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Fronteira Cerrado: o agronegócio entre desenvolvimento e destruição

Atividade tem grande peso econômico, mas acumula dados negativos

Lucas Pordeus León* — repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 05/11/2025 — 07:04
Brasília
Balsas (MA), 09/10/2025 – Vista de fazendas de cultivo de soja ao longo da rodovia MA-007. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

agronegó­cio do Brasil é apon­ta­do como “motor” do cresci­men­to econômi­co do país. Por out­ro lado, é crit­i­ca­do pelo poten­cial de con­cen­tração de ter­ras e ren­da, além dos danos ambi­en­tais em larga escala

Entre os prob­le­mas está o des­mata­men­to da savana brasileira, o Cer­ra­do, tido como “berço das águas” por sedi­ar as nascentes de oito das 12 bacias hidro­grá­fi­cas do país. Para pesquisadores, ambi­en­tal­is­tas e ativis­tas, o avanço do des­mata­men­to no bio­ma colo­ca em risco a segu­rança hídri­ca do país ao agravar a redução das vazões dos rios.

Tri­bunal Per­ma­nente dos Povos (TPP), que reúne 56 movi­men­tos soci­ais, acusa “esta­dos nacionais e estrangeiros, além de empre­sas e insti­tu­ições do Brasil e do exte­ri­or” de “ecocí­dio” do Cer­ra­do, que é o crime de destru­ição do bio­ma.  E chamam de “genocí­dio” o que ocorre com povos tradi­cionais expul­sos dos seus ter­ritórios.

“O vered­i­to do júri foi unân­ime na con­de­nação e recon­hec­i­men­to da respon­s­abil­i­dade obje­ti­va e com­par­til­ha­da entre Esta­dos nacionais e estrangeiros, além de empre­sas e insti­tu­ições do Brasil e do exte­ri­or, pela destru­ição e per­da do ecos­sis­tema do Cer­ra­do como um todo”, diz o doc­u­men­to de 2022.

Carolina MA), 12/10/2025 – Vista do Rio Itapecuru. em meio à vegetação do cerrado, que abastace mais de 50 municípios do Maranhão. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Car­oli­na MA), 12/10/2025 – Vista do Rio Itapecu­ru. em meio à veg­e­tação do cer­ra­do, que abastece mais de 50 municí­pios do Maran­hão. — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

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savana mais bio­di­ver­sa do plan­e­ta já teve sua veg­e­tação nati­va suprim­i­da em 47,9% ao lon­go da história, segun­do dados do Map­bio­mas. As ativi­dades agropecuárias são as que mais pres­sion­am o Cer­ra­do, ocu­pan­do 24% do bio­ma após expandir sua área de atu­ação em 74% entre 1985 e 2024.

Do Cer­ra­do ain­da em pé, quase metade (47,8%) está na região do Matopi­ba (região que abar­ca Maran­hão, Tocan­tins, Piauí e Bahia), onde se con­cen­tram as maiores taxas de des­mata­men­to do bio­ma e onde segue ati­va a expan­são da fron­teira agrí­co­la brasileira.

O que é agronegócio?

Antes de delim­i­tar a con­tribuição econômi­ca dessa ativi­dade, existe uma dis­pu­ta em torno do que pode ser con­sid­er­a­do agronegó­cio. O pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará (UFPA) e econ­o­mista Dani­lo Araújo Fer­nan­des aler­tou que há setores do agro que ten­tam incluir toda pro­dução agrí­co­la den­tro do con­ceito, mas que é pre­ciso difer­en­ciar o agronegó­cio da chama­da agri­cul­tura famil­iar.

“Agronegó­cio é um ter­mo meio fan­ta­sia que é muito genéri­co. Eu clas­si­fi­co de agro essa agri­cul­tura patronal, ou seja, onde você tem a mas­sa da mão de obra assalari­a­da, em grande parte mecan­iza­da, mas não nec­es­sari­a­mente”, expli­cou.

Balsas (MA), 09/10/2025 – Fazendas de cultivo de soja vistas ao longo da rodovia MA-140. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Bal­sas (MA), 09/10/2025 – Fazen­das de cul­ti­vo de soja vis­tas ao lon­go da rodovia MA-140. — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Para o pro­fes­sor de econo­mia políti­ca da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará (UFPA) Gilber­to de Souza Mar­ques, o ter­mo agronegó­cio deve ser restri­to aos grandes con­glom­er­a­dos econômi­cos con­tro­la­dos por com­plex­os finan­ceiros de larga escala, que finan­ciam, jun­to com o Esta­do, toda essa ativi­dade.

“O agro, na real­i­dade, é a grande pro­dução, as grandes pro­priedades, os grandes con­glom­er­a­dos e os grandes com­plex­os finan­ceiros”, clas­si­fi­cou.

Peso econômico

Ao mes­mo tem­po em que acu­mu­la danos ambi­en­tais, o agronegó­cio brasileiro é tido pelos gov­er­nos e espe­cial­is­tas como fun­da­men­tal para econo­mia do país, ao cri­ar superávits na bal­ança com­er­cial que aju­dam a esta­bi­lizar a moe­da, além de ger­ar ren­da e empre­gos e impul­sion­ar o cresci­men­to do Pro­du­to Inter­no Bru­to (PIB).

Balsas (MA), 10/10/2025 – Criação de gado em fazenda na comunidade São Pedro, nos Gerais de Balsas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Bal­sas (MA), 10/10/2025 – Cri­ação de gado em fazen­da na comu­nidade São Pedro, nos Gerais de Bal­sas. — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil
O setor primário — que reúne agri­cul­tura e pecuária, mas tam­bém min­er­ação — foi dire­ta­mente respon­sáv­el por 6,2% do PIB em 2024. Porém, pesquisas apon­tam que o peso do agro pode chegar a até 25% do PIB quan­do con­sid­er­a­do o efeito cas­ca­ta dessa pro­dução nos setores de trans­porte, insumos e da agroindús­tria, con­forme cal­cu­la a Esco­la Supe­ri­or de Agri­cul­tura Luiz de Queiroz, da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP).

No primeiro trimestre de 2025, o gov­er­no fed­er­al comem­o­rou o cresci­men­to do PIB pux­a­do pelo agronegó­cio. O setor cresceu 2,9% se com­para­do ao primeiro trimestre de 2024. Em relação ao trimestre ante­ri­or, o cresci­men­to foi de 12,2%.

“O agro foi o grande respon­sáv­el por esse cresci­men­to. É a força da econo­mia brasileira pux­a­da pela agropecuária”, desta­cou, à época, o min­istro da Agri­cul­tura e Pecuária, Car­los Fávaro.

Agên­cia Brasil procurou o min­istério para uma entre­vista sobre o tema, mas não hou­ve disponi­bil­i­dade até o fechamen­to da reportagem.

Transformação de áreas pobres

Para com­preen­der a expan­são da pro­dução sobre o Matopi­ba e seu efeito para a segu­rança hídri­ca do país, a Agên­cia Brasil vis­i­tou o municí­pio de Bal­sas, no extremo sul do Maran­hão, um dos epi­cen­tros dessa fron­teira agrí­co­la.

O pres­i­dente do Sindi­ca­to dos Pro­du­tores Rurais do municí­pio (Sin­di Bal­sas), Air­ton Zam­ing­nan, desta­cou que o agronegó­cio trouxe emprego, ren­da e desen­volvi­men­to para a região que, sem essa ativi­dade, seguiria com os piores índices socioe­conômi­cos do país.

“Nós temos a vocação, temos o cli­ma, temos o por­to [de Itaqui, em São Luís] e temos os solos. 100% do Maran­hão tem pre­cip­i­tação para se faz­er no mín­i­mo uma cul­tura. Qual a pos­si­bil­i­dade que tem o esta­do sem seu agronegó­cio? Você acha que vai se insta­lar uma Volk­swa­gen ou Mer­cedes para mon­tar cam­in­hão? Muito pouco prováv­el. O agronegó­cio é a opor­tu­nidade de levar ren­da, tra­bal­ho e econo­mia para essas regiões”, afir­mou.

Balsas (MA), 09/10/2025 – A professora Maria de Lourdes Lopes em transporte com alunos na comunidade do Brejão, nos Gerais de Balsas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Bal­sas (MA), 09/10/2025 – Alunos na comu­nidade do Bre­jão, nos Gerais de Bal­sas. — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

A avali­ação do empresário é com­par­til­ha­da por parte da pop­u­lação de Bal­sas, que vê no agronegó­cio uma via de sobre­vivên­cia. Ques­tion­adas, cri­anças de zonas rurais de Bal­sas respon­dem que querem ser “oper­ado­ras de máquinas” agrí­co­las ou “motoris­tas de cam­in­hão” quan­do crescerem.

Mes­mo críti­cos recon­hecem que a ativi­dade é impor­tante, como o agricul­tor famil­iar José Car­los dos San­tos, que vive em zona rur­al a cer­ca de 300 km do cen­tro de Bal­sa e denun­cia o des­mata­men­to na região.

“Ele tem o lado destru­idor, mas, por out­ro lado, ele traz o ali­men­to para mesa porque são várias comu­nidades e famílias que depen­dem do agro para sobre­vivên­cia. Ao mes­mo tem­po, a gente vive lutan­do para pôr um lim­ite para o grande pro­du­tor não acabar com o nos­so bio­ma”.

Muito além do PIB

Para o econ­o­mista da UFPA Dani­lo Fer­nan­des, que estu­da o desen­volvi­men­to econômi­co sus­ten­táv­el, não podemos lim­i­tar a avali­ação do papel do setor ao PIB, sendo necessário incluir na equação a área total que a ativi­dade usa para ger­ar essa riqueza.

“Não é só o PIB. Quan­to você imo­bi­liza o ter­ritório nacional para pro­duzir aque­le PIB? O quan­to você destrói de out­ras pos­si­bil­i­dades, de des­mata­men­to, de impacto sobre a bio­di­ver­si­dade? Ou seja, naque­le momen­to você gera uma riqueza que usa bas­tante ter­ra, des­ma­ta a flo­res­ta, destrói a bio­di­ver­si­dade e pode diminuir o nív­el da chu­va”, pon­der­ou.

Ape­sar de recon­hecer a importân­cia econômi­ca do agronegó­cio empre­sar­i­al para a econo­mia nacional, o pro­fes­sor Dani­lo Fer­nan­des defende que é pre­ciso bar­rar a expan­são desse mod­e­lo para novas áreas.

“O agro é impor­tante, por­tan­to, a gente não pode elim­i­nar o agronegó­cio. Ess­es empresários têm um papel muito grande na econo­mia, na políti­ca e na influên­cia cul­tur­al. Mas a gente pre­cisa, de algu­ma for­ma, con­ter essa expan­são”, afir­mou.

Negócio financiado pelo Estado

Os econ­o­mis­tas ouvi­dos pela reportagem destacaram que o agronegó­cio brasileiro se tornou um dos mais com­pet­i­tivos do mun­do graças ao apoio do Esta­do ao lon­go das últi­mas décadas.

Atual­mente, o Brasil lid­era a pro­dução do prin­ci­pal grão do mer­ca­do mundi­al, a soja, com 169 mil­hões de toneladas na safra 2024/2025, o que rep­re­sen­ta 40% de toda pro­dução mundi­al.

Em segui­da, vêm os Esta­dos Unidos (EUA), com 118 mil­hões de toneladas, e, em ter­ceiro, a Argenti­na, com aprox­i­mada­mente 51 mil­hões de toneladas, vol­ume semel­hante ao que é pro­duzi­do ape­nas no Mato Grosso (MT).

Segun­do os pesquisadores, fatores que con­tribuíram para a com­pet­i­tivi­dade do agro brasileiro foram ter­ras abun­dantes e baratas, em alguns casos fru­to da gri­lagem; e o apoio estatal da Empre­sa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra­pa), estatal que desen­volveu tec­nolo­gias que per­mi­ti­ram a expan­são das cul­turas para regiões mais ári­das, como o Cer­ra­do.

Os espe­cial­is­tas tam­bém desta­cam os incen­tivos fis­cais, em espe­cial por meio da Lei Kandir, de 1996, que isen­ta do Impos­to sobre Cir­cu­lação de Mer­cado­rias e Serviços (ICMS) os pro­du­tos primários ou semi­elab­o­ra­dos usa­dos na expor­tação.

Ao criticar ini­cia­ti­vas de mudanças na Lei Kandir no Con­gres­so Nacional, o pres­i­dente da Fed­er­ação da Agri­cul­tura e Pecuária de San­ta Cata­ri­na (Faesc), José Zeferi­no Pedro­zo, recon­heceu o papel fun­da­men­tal da medi­da.

“A Lei Kandir per­mi­tiu que os pro­du­tos agropecuários brasileiros se inseris­sem no mer­ca­do inter­na­cional de maneira com­pet­i­ti­va, chegan­do a tornar-se um dos setores mais dinâmi­cos da econo­mia nacional e um dos prin­ci­pais fornece­dores de ali­men­tos para o mun­do”.

Além dis­so, o setor é ben­e­fi­ci­a­do com cen­te­nas de bil­hões de reais anu­ais em emprés­ti­mos com juros sub­sidi­a­dos por meio do Plano Safra do gov­er­no fed­er­al. Em 2025, o val­or bateu o recorde de R$ 516,2 bil­hões. Já para a agri­cul­tura famil­iar, o total des­ti­na­do foi de R$ 89 bil­hões no ano agrí­co­la 2025/2026.

Brasília (DF), 01/07/2025 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do lançamento do Plano Safra 2025/26, no Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF), 01/07/2025 — O pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va par­tic­i­pa do lança­men­to do Plano Safra 2025/26, no Palá­cio do Planal­to. — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Para o pro­fes­sor de econo­mia políti­ca da UFPA, Gilber­to de Souza Mar­ques, a capaci­dade de ger­ação dire­ta de empre­gos do agronegó­cio empre­sar­i­al é lim­i­ta­da diante do mon­tante de cap­i­tal envolvi­do. “E, prin­ci­pal­mente, diante do mon­tante de isenção fis­cal que o Esta­do dá para ess­es setores e de crédi­to sub­sidiário que o Esta­do con­cede, além de out­ros favores”.

Dados do Cen­so de 2022 apon­tam que 7,5% da pop­u­lação total ocu­pa­da no Brasil está na agri­cul­tura, pecuária, pro­dução flo­re­stal e pesca e aqui­cul­tura. O dado não difer­en­cia agri­cul­tura famil­iar da empre­sar­i­al.

Como foi o Esta­do que dire­cio­nou a econo­mia brasileira para o agro de expor­tação, por meio de décadas de inves­ti­men­tos, o econ­o­mista Dani­lo Araújo Fer­nan­des avalia que deve ser o Esta­do a pro­je­tar out­ro tipo de expan­são econômi­ca que seja social e ambi­en­tal­mente mais sus­ten­táv­el.

“Se não quero a expan­são do agro, que tipo de expan­são econômi­ca quer­e­mos? Aí entra out­ra dis­cussão. Quais as alter­na­ti­vas que você tem para o desen­volvi­men­to de regiões como o Matopi­ba ou Amazô­nia?”, ques­tiona.

Mercado interno de alimentos

E se os incen­tivos fis­cais do gov­er­no dão com­pet­i­tivi­dade aos pro­du­tos nacionais no mer­ca­do mundi­al, o econ­o­mista Dani­lo Fer­nan­des, por sua vez, desta­cou que o apoio ao agronegó­cio de expor­tação, ao lon­go das décadas, con­trasta com o apoio à agri­cul­tura volta­da para o mer­ca­do inter­no, o que teria cri­a­do dis­torções que prej­u­dicaram o abastec­i­men­to nacional, pres­sio­n­an­do o preço dos ali­men­tos aqui no Brasil.

“Esse apoio do Esta­do foi sendo dire­ciona­do aos poucos, com muito inves­ti­men­to, para o mer­ca­do exter­no. Ao mes­mo tem­po, o mer­ca­do inter­no ficou depen­den­do da agri­cul­tura famil­iar que, por sua vez, rece­beu muito menos apoio. Durante o regime mil­i­tar, por exem­p­lo, é absur­da a difer­ença”, disse.

Brasília (DF) 30/06/2025 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado dos ministros do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, da Fazenda, Fernando Haddad e da Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, participa da cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2025/2026 Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF) 30/06/2025 — Mosaico de ali­men­tos dec­o­ra a cer­imô­nia de lança­men­to do Plano Safra da Agri­cul­tura Famil­iar 2025/2026 — Fabio Rodrigues-Pozze­bom/ Agên­cia Brasil

Com a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, na déca­da de 1980, Fer­nan­des disse que o Esta­do voltou elab­o­rar políti­cas focadas na agri­cul­tura famil­iar, em espe­cial por meio do Pro­gra­ma Nacional de Agri­cul­tura Famil­iar (Pron­af), cri­a­do em 1995.

O atu­al gov­er­no afir­ma que aumen­tou em 47,5% o val­or do Pron­af em relação à gestão ante­ri­or.

Domínio internacional

Enquan­to o Brasil par­tic­i­pa como um dos maiores pro­du­tores mundi­ais de ali­men­tos, esse mer­ca­do é con­tro­la­do, em sua maior parte, por qua­tro grandes con­glom­er­a­dos multi­na­cionais.

“Elas con­tro­lam entre 50% e 80% do mer­ca­do mundi­al de grãos do plan­e­ta, depen­den­do da esti­ma­ti­va. De toda for­ma, isso é um absur­do em relação à con­cen­tração de mer­ca­do”, afir­mou o econ­o­mista Gilber­to Mar­ques.

Dev­i­do a essa estru­tu­ra de oligopólio, o espe­cial­ista argu­men­ta que essas multi­na­cionais exercem amp­lo con­t­role do mer­ca­do, incluin­do dos preços, e finan­ciam boa parte dos pro­du­tores brasileiros por meio de com­pras futuras.

“Eles não são, em ger­al, pro­du­tores. São con­tro­ladores do mer­ca­do. E hoje, em grande medi­da, são finan­ciadores tam­bém. Eles já fazem con­tratos com preços fix­a­dos para as safras seguintes. E muitas vezes, ness­es con­tratos, eles já adi­antam parte do paga­men­to. Nesse sen­ti­do, o pro­du­tor dire­to, o chama­do agro brasileiro, fica ali pre­so a eles”, expli­cou.

Por con­ta dessa dinâmi­ca, o empresário brasileiro só tem gan­hos em uma econo­mia “de escala”, ou seja, de grandes pro­porções.

“Esse preço tem uma margem peque­na de lucro, mas, quan­do você pro­duz em enorme quan­ti­dade, isso se trans­for­ma numa mas­sa de lucro grande. E essa econo­mia de escala, por out­ro lado, impõe que essa pro­dução seja uma pro­dução cada vez mais mecan­iza­da, o que reper­cute em um baixo nív­el de emprego”, acres­cen­tou

CNA: setor é parte da solução

O empresário Air­ton Zam­ing­nan, pres­i­dente do Sin­di Bal­sas, ao min­i­mizar os efeitos ambi­en­tais das lavouras no Maran­hão, afir­ma que elas ocu­pam na macror­região sul ape­nas 2,9% de todo o esta­do, ao mes­mo tem­po que trari­am bene­fí­cios para um mil­hão de pes­soas que habitam esse pedaço do Nordeste.

“O agronegó­cio do Brasil gera por ano R$ 1,4 tril­hão em receitas. O Fun­do Amazô­nia, finan­cia­do por Ale­man­ha e Norue­ga, não dá 0,1% do que o agro traz para econo­mia brasileira”, disse. As receitas incluem os lucros e out­ros bônus des­ti­na­dos aos empresários, CEOs e acionistas.

Rio de Janeiro (RJ), 12/10/2025 – Entrevista com o presidente do Sindicato Dos Produtores Rurais De Balsas (Sindibalsas), Airto Zamignan., que atua no cultivo de soja. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Bal­sas (MA), 12/10/2025 – Pres­i­dente do Sindi­ca­to Dos Pro­du­tores Rurais De Bal­sas, Air­ton Zam­ing­nan, desta­ca recei­ta de mais de R$ 1 tril­hão do setor — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil
Zam­ing­nan enfa­ti­zou que não é de inter­esse do agronegó­cio prej­u­dicar o meio ambi­ente, até porque eles seri­am prej­u­di­ca­dos por mudanças no cli­ma. “A gente tem que faz­er de for­ma cor­re­ta. Você não aden­tra o rio. Ele tem que ser preser­va­do. Não tem que quer­er gostar ou não gostar. Nós somos favoráveis à lei que tem e eu acho que o meio ambi­ente tem que ser preser­va­do”, acre­sen­tou.

Pre­sente na 30ª Con­fer­ên­cia da ONU para Mudanças Climáti­cas (COP30), que ocorre neste mês, em Belém (PA), a Con­fed­er­ação Nacional da Agri­cul­tura e Pecuária (CNA) quer mostrar que o setor é parte da solução do prob­le­ma ambi­en­tal.

“Além da pro­dução sus­ten­táv­el da agropecuária brasileira, o obje­ti­vo é mostrar ao Brasil e ao mun­do que o agro tem um papel fun­da­men­tal para con­tribuir com as soluções climáti­cas e garan­tir a segu­rança ali­men­tar e energéti­ca”, afir­mou em pub­li­cação no site da CNA, o vice-pres­i­dente da enti­dade, Muni Lourenço.

A CNA, assim como out­ras orga­ni­za­ções que rep­re­sen­tam o setor, foram procu­radas para se man­i­festarem espe­cial­mente para a série, mas não hou­ve respos­ta. As enti­dades que se pro­nun­cia­ram estão nes­ta reportagem da série.

Representação parlamentar

“De Olho nos Rural­is­tas”, pro­je­to que mon­i­to­ra de for­ma críti­ca o agronegó­cio empre­sar­i­al brasileiro, vem aler­tan­do para as lig­ações entre ess­es empresários e o Poder em Brasília, por meio de lob­by e atu­ação par­la­men­tar.

O coor­de­nador do pro­je­to, Bruno Bassi, argu­men­ta que as elites econômi­cas no Brasil se for­maram, ao lon­go dos sécu­los, por meio da pro­priedade de enormes parce­las de ter­ra, que descen­dem das chamadas cap­i­ta­nias hered­itárias do perío­do colo­nial.

“É impos­sív­el você explicar a história da riqueza no Brasil, a for­mação das elites econômi­cas brasileiras, sem falar de ter­ra e ter­ritório, e da ocu­pação desse ter­ritório, muitas vezes ile­gal, através de gri­lagem”, expli­cou.

Essa estru­tu­ra fundiária con­cen­tra­da, na avali­ação do pesquisador, con­duz a uma con­cen­tração de poder políti­co, por exem­p­lo, no Con­gres­so Nacional.

Brasília (DF) - 31/08/2023 - Vista do prédio do Congresso Nacional.Foto: Joédson Alves/Agência Brasil/Arquivo
Repro­dução: Brasília (DF) — 31/08/2023 — Vista do pré­dio do Con­gres­so Nacional. — Joéd­son Alves/Agência Brasil/ARQUIVO

“Esse setor de grandes pro­pri­etários, que rep­re­sen­ta cer­ca de 1% ou 2% do total das ter­ras agrí­co­las do Brasil, segun­do dados do Cen­so Agropecuário [de 2017], são donos de uma ban­ca­da com 300 dep­uta­dos e mais de 50 senadores. Como a gente pode falar em democ­ra­cia, em rep­re­sen­tação políti­ca, quan­do você tem uma dis­pari­dade tão grande de rep­re­sen­tação de uma classe?”, com­ple­tou.

Para o coor­de­nador de No Olho dos Rural­is­tas, mes­mo setores do agro que demon­stram maior inter­esse na agen­da ambi­en­tal ficam ao lado de setores con­sid­er­a­dos “nega­cionistas climáti­cos” na hora da aprovação de pro­je­tos con­sid­er­a­dos retro­ces­sos ambi­en­tais.

“Por mais que as empre­sas este­jam cap­tan­do recur­sos inter­na­cionais de bil­hões de dólares para planos de ação [climáti­ca], o que a gente vê na práti­ca é que, no Con­gres­so, con­tin­ua uma agen­da de desreg­u­la­men­tação ambi­en­tal”, disse o espe­cial­ista, citan­do o pro­je­to de lei (PL) que flex­i­bi­li­zou o licen­ci­a­men­to ambi­en­tal no Brasil e foi apon­ta­do por espe­cial­is­tas e pelo gov­er­no fed­er­al como grave retro­ces­so.

O PL foi par­cial­mente veta­do pelo pres­i­dente Lula que, no lugar, edi­tou uma Medi­da Pro­visória e envi­ou um out­ro pro­je­to de lei com o argu­men­to de min­i­mizar supos­tos danos ao meio ambi­ente. O Con­gres­so Nacional ain­da pre­cisa anal­is­ar os vetos, a MP e o novo pro­je­to.

Governo federal

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, a dire­to­ra respon­sáv­el pelo Depar­ta­men­to de Recur­sos Hídri­cos do Min­istério do Meio Ambi­ente (MMA), Iara Bueno Gia­co­mi­ni, expli­cou que a estraté­gia do gov­er­no é tra­bal­har em parce­ria com o agronegó­cio empre­sar­i­al, com políti­cas públi­cas que incen­tivem o setor a desen­volver a ativi­dade de for­ma mais sus­ten­táv­el pos­sív­el.

“Não é apon­tar um dedo e falar que ‘você é erra­do’. Mas no sen­ti­do de falar, ‘olha, o seu negó­cio está em risco. A gente gostaria de aju­dar você a pen­sar como faz­er isso de uma maneira mais ade­qua­da, mais efi­ciente e sus­ten­táv­el’”, afir­mou.

Imperatriz (MA), 13/10/2025 – Vista de barcos de pescadores nas águas do Rio Tocantins. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Imper­a­triz (MA), 13/10/2025 – Vista de bar­cos de pescadores nas águas do Rio Tocan­tins. — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

O MMA recon­hece que o des­mata­men­to do Cer­ra­do, per­mi­ti­do pelo atu­al Códi­go Flo­re­stal, pode colo­car em risco a segu­rança hídri­ca do país, afe­tan­do não ape­nas a ger­ação de ener­gia elétri­ca, mas tam­bém o abastec­i­men­to humano e o próprio agronegó­cio.

A pas­ta desta­cou, entre out­ras medi­das ado­tadas, o pro­je­to Ecoin­vest, que cap­tou R$ 30 bil­hões para recu­per­ação de pasta­gens degradadas e aumen­to da pro­du­tivi­dade agrí­co­la, assim como ante­cipou que o gov­er­no tra­bal­ha para pub­licar, “em breve”, decre­to para reg­u­la­men­tar Áreas Pri­or­itárias para Con­ser­vação de Águas do Cer­ra­do (APCACs) como for­ma de preser­var os recur­sos hídri­cos do país.

Série especial

Esta reportagem é a últi­ma da série espe­cial Fron­teira Cer­ra­do, que inves­ti­ga como o avanço do agro no bio­ma está afe­tan­do os recur­sos hídri­cos do país.

A pro­dução dessa série foi via­bi­liza­da a par­tir da Seleção de Reporta­gens Nádia Fran­co, ini­cia­ti­va da Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação (EBC) que des­ti­nou R$ 200 mil para o custeio de con­teú­dos espe­ci­ais pro­duzi­dos por jor­nal­is­tas da empre­sa. De 54 pro­je­tos inscritos, oito foram sele­ciona­dos por um con­sel­ho edi­to­r­i­al.

A jor­nal­ista Nádia Fran­co era edi­to­ra da Agên­cia Brasil e dedi­cou 49 anos à comu­ni­cação públi­ca. Ela fale­ceu em agos­to de 2025.

O Insti­tu­to Sociedade, Pop­u­lação e Natureza (ISPN) cus­teou as pas­sagens áreas da equipe até Imper­a­triz (MA).

 

*Com pro­dução de Beat­riz Evaris­to

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