...
sábado ,17 maio 2025
Home / Direitos Humanos / Fruto da mobilização indígena, Apib completa 20 anos

Fruto da mobilização indígena, Apib completa 20 anos

Entidade foi criada durante o segundo Acampamento Terra Livre

Alex Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 19/04/2025 — 10:10
Brasília
Brasília (DF), 10/04/2025 - Indígenas de várias etnias participam da marcha do acampamento terra livre (ATL). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Prin­ci­pal instân­cia de mobi­liza­ção dos povos orig­inários, a Artic­u­lação dos Povos Indí­ge­nas do Brasil (Apib) com­ple­ta duas décadas em 2025. Cri­a­da durante o segun­do Acam­pa­men­to Ter­ra Livre (ATL), even­to que, em 2025, chegou a sua 21ª edição, inte­gran­do o chama­do Abril Indí­ge­na, a enti­dade tornou-se uma refer­ên­cia nacional, pro­moven­do a união entre as cen­te­nas de etnias que habitam o país.

Às vésperas do Dia dos Povos Indí­ge­nas, data que pro­move a diver­si­dade e a riqueza das cul­turas dos povos orig­inários, chaman­do a atenção para a luta dos quase 1,7 mil­hão de brasileiros que, con­forme o Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE), se declar­am indí­ge­nas, a Agên­cia Brasil entre­vis­tou duas lid­er­anças do movi­men­to que par­tic­i­param ati­va­mente da cri­ação da Apib.

O hoje chefe da Asses­so­ria de Par­tic­i­pação Social e Diver­si­dade do Min­istério dos Povos Indí­ge­nas, Jeci­nal­do Bar­bosa Cabral, do povo sateré-mawé, era coor­de­nador-ger­al da Coor­de­nação das Orga­ni­za­ções Indí­ge­nas da Amazô­nia Brasileira (Coiab) quan­do lid­er­anças indí­ge­nas decidi­ram que o movi­men­to pre­cisa­va de uma nova instân­cia de rep­re­sen­tação nacional, nos moldes de exper­iên­cias ante­ri­ores. Fran­cis­co Aveli­no Batista, o Chico Pre­to, do povo Apuriña, que mil­i­ta­va no movi­men­to des­de o fim da déca­da de 1970, foi um dos primeiros coor­de­nadores da Apib.

Brasília (DF), 19/04/2025 - Personagem Jecinaldo - Fruto da mobilização indígena nacional, Apib completa 20 anos de existência/Subir fotos para o mosaico. Foto: João Melo/Ascom/APIB
Repro­dução: Brasília (DF), 19/04/2025 — Chefe da Asses­so­ria de Par­tic­i­pação Social e Diver­si­dade do Min­istério dos Povos Indí­ge­nas, Jeci­nal­do Bar­bosa Cabra, desta­ca que a Apib foi respon­sáv­el cresci­men­to do movi­men­to indí­ge­na, o surg­i­men­to de novas lid­er­anças. Foto: João Melo/Ascom/APIB — João Melo/Ascom/APIB

Para ambos, a tra­jetória da enti­dade é parte de um lon­go proces­so de resistên­cia e luta dos povos orig­inários. Uma tra­jetória mar­ca­da por suces­si­vas ini­cia­ti­vas que, a par­tir da déca­da de 1970, foram sendo colo­cadas em práti­ca com o propósi­to de orga­ni­zar a mobi­liza­ção indí­ge­na em nív­el nacional.

“Esta dis­cussão começou a tomar for­ma nos anos 70. Ini­cial­mente, de for­ma tími­da e bas­tante reprim­i­da. Afi­nal, está­va­mos em ple­na ditadu­ra mil­i­tar e [o povo] não podia faz­er mobi­liza­ções”, disse Fran­cis­co, acres­cen­ta­do que a aber­tu­ra políti­ca, em 1985, e a pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição Fed­er­al, em 1988, troux­er­am, pouco a pouco, novas opor­tu­nidades para a orga­ni­za­ção indí­ge­na, cul­mi­nan­do com a cri­ação da Apib.

“O obje­ti­vo era artic­u­lar­mos um movi­men­to nacional. Porque a Coiab, que des­de 2002 con­ta­va com um escritório de rep­re­sen­tação em Brasília e uma forte atu­ação em nome dos povos orig­inários da Amazô­nia, não tin­ha condições [legit­im­i­dade para] falar em nome dos povos indí­ge­nas de out­ras regiões”, afir­mou.

Fran­cis­co desta­ca ini­cia­ti­vas e enti­dades que ante­ced­er­am a Apib e que, de algu­ma for­ma, servi­ram de exem­p­lo, como as Assem­bleias Indí­ge­nas, real­izadas durante a déca­da de 1970, com o apoio do Con­sel­ho Indi­genista Mis­sionário (Cimi), enti­dade vin­cu­la­da à Con­fer­ên­cia Nacional dos Bis­pos do Brasil (CNBB); a União das Nações Indí­ge­nas — Uni (fun­da­da em 1980); o Con­sel­ho de Artic­u­lação dos Povos e Orga­ni­za­ções Indí­ge­nas do Brasil — Capoib (1992) e o Fórum em Defe­sa dos Dire­itos Indí­ge­nas — FDDI (2004).

Brasília (DF), 19/04/2025 - Personagem Francisco Avelino Batista - Fruto da mobilização indígena nacional, Apib completa 20 anos de existência/Subir fotos para o mosaico. Foto: Francisco Avelino Batista/Arquivo pessoal
Repro­dução: Brasília (DF), 19/04/2025 — Fran­cis­co Aveli­no Batista diz que a Apib tem feito um tra­bal­ho de con­sci­en­ti­za­ção, de divul­gação, e segue se estru­tu­ran­do para aper­feiçoar sua comu­ni­cação. Foto: Fran­cis­co Aveli­no Batista/Arquivo Pes­soal

“Mes­mo con­sideran­do todas as difi­cul­dades, des­de há muito tem­po nós começamos a nos artic­u­lar. Primeiro, regional­mente, em difer­entes partes do país. E a par­tir dos anos 1980, nacional­mente, com a Uni. A par­tir daí, novas orga­ni­za­ções region­ais foram sendo cri­adas, como a própria Coiab. E emb­o­ra a Uni e a Capoib ten­ham deix­a­do de exi­s­tir e, no iní­cio dos anos 2000, ten­hamos pas­sa­do cer­ca de cin­co anos sem uma rep­re­sen­ta­tivi­dade nacional, estas enti­dades region­ais se for­t­ale­ce­r­am e foram fun­da­men­tais para seguirmos pen­san­do na mel­hor for­ma [do movi­men­to resta­b­ele­cer uma instân­cia nacional”, expli­cou.

 Representatividade

De acor­do com Jeci­nal­do, o Acam­pa­men­to Ter­ra Livre (ATL), cuja primeira edição ocor­reu em 2004, serviu de catal­isador para que os povos indí­ge­nas voltassem a unificar suas lutas, definin­do uma pau­ta con­jun­ta e poten­cial­izan­do a capaci­dade do movi­men­to cobrar respostas do Poder Públi­co. Segun­do ele, o hia­to de cin­co anos que o movi­men­to indí­ge­na pas­sou sem uma instân­cia de rep­re­sen­tação nacional, no iní­cio dos anos 2000, foi oca­sion­a­do por “um racha” por ocasião dos 500 anos do Desco­bri­men­to (ou “invasão”, como pref­er­em muitos indí­ge­nas).

“Mas então, em 2004, fize­mos o primeiro acam­pa­men­to, com 80 pes­soas acam­padas próx­i­mas ao Min­istério da Justiça, na Esplana­da dos Min­istérios. E con­cluí­mos que pre­cisá­va­mos de uma rep­re­sen­tação nacional. Avaliamos os erros e os acer­tos do pas­sa­do e decidi­mos que, ao con­trário das instân­cias e enti­dades ante­ri­ores, não dev­eríamos con­cen­trar o poder decisório em uma ou pou­cas pes­soas”, disse.

Assim, segun­do Jeci­nal­do, cada região dev­e­ria estar rep­re­sen­ta­da. “Pen­samos em um novo for­ma­to e começamos a faz­er vários sem­i­nários region­ais, crian­do condições para avançar­mos com a cri­ação da Apib, anun­ci­a­da em mea­d­os de 2005, na esteira do segun­do ATL”, acres­cen­tou, desta­can­do a importân­cia das rep­re­sen­tações region­ais.

“Até hoje a APIB não tem um pres­i­dente. Tem um cole­gia­do, com rep­re­sen­tações da Amazô­nia, do Nordeste, do Sul, do Cen­tro-Oeste e do Sud­este”, detal­hou Jeci­nal­do, expli­can­do os pon­tos de con­vergên­cia do movi­men­to.

“Ficou claro que nos­sas questões inter­nas eram menores que nos­sas grandes ban­deiras de luta a nív­el nacional. Sendo a luta pelo recon­hec­i­men­to do nos­so dire­ito às nos­sas ter­ras tradi­cionais, à demar­cação dos nos­sos ter­ritórios, a prin­ci­pal dessas ban­deiras”, disse.

“A out­ra reivin­di­cação comum diz respeito à mobi­liza­ção con­tra os pro­je­tos de lei e emen­das à Con­sti­tu­ição que trami­tavam e trami­tam no Con­gres­so Nacional e que vio­lam ou ten­tam acabar com nos­sos dire­itos. O out­ro pon­to con­sen­su­al é a neces­si­dade de incidirmos nas políti­cas públi­cas, que sem­pre vier­am de cima para baixo, sem a par­tic­i­pação dos prin­ci­pais inter­es­sa­dos, nós, os indí­ge­nas”, elen­cou Jeci­nal­do.

Os dois entre­vis­ta­dos con­cor­dam que, ao lon­go de duas décadas, a Apib e a mobi­liza­ção nacional per­mi­ti­ram aos povos orig­inários con­quis­tar avanços sig­ni­fica­tivos, como a cri­ação do Min­istério dos Povos Indí­ge­nas e a ocu­pação de espaços de poder por lid­er­anças indí­ge­nas, como o coman­do do próprio min­istério, da Fun­dação Nacional dos Povos Indí­ge­nas (Funai) e da Sec­re­taria de Saúde Indí­ge­na (Sesai), do Min­istério da Saúde.

“Isto tudo é fru­to da atu­ação da APIB. Porque com ela e com a artic­u­lação nacional, vimos o cresci­men­to do movi­men­to indí­ge­na, o surg­i­men­to de novas lid­er­anças, prin­ci­pal­mente entre as mul­heres e jovens”, afir­mou Jeci­nal­do, admitin­do que ain­da há muito o que faz­er para que as con­quis­tas políti­cas cheguem aos ter­ritórios, ben­e­fi­cian­do a todas as comu­nidades.

“Ain­da não garan­ti­mos ple­na­mente o dire­ito con­sti­tu­cional dos povos indí­ge­nas às suas ter­ras tradi­cionais. Em parte, porque os inter­es­sa­dos [em bar­rar a demar­cação das áreas da União de usufru­to exclu­si­vo indí­ge­na] não estão só nos ter­ritórios em con­fli­to. Eles tam­bém estão no Con­gres­so Nacional, onde nós tam­bém já cheg­amos, mas somos mino­ria abso­lu­ta. E a imple­men­tação de qual­quer políti­ca, de qual­quer ação, depende da aprovação do Con­gres­so”, acres­cen­tou Fran­cis­co.

Ape­sar de tudo, Jeci­nal­do e Fran­cis­co são otimis­tas quan­to a manutenção da mobi­liza­ção nacional indí­ge­na. E tam­bém do futuro da Apib. Que, na sem­ana pas­sa­da, reuniu entre seis mil e oito mil indí­ge­nas de ao menos 135 etnias que via­jaram a Brasília para par­tic­i­par do 21º Acam­pa­men­to Ter­ra Livre. 

Em um tex­to cole­ti­vo [A Respos­ta somos Nós: Vinte anos de APIB e a Emergên­cia Climáti­ca], divul­ga­do no últi­mo dia do encon­tro, os povos indí­ge­nas reafir­mam “a importân­cia da resistên­cia e da luta cole­ti­va” e sus­ten­tam que “a APIB e o ATL se tornaram expressões vivas de mobi­liza­ção e resistên­cia na luta pelos dire­itos indí­ge­nas fun­da­men­tais con­sagra­dos na Con­sti­tu­ição Fed­er­al de 1988.

“O movi­men­to tem feito um tra­bal­ho de con­sci­en­ti­za­ção, de divul­gação, e segue se estru­tu­ran­do para aper­feiçoar sua comu­ni­cação. Neste momen­to, não vejo nen­hu­ma pre­ocu­pação. Pelo con­trário. Acho que o movi­men­to vem se for­t­ale­cen­do”, comen­tou Fran­cis­co.

Brasília (DF), 10/04/2025 - Indígenas de várias etnias participam da marcha do acampamento terra livre (ATL). Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Acam­pa­men­to ter­ra livre 2025, A Respos­ta somos Nós: Vinte anos de APIB e a Emergên­cia Climáti­caFoto: Joéd­son Alves/Agência Brasil

»Comis­são inter­na­cional indí­ge­na vai par­tic­i­par de nego­ci­ações da COP30

“Acred­i­to que, hoje, a Apib tem condições de chegar aos 50 anos. Bas­ta sem­pre nos lem­brar­mos dos pilares e dos princí­pios sobre os quais ela foi cri­a­da. Não é diz­er que a artic­u­lação nacional está con­sol­i­da­da, porque ela está em con­stante con­strução, mas, hoje, ela tem força. As region­ais, as bases, a sus­ten­tam. Por­tan­to, bas­ta que os que estiverem à frente sigam respei­tan­do as bases. Que mes­mo quan­do sur­girem assun­tos espin­hosos [para o movi­men­to], todos se sen­tem e dis­cu­tam as soluções”, endos­sou Jeci­nal­do.

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Orquestra de Câmara da USP celebra 30 anos com concertos gratuitos

Serão duas apresentações: uma nesta sexta, às 20; outra no domingo Matheus Cro­belat­ti* – estag­iário …