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Gangstalking: médicos alertam para risco de crença em perseguição

Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Pessoas com transtorno se dizem vítimas de assédio e arma psicotrônica


Publicado em 08/08/2024 — 09:02 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Brasília (DF), 07.08.2024 - Arte de gráfico para a matéria Alerta de gatilho. Arte/Agência Brasil

 

“Estou em pran­tos. Sin­to tan­ta dor, inclu­sive em min­has partes ínti­mas, como se alguém as estivesse queiman­do”, escreveu a soteropoli­tana R.S.B*, ain­da em 2012. À época, a mul­her, que dizia ser alvo da ação de pes­soas que a perseguiam e ten­tavam prej­u­dicá-la, encon­trou na inter­net um espaço onde com­par­til­har sua dor.

“Sou mais uma víti­ma das chamadas armas psi­cotrôni­cas, cuja ação ninguém é capaz de enx­er­gar. E que sus­peito que estão sendo usadas con­tra mim por traf­i­cantes do bair­ro onde moro, que agem impune­mente. Não con­si­go escr­ev­er mais porque, além de gravarem tudo que faço e pen­so, eles me causam um sofri­men­to que só quem pas­sa con­hece. Se não mor­rer, em breve volto a escr­ev­er, mas ven­ho out­ra vez pedir aju­da”, acres­cen­tou R.S.B.

Não demor­ou para que out­ros inter­nau­tas se iden­ti­fi­cas­sem com a “aflição”, o “des­gos­to” e a “rai­va” que a soteropoli­tana man­i­fes­ta­va em seus desabafos. Até porque, relatos semel­hantes já não eram inco­muns em fóruns e comu­nidades online, com­par­til­ha­dos por pes­soas de difer­entes nacional­i­dades e que man­i­fes­tavam uma crença per­tur­bado­ra: a de serem víti­mas do chama­do gangstalk­ing.

O gangstalk­ing é um fenô­meno com­plexo que, a exem­p­lo de várias expressões de transtorno deli­rante, expõe o quão frágil pode ser a capaci­dade do ser humano de difer­en­ciar a fan­ta­sia do real (no sen­ti­do de juí­zos social­mente com­par­til­ha­dos). Resum­i­da­mente, tra­ta-se de uma crença infun­da­da em que um indi­ví­duo ou grupo é alvo da perseguição sis­temáti­ca de pes­soas ou enti­dades dis­postas a desa­cred­i­tar, prej­u­dicar e levar suas “víti­mas” à morte.

Difer­en­cia-se do crime de perseguição (ou stalk­ing), tip­i­fi­ca­do no Códi­go Penal brasileiro des­de 2021, porque, enquan­to este pos­sui ele­men­tos obje­tivos e provas conc­re­tas para denún­cia, a crença na perseguição por gru­pos está fre­quente­mente asso­ci­a­da a delírios e alu­ci­nações, muitas vezes envol­ven­do teo­rias da con­spir­ação.

Muitas pes­soas que afir­mam serem seguidas, vigiadas e asse­di­adas físi­ca e psi­co­logi­ca­mente se iden­ti­fi­cam como indi­ví­du­os-alvo (ou tar­get indi­vid­u­als — TIs). Com­par­til­ham a tese de que seus “perseguidores” (ou stalk­ers) pos­suem não só “armas psi­cotrôni­cas”, capazes de afe­tar o sis­tema ner­voso, como tam­bém mod­er­nos dis­pos­i­tivos eletrôni­cos capazes de “ler” pen­sa­men­tos e con­tro­lar o com­por­ta­men­to de suas “víti­mas”. Há, tam­bém, os que se veem como pes­soas ungi­das, escol­hi­das para desem­pen­har uma mis­são espe­cial. E que, con­se­quente­mente, creem que seus supos­tos perseguidores não pas­sam de mar­i­onetes a serviço de forças malig­nas que pre­ten­dem cor­rompê-los e desviá-los do cam­in­ho do bem.

Internet

O ter­mo gangstalk­ing não con­s­ta de nen­hum man­u­al de diag­nós­ti­co psiquiátri­co, mas relatos como o de R.S.B. dão con­ta de um sofri­men­to real. Tan­to que os poucos espe­cial­is­tas que já se debruçaram sobre o tema desta­cam a importân­cia de que os casos sejam trata­dos com sen­si­bil­i­dade e empa­tia. Até porque, con­forme expli­ca o pro­fes­sor da Fac­ul­dade de Ciên­cias Médi­cas da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (Uni­camp) Paulo Dal­galar­ron­do em um livro que é refer­ên­cia acadêmi­ca no estu­do dos transtornos men­tais, a crença em ser persegui­do é o tipo de delírio mais fre­quente, poden­do sur­gir de exper­iên­cias sen­so­ri­ais inten­sas, como alu­ci­nações.

“O indi­ví­duo acred­i­ta com toda a con­vicção que é víti­ma de um com­plô e que está sendo persegui­do por pes­soas con­heci­das ou descon­heci­das […] não lhe restando alter­na­ti­va a não ser inte­grar [tal crença] em sua vida por meio do delírio”, disse o pro­fes­sor Paulo Dal­galar­ron­do.

Com o adven­to da inter­net, com­por­ta­men­tos que antes demor­avam a se propa­gar pas­saram a se espal­har rap­i­da­mente pelo mun­do, sem fil­tros. E, em 2015, R.S.B. já não esta­va só. A soteropoli­tana via­jou mais de 2,5 mil quilômet­ros para par­tic­i­par de um even­to sobre crimes tec­nológi­cos e dire­itos humanos, real­iza­do no plenário da Câmara Munic­i­pal de Bar­ra Vel­ha, no litoral norte de San­ta Cata­ri­na. O even­to atraiu pou­cas pes­soas, mas foi trans­mi­ti­do pela inter­net e grava­do. Um tre­cho de R.S.B. palestran­do segue sendo com­par­til­ha­do por defen­sores do recon­hec­i­men­to do gangstalk­ing no Brasil.

“Lem­bro vaga­mente desse even­to. Acho que uma das orga­ni­zado­ras mora­va na cidade na época. Ela me pare­ceu muito atu­ante, muito inteira­da. Eu nun­ca tin­ha ouvi­do falar sobre o assun­to e, ain­da que não me lem­bre mais dos detal­h­es, me recor­do de ter pen­sa­do que algu­mas coisas me pare­ce­r­am bem fora da real­i­dade, fora de con­tex­to, mas cheguei a ficar exata­mente sur­pre­sa. Afi­nal, há tan­tas coisas que não acred­itá­va­mos serem pos­síveis que já acon­te­ce­r­am”, comen­tou a ex-vereado­ra Mar­ciléia Reitz, que, à época, acom­pan­hou parte do even­to pres­en­cial­mente.

Deter­mi­na­da a dar vis­i­bil­i­dade a sua causa, na sequên­cia, R.S.B via­jou a Brasília. Sain­do da Rodoviária do Plano Pilo­to, a cam­in­ho do Con­gres­so Nacional, fez uma trans­mis­são nar­ran­do suas difi­cul­dades. “Vou diz­er uma coisa: vou mor­rer de cabeça ergui­da. Porque no dia em que fui para o Fórum [de Bar­ra Vel­ha], que des­graça. Tá louco. É tan­to gemi­do, tan­to toque na min­ha gen­itália, tan­ta ameaça e palavrão”, nar­rou a soteropoli­tana, falan­do alto, para espan­to dos pedestres que cam­in­havam ao seu redor.

“Olha como as pes­soas estão espan­tadas. Olha! E eu não pos­so faz­er nada”, con­tin­u­ou a soteropoli­tana, em pran­tos, gri­tan­do em ple­na rua. Ao fim de quase cin­co min­u­tos de um dis­cur­so desconexo, o vídeo é inter­rompi­do no momen­to em que R.S.B. pas­sa por um viadu­to e começa a repro­duzir as vozes de coman­do que diz estar ouvin­do. “Se joga! Se jogue do viadu­to! Vaca.”

R.S.B. cam­in­hou por mais um quilômetro e meio até o Sena­do, onde abor­dou o então pres­i­dente da Casa, Renan Cal­heiros. Após par­tic­i­par de uma audiên­cia públi­ca no Auditório Petrônio Portela, o políti­co respon­dia às per­gun­tas de jor­nal­is­tas quan­do a mul­her pôs um pon­to final na entre­vista. “Seu Renan, quero que o sen­hor diga algo. Sou víti­ma de tor­tu­ra pela neu­ro­ciên­cia. Empresários, todo o plan­e­ta, todos estão envolvi­dos. O que eu faço? Pre­ciso de aju­da. Pre­ciso que o sen­hor designe uma comis­são para poder nos aju­dar”. Pro­to­co­lar, Renan a acon­sel­ha a enviar as infor­mações de seu caso à presidên­cia do Sena­do e some em meio aos corre­dores insti­tu­cionais.

Associações

Enquan­to isso, o ter­mo gangstalk­ing e a crença no emprego das chamadas armas psi­cotrôni­cas pas­saram a cir­cu­lar com mais força na inter­net. Nos Esta­dos Unidos – onde não demor­aram a sur­gir empre­sas venden­do de dis­pos­i­tivos con­tra o assé­dio eletrôni­co a camise­tas alu­si­vas ao tema – e no Brasil, foram cri­adas enti­dades nacionais com o obje­ti­vo man­i­festo de defend­er os inter­ess­es dos indi­ví­du­os-alvo. Ain­da que, anon­i­ma­mente, vários deles defendam, em fóruns e gru­pos, que, por segu­rança, as “víti­mas” do gangstalk­ing não devam se expor nem con­fi­ar em ninguém – incluin­do par­entes e ami­gos que ten­tem con­vencê-los de que pre­cisam de aju­da.

No Brasil, há ao menos duas enti­dades nacionais com CNPJ ati­vo jun­to à Recei­ta Fed­er­al. Uma foi fun­da­da em setem­bro de 2022, para pro­te­ger e amparar as víti­mas de tor­tu­ra psi­coeletrôni­ca, e tem sede em Nova Fribur­go (RJ). A out­ra, ded­i­ca­da à mes­ma causa, fun­ciona no Recife.

“São duas asso­ci­ações inde­pen­dentes, com o mes­mo propósi­to. A que cri­amos [no Recife], em 2017, foi fun­da­da por indi­ví­du­os-alvo para com­bat­er o uso de dis­pos­i­tivos e armas que usam ondas eletro­mag­néti­cas com a final­i­dade de invadir e con­tro­lar a mente de cidadãos comuns, tor­tu­ran­do-os, sab­otan­do-os e, em muitos casos, elim­i­nan­do-os”, disse à Agên­cia Brasil R.R.F.*, um dos fun­dadores da enti­dade per­nam­bu­cana.

Sem fornecer detal­h­es, R.R.F con­tou que, dev­i­do a prob­le­mas “sérios” de saúde, não par­tic­i­pa mais do dia a dia da orga­ni­za­ção, acom­pan­han­do ape­nas as ativi­dades públi­cas, como as reuniões remo­tas. “A enti­dade, hoje, tem novos mem­bros e está mais volta­da à comu­ni­cação nas redes, prin­ci­pal­mente no YouTube e Face­book. Além dis­so, man­tém inter­câm­bio com asso­ci­ações de out­ros país­es. Faze­mos ações jun­to aos órgãos públi­cos para ten­tar cor­ri­gir as bre­chas legais”, acres­cen­tou R.R.F., referindo-se ao exem­p­lo da cidade de Rich­mond, na Cal­ifór­nia (EUA), onde, em 2015, o Con­sel­ho Munic­i­pal aprovou uma res­olução declaran­do o municí­pio como uma zona segu­ra, livre da ação de armas espa­ci­ais.

O exem­p­lo de Rich­mond ilus­tra a com­plex­i­dade de se abor­dar os delírios per­se­cutórios ou as teo­rias da con­spir­ação em ger­al, fun­dadas em infor­mações impre­cisas, mal inter­pre­tadas ou com­ple­ta­mente fal­sas. A pos­si­bil­i­dade de grandes potên­cias desen­volverem armas espa­ci­ais é uma hipótese plausív­el, con­forme ficou patente no iní­cio deste ano, quan­do o gov­er­no dos EUA aler­tou o Con­gres­so norte-amer­i­cano e país­es ali­a­dos na Europa, sem fornecer provas, que a Rús­sia estaria desen­vol­ven­do uma arma que pode­ria ser usa­da con­tra satélites oci­den­tais, provo­can­do o caos nas tele­co­mu­ni­cações e infraestru­tu­ra. Acon­tece que a medi­da do Con­sel­ho Munic­i­pal de Rich­mond, ante­ri­or a isso, além de pouco efe­ti­va, ger­ou, segun­do a impren­sa local, dezenas de lig­ações de cidadãos que pedi­am à polí­cia que inves­ti­gasse o supos­to uso de chips, inse­tos e out­ros dis­pos­i­tivos para con­t­role da mente e do cor­po.

“É um con­sen­so de que há coisas sobre as quais não deve­mos falar, infor­mações que não podemos pas­sar adi­ante”, acres­cen­tou R.R.F, esquivan­do-se de algu­mas per­gun­tas na entre­vista à reportagem da Agên­cia Brasil, para, em segui­da, se esten­der ao respon­der sobre a pos­si­bil­i­dade de o gangstalk­ing ser ape­nas um delírio per­se­cutório e um indí­cio de que os que nele acred­i­tam pre­cisam do apoio de um profis­sion­al em saúde men­tal.

“Não aceito estes diag­nós­ti­cos e muitas out­ras pes­soas tam­bém os com­bat­em. Na asso­ci­ação, procu­ramos fil­trar os par­tic­i­pantes, ver­i­f­i­can­do se apre­sen­tam algum tipo de delírio ou sin­toma esquizofrêni­co. É uma fil­tragem efi­ciente. E temos doc­u­men­tos que descrevem ocor­rên­cias muito lóg­i­cas”, disse R.R.F, reafir­man­do a crença na existên­cia de dis­pos­i­tivos capazes de ler pen­sa­men­tos, con­tro­lar com­por­ta­men­tos e causar mal a grandes dis­tân­cias. “Não tem como nos clas­si­ficar como para­noicos. Ain­da que haja quem, por medo, pre­fi­ra fin­gir que admite tal pos­si­bil­i­dade para, assim, ten­tar seguir adi­ante. Qual­quer que seja o caso, esta­mos ten­do pre­juí­zos incal­culáveis. Tive que abrir mão de muitas coisas, pois sofro com ess­es sin­tomas há muitos anos. Pro­curei insti­tu­ições que pudessem me aju­dar, mas perce­bi que elas estão prontas para faz­er algu­mas coisas que desvi­am de suas funções. Então, chegou um momen­to, em 2018, que perce­bi que a coisa era muito grave e resolvi ficar mais reser­va­do”, final­i­zou.

Brasília (DF) 06/08/2024 - Carta com pedido de socorro.Foto: Arquivo
Repro­dução: Doc­u­men­to envi­a­do por uma asso­ci­ação à Câmara de João Pes­soa, jun­to com pedi­do de infor­mações sobre ações para pro­te­ger cidadãos de “méto­dos de tor­tu­ra psi­coeletrôni­ca” — Arqui­vo

Leis

Dis­crição não é o que move o gaú­cho W.A.D.P*. Em 12 de jun­ho de 2023, ele pro­to­colou, na Assem­bleia Leg­isla­ti­va de São Paulo (Ale­sp), um pedi­do de infor­mações. Que­ria saber se havia algum pro­je­to de lei pro­pon­do a pro­teção dos cidadãos “con­tra ataques por armas laser” trami­tan­do na Casa.

“Se não hou­ver, peço que a ini­cia­ti­va pop­u­lar das víti­mas paulis­tanas que estão sendo assas­si­nadas com o uso dessas armas seja apre­sen­ta­da a todos os dep­uta­dos estad­u­ais [para] ver se algum deles a colo­ca em seu nome”. No pedi­do, W.A.D.P cita, como fonte de inspi­ração, ini­cia­ti­vas semel­hantes lev­adas a cabo pela asso­ci­ação sedi­a­da em Nova Fribur­go.

Morador de Por­to Ale­gre, W.A.D.P. usou a inter­net para pedir o mes­mo tipo de infor­mação e faz­er a mes­ma pro­pos­ta a várias out­ras casas leg­isla­ti­vas do país. À Câmara Munic­i­pal de Ita­po­ran­ga, peque­na cidade do inte­ri­or paulista, a cer­ca de mil quilômet­ros da cap­i­tal gaúcha, envi­ou, no iní­cio deste ano, um tex­to con­fu­so, mis­tu­ran­do por­tuguês, inglês e espan­hol, sug­erindo a aprovação de um decre­to munic­i­pal para pro­te­ger os moradores da cidade dos “abu­sos tec­nológi­cos per­pe­tra­dos pelos poderes fed­er­al, estad­ual ou estrangeiros”. Já ao Sena­do, propôs, em 2022, a aprovação de uma lei definin­do e punin­do o crime de abu­so tec­nológi­co por meios psi­cotrôni­cos con­tra par­la­mentares e seus eleitores – ele próprio chegou a ser impe­di­do de votar após ter sido dec­re­ta­do civil­mente inca­paz em 2014, dire­ito que o Tri­bunal Region­al Eleitoral do Rio Grande do Sul só lhe resti­tu­iu em 2020.

O pedi­do feito à Ale­sp foi respon­di­do no mes­mo dia por um servi­dor públi­co que recomen­dou que W.A.D.P. envi­asse sua sug­estão a um dep­uta­do de sua escol­ha para que, “em caso de afinidade, o par­la­men­tar apre­sente um pro­je­to de lei sobre o tema”. Já em Ita­po­ran­ga, out­ro servi­dor munic­i­pal que teve que realizar a pesquisa solic­i­ta­da pelo inter­nau­ta se lim­i­tou a infor­mar não haver nen­hu­ma ini­cia­ti­va sobre o tema em dis­cussão e deu o assun­to por encer­ra­do.

Ocorre que, con­forme a Agên­cia Brasil con­sta­tou com uma ráp­i­da pesquisa na inter­net, W.A.D.P. não é o úni­co a agir des­ta for­ma. Há dezenas, talvez cen­te­nas de pedi­dos semel­hantes encam­in­hados por out­ras pes­soas para prefeituras, como as de João Pes­soa e Patrocínio (MG), e assem­bleias leg­isla­ti­vas estad­u­ais, como a de Alagoas.

“Não res­ta dúvi­da de que se tra­ta de um quadro psicóti­co e de que essas pes­soas pre­cisam de trata­men­to ade­qua­do. Tra­bal­ho com isso há décadas, dou aulas sobre o assun­to, ten­ho pesquisas pub­li­cadas no Brasil e no exte­ri­or, mas nun­ca tin­ha ouvi­do falar sobre gangstalk­ing ou armas psi­cotrôni­cas”, declar­ou o pro­fes­sor de pós-grad­u­ação do Insti­tu­to de Psiquia­tria do Hos­pi­tal das Clíni­cas da Fac­ul­dade de Med­i­c­i­na da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) Alexan­dre Loch, após anal­is­ar parte do mate­r­i­al que a Agên­cia Brasil reuniu ao lon­go des­ta apu­ração.

Brasília (DF) 07/08/2024 - Alexandre Loch, psiquiatria e professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Gangstalking: a crença persecutória que desafia especialistas em saúde Indivíduo acredita ser alvo de pessoas que tentam prejudicá-lo. Foto: Alexandre Loch,/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Alexan­dre Loch, pro­fes­sor do Insti­tu­to de Psiquia­tria do Hos­pi­tal das Clíni­cas da Fac­ul­dade de Med­i­c­i­na da USP — Alexan­dre Loch/Arquivo Pes­soal

“O que chama a atenção é a orga­ni­za­ção, a reunião dessas pes­soas nas redes soci­ais. É a primeira vez que vejo algo assim, tão orga­ni­za­do. Uma coisa que me chamou a atenção e que acred­i­to que pode­ria ser pesquisa­da é que há alguns ele­men­tos da cul­tura con­tem­porânea que podem servir de com­bustív­el para o surg­i­men­to de alguns sin­tomas [de transtornos men­tais]. Vive­mos em uma sociedade muito para­noica e alguns fenô­menos cul­tur­ais podem engatil­har sin­tomas psicóti­cos. Por exem­p­lo, a [exac­er­bação da] polar­iza­ção [políti­co-ide­ológ­i­ca]. A briga entre esquer­da e dire­i­ta. Acho que, em uma mente mais fér­til, isso pode cri­ar ou ali­men­tar fenô­menos como o gangstalk­ing”, acres­cen­tou Loch ao explicar que há, basi­ca­mente, dois prin­ci­pais sin­tomas psicóti­cos: as alu­ci­nações, que podem envolver qual­quer um dos cin­co sen­ti­dos, e os delírios, a crença em coisas que não exis­tem. “Como, por exem­p­lo, crer ser persegui­do pelo FBI ou por quem quer que seja.”

“É sem­pre impor­tante estar­mos aten­tos a ess­es dois tipos de sin­tomas. Na maio­r­ia das vezes, eles ten­dem a pas­sar sem maiores con­se­quên­cias. Mes­mo assim, são um fator de aler­ta, poden­do indicar out­ros transtornos”, obser­vou Loch.

“A pes­soa pode, por exem­p­lo, estar deprim­i­da, ansiosa ou desen­vol­ven­do out­ros transtornos. Daí a importân­cia de iden­ti­fi­car­mos ess­es sin­tomas e dedi­car­mos algu­ma atenção ao tema. Até porque, bas­ta ver os relatos das pes­soas para ver­i­ficar que elas juram não estar doentes, emb­o­ra algu­mas afirmem ouvir vozes há sete, oito anos, ou que há quem pode ler seus pen­sa­men­tos. Quan­do uma pes­soa dessas vai bus­car aju­da? Par­entes, ami­gos e profis­sion­ais da saúde têm que estar aten­tos a isso”, con­cluiu o pro­fes­sor.

A psi­coter­apeu­ta e assis­tente social norte-amer­i­cana Liz John­ston é uma das pou­cas acadêmi­cas a estu­dar o gangstalk­ing no mun­do. Pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Politéc­ni­ca da Cal­ifór­nia, ela debruçou-se sobre o assun­to ao aten­der dois pacientes que se inti­t­ulavam indi­ví­du­os-alvo e que diziam ser persegui­dos por pes­soas que se uni­ram para prej­u­dicá-los. Orga­ni­zado­ra de um livro que reunirá arti­gos de pesquisadores con­vi­da­dos a colab­o­rar com a pub­li­cação, ela é cautelosa ao tratar de diag­nós­ti­cos.

Brasília (DF) 06/08/2024 - Psicoterapeuta e assistente social Liz Johnston, professora da Universidade Politécnica da Califórnia. Foto: Gina N. Cinardo/Divulgação
Repro­dução: Psi­coter­apeu­ta e assis­tente social Liz John­ston, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Politéc­ni­ca da Cal­ifór­nia — Gina N. Cinardo/Divulgação

“Qual o bene­fí­cio de rotu­lar­mos alguém com um prob­le­ma de saúde men­tal?”, ques­tiona Liz, para quem o mais impor­tante é acol­her as pes­soas que, de fato, estão sofren­do e, a seu modo, pedin­do aju­da. Inter­es­sa­da nos dile­mas éti­cos envolvi­dos no tema, a psi­coter­apeu­ta acred­i­ta que inves­ti­gar o gangstalk­ing pode aju­dar a ciên­cia a “ilu­mi­nar o que­bra-cabeça das causas da para­noia”, mas diz que o tema inter­es­sa tam­bém a estu­diosos das mídias soci­ais, dire­ito, ciên­cias soci­ais, entre out­ros cam­pos. Leia aqui os prin­ci­pais tre­chos da entre­vista de Liz John­ston à Agên­cia Brasil.

É impor­tante procu­rar aju­da de um profis­sion­al capac­i­ta­do para lidar com situ­ações difí­ceis a fim de man­ter a saúde men­tal. O Cen­tro de Val­oriza­ção da Vida (CVV) ofer­ece um serviço de escu­ta acol­he­do­ra e apoio emo­cional, disponív­el no tele­fone 188. Há tam­bém o Mapa da Saúde Men­tal, fer­ra­men­ta que per­mite a bus­ca de serviços públi­cos e gra­tu­itos por local­i­dade.

*Para preser­var a iden­ti­dade de algu­mas das pes­soas citadas nes­ta matéria, a Agên­cia Brasil optou por não infor­mar seus nomes. Pelo mes­mo moti­vo, os nomes das asso­ci­ações men­cionadas tam­bém foram omi­ti­dos, e citações extraí­das de pub­li­cações pes­soais na inter­net foram ligeira­mente mod­i­fi­cadas, preser­van­do o teor das men­sagens.

Edição: Juliana Andrade

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