Por que você acha que ess­es con­heci­dos não se sen­ti­am enco­ra­ja­dos a par­tic­i­par? Havia um cli­ma de apreen­são? Uma expec­ta­ti­va de repressão?
Clau­dia Fer­reira: Acho que não era uma questão de segu­rança, não. Era uma questão mes­mo de assumir e sair do armário naque­le momen­to. Ain­da existe pre­con­ceito, mas as pes­soas em 1995 eram muito mais víti­mas de pre­con­ceito. Um homem ou uma mul­her tin­ham medo até de ser vis­tos pelo seu patrão, ou pelos seus famil­iares. Não que­ri­am ser rela­ciona­dos com aqui­lo ali que esta­va acon­te­cen­do, e acho que isso mudou muito prin­ci­pal­mente por causa da luta.

ABr: Pes­soas já te pedi­ram para não ser fotografadas?
Clau­dia Fer­reira: Ao lon­go de todas as paradas, algu­mas pes­soas já.

ABr: E isso foi mudan­do ao lon­go do tem­po?
Clau­dia Fer­reira: Com­ple­ta­mente. Acho que as pes­soas hoje fazem questão de apare­cer nas fotos. Ness­es últi­mos tem­pos, não me lem­bro de pes­soas pedin­do para não ser fotografadas. Mas isso acon­te­ceu algu­mas vezes.

ABr: Como pes­soa LGBT, o que sig­nifi­cou fotogra­far aque­la primeira para­da?
Clau­dia Fer­reira: A grande novi­dade no Rio de Janeiro foi aque­la para­da. Eu fiquei muito feliz, porque via um posi­ciona­men­to que esta­va começan­do a ser mais públi­co, mais políti­co da questão LGBT. Estavam tiran­do a questão LGBT do armário.

ABr: Você disse que vê paradas menos poli­ti­zadas nos últi­mos anos. Em que sen­ti­do?
Clau­dia Fer­reira: Não estou falan­do das pes­soas, estou falan­do do con­ceito da para­da. São mais fortes nas paradas do Rio os trios elétri­cos, cada um com o som mais alto que o out­ro, do que os dis­cur­sos. Acho que até nos temas e na divul­gação, virou muito mais um “ven­ha faz­er tur­is­mo no Rio e par­tic­i­par da Para­da LGBT”, do que um momen­to para as pes­soas dis­cu­tirem.

ABr: Você já fotografa­va movi­men­tos fem­i­nistas. O movi­men­to lés­bi­co já esta­va pre­sente naque­las man­i­fes­tações?
Clau­dia Fer­reira: As lés­bi­cas fem­i­nistas não eram pou­cas, mas elas não se posi­cionavam como mul­heres lés­bi­cas. Havia um pre­con­ceito grande no movi­men­to fem­i­nista em relação às lés­bi­cas, não era uma coisa bem resolvi­da. Tan­to em relação às lés­bi­cas quan­to em relação às mul­heres negras. Tudo evolui. E, anos mais tarde, hou­ve uma grande ten­são em relação às mul­heres trans, e até hoje tem uma parcela do movi­men­to que é con­tra. Mas esta­mos evoluin­do e essas ten­sões estão mais min­i­mizadas.

Rio de Janeiro, 16/06/2023 - Foto de arquivo (25/06/1995) - Marcha pela Cidadania, Av. Atlântica, Copacabana. Foto: Claudia Ferreira/ Memória e Movimentos Sociais/Arquivo
Repro­dução: Foto de arqui­vo (25/06/1995) — Mar­cha pela Cidada­nia, Av. Atlân­ti­ca, Copaca­bana. Foto: Clau­dia Ferreira/ Memória e Movi­men­tos Sociais/Arquivo

ABr: Você fotografou um movi­men­to que foi crescen­do em uma sociedade que foi se abrindo. Mas, em deter­mi­na­do momen­to, hou­ve tam­bém um retro­ces­so políti­co. Isso foi visív­el nas ruas e nas paradas?
Clau­dia Fer­reira: Exata­mente ness­es últi­mos qua­tro anos não fotografei as paradas, mas vejo que o com­por­ta­men­to da pop­u­lação LGBTQIA+ nas ruas mudou, sim. As pes­soas ficaram mais tol­hi­das, com mais medo de agressões. Prin­ci­pal­mente as mul­heres trans, por con­ta desse retro­ces­so fun­da­men­tal­ista reli­gioso.

ABr: E, enquan­to LGBT com mais de 60 anos, o que você destacaria como obstácu­lo e o que viven­cia de pos­i­ti­vo?
Clau­dia Fer­reira: Existe uma ideia, prin­ci­pal­mente nas pes­soas mais jovens, de que para a pop­u­lação LGBT envel­he­cer sig­nifi­ca solidão. O que eu pos­so diz­er da min­ha vivên­cia e das pes­soas com quem eu con­vi­vo, é que é muito mais fácil ser um gay ou uma lés­bi­ca hoje, com 60 anos, do que foi para essas mes­mas pes­soas há 30 anos. Con­heço gente que saiu do armário depois dos 50 porque se sen­tiu mais à von­tade, porque a sociedade ficou mais recep­ti­va. O que eu vejo é essa pop­u­lação com mais de 60 con­seguin­do aproveitar mais a vida.

ABr: Uma vel­hice mais livre do que a juven­tude?
Clau­dia Fer­reira: Com certeza. Essas pes­soas foram muito mais reprim­i­das na juven­tude do que são ago­ra. E, em relação à solidão, cer­ta­mente um gay que tin­ha um irmão homofóbi­co, hoje pode ter um sobrin­ho que gos­ta dele e acha que ele é o tio mais legal. As famílias foram evoluin­do na aceitação. Eu acho que, de algu­ma maneira, a pop­u­lação LGBTQIA+ com mais de 60 anos está viven­do com mais liber­dade.

ABr: Talvez, então, os jovens que olham para o futuro e pen­sam em solidão podem pen­sar em encon­trar uma sociedade ain­da mais aber­ta?
Clau­dia Fer­reira: Acho que sim. Eu que tra­bal­ho com memória e doc­u­men­tação dos movi­men­tos soci­ais e da vida na cidade, hoje pos­so diz­er isso. Estou falan­do de anos que já vivi e olhan­do pelo retro­vi­sor. Os jovens que têm esse medo, não pre­cisam ter esse medo, porque daqui a 30 anos, talvez, terão um mun­do ain­da mais livre. Mas é claro que a gente fica cada vez mais assus­ta­do com os retro­ces­sos de com­por­ta­men­to provo­ca­do pelos fun­da­men­tal­is­mos, prin­ci­pal­mente reli­giosos.

Edição: Denise Griesinger

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