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Garimpo amplia conflitos entre povos yanomami

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Confrontos são amplificados com bebidas e armas


Pub­li­ca­do em 14/02/2023 — 07:36 Por Vitor Abdala — Envi­a­do espe­cial* — Boa Vista

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A invasão do garim­po ile­gal às ter­ras no oeste de Roraima ger­ou não ape­nas prob­le­mas ambi­en­tais, san­itários e con­fron­tos dire­tos entre garimpeiros e indí­ge­nas, mas tam­bém ampli­fi­cou con­fli­tos entre as próprias comu­nidades yanoma­mi. Questões como a coop­tação de jovens indí­ge­nas pela ativi­dade de extração do ouro, a dis­sem­i­nação de bebidas alcoóli­cas e a pro­lif­er­ação de armas de fogo foram respon­sáveis pelo aumen­to da vio­lên­cia entre comu­nidades.

“Os inva­sores con­tribuíram muito para crescerem mais os con­fli­tos yanoma­mi. Os garimpeiros levaram muitas armas de fogo para as comu­nidades. Ano pas­sa­do, tive­mos um prob­le­ma muito grande em Xitei, onde ado­les­centes de 12, 13 e 14 anos beber­am e mataram uns aos out­ros, com [revólver cal­i­bre] 38. Está muito ten­so porque os garimpeiros armaram muito os yanoma­mi”, diz Júnior Heku­rari Yanoma­mi, que pre­side Con­sel­ho Dis­tri­tal de Saúde Indí­ge­na Yanoma­mi e Ye’kuana (Con­disi-YY).

Segun­do Júnior, entre as regiões onde a vio­lên­cia aldeias aumen­tou depois da chega­da dos garimpeiros estão Tirei, Xitei e Homoxi. De acor­do com ele, alguns dos inva­sores dão armas para os yanoma­mi, inclu­sive, para que os indí­ge­nas façam a pro­teção ao garim­po con­tra comu­nidades que são con­tra a ativi­dade de min­er­ação do ouro.

Missionário

O padre ital­iano Cor­ra­do Dal­monego viveu 14 anos entre os yanoma­mi da região do Rio Cat­ri­mani. Flu­ente na lín­gua yanoma­mi, a mais fal­a­da entre os povos orig­inários do oeste de Roraima, o padre inte­gra o Con­sel­ho Indi­genista Mis­sionário (Cimi), enti­dade vin­cu­la­da à Igre­ja Católi­ca que lida com questões indí­ge­nas.

Boa Vista (RR), 12/02/2023, O missionário do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, padre Corrado Dalmonego, fala sobre a questão dos indígenas yanomami..
Repro­dução: Mis­sionário do Con­sel­ho Indi­genista Mis­sionário, padre Cor­ra­do Dal­monego viveu 14 anos entre os yanoma­mi. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Tam­bém mestre em antropolo­gia e cur­san­do um doutora­do na área, padre Cor­ra­do diz que o aces­so dos yanoma­mi a armas de fogo leva os con­fli­tos a out­ro pata­mar.

“Exis­tem comu­nidades com relação de aliança e out­ras com relações mais ou menos con­fli­ti­vas, mas os con­fli­tos entre as comu­nidades yanoma­mi muitas vezes são resolvi­dos de for­ma não vio­len­ta. Diál­o­gos ten­tam resta­b­ele­cer con­cil­i­ações. As ‘vin­ganças’ são muito lim­i­tadas, focadas para cer­tas pes­soas, que eles chamam de ‘unokai’, que eles traduzem para o por­tuguês como crim­i­noso, assas­si­no. Então, muitas vezes os con­fli­tos se resolvem em ações pon­tu­ais”, diz o padre.

“Se antes os ataques eram real­iza­dos com fle­chas dis­paradas de longe – e dis­parar uma flecha já demon­stra­va a cor­agem de uma pes­soa –, com as armas de fogo e as munições que o garim­po ofer­ece, isso provo­ca um aumen­to expo­nen­cial da vio­lên­cia”, enfa­ti­za.

Choque de gerações

Padre Cor­ra­do tam­bém chama a atenção para os con­fli­tos den­tro da própria aldeia, que são exac­er­ba­dos pela pre­sença do garim­po nes­sas ter­ras. “O ali­ci­a­men­to que o garim­po traz, sobre­tu­do, aos jovens, que se deix­am ali­ciar mais facil­mente ao garim­po, provo­ca con­fli­tos inter­nos nas comu­nidades, entre lid­er­anças e jovens. E isso rever­bera tam­bém em con­fli­tos inter­co­mu­nitários, entre comu­nidades [yanoma­mi] difer­entes que já vivem ten­sões”.

Tony Gino Rodrigues, per­ten­cente à etnia macuxi, tam­bém nati­va da região de Roraima, tra­bal­hou 12 anos como agente de saúde nas ter­ras yanoma­mi. Para ele, as riquezas do garim­po atraem a atenção dos mais jovens, que querem, por exem­p­lo, ter aces­so a novas tec­nolo­gias como os apar­el­hos celu­lares (que eles vêem nas mãos de garimpeiros, mas tam­bém nas mãos daque­les que estão ali para aju­dar, como profis­sion­ais de saúde).

Boa Vista (RR), 13/02/2023, A liderança indígena do povo macuxi, Tony Gino Rodrigues, fala sobre a questão dos indígenas yanomamis.
Repro­dução: Lid­er­ança indí­ge­na do povo macuxi, Tony Gino Rodrigues, fala sobre a questão dos indí­ge­nas yanoma­mi. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

“Isso des­per­ta o inter­esse de qual­quer ser humano. A nova ger­ação está inter­es­sa­da em obter aque­les bens que estão chegan­do. E qual é o proces­so mais fácil para con­seguir um tele­fone? Pelo garim­po. E isso tam­bém vale para out­ros tipos de ali­men­tação que eles vier­am exper­i­men­tan­do ao lon­go da vida, como o arroz, o sal, o açú­car, o café. Tudo isso, eu só pos­so adquirir com din­heiro. E, se eu não ten­ho um emprego, não con­si­go adquirir.”

Aparente riqueza

Segun­do o padre Cor­ra­do, o garim­po traz ape­nas uma “aparente riqueza”, que pode atrair alguns dos indí­ge­nas, já que eles recebem paga­men­to em ouro para prestar serviços aos garimpeiros, como car­regar com­bustív­el pelos cam­in­hos da flo­res­ta. No entan­to, acabam gas­tan­do o ouro, com bebidas e pros­ti­tu­ição, tudo a preço super­in­fla­ciona­do, nas ‘cur­rute­las’, como se chamam os vilare­jos con­struí­dos pelos garimpeiros per­to dos locais de extração do minério.

A bebi­da alcoóli­ca, con­sum­i­da nas ‘cur­rute­las’, por exem­p­lo, acir­ra con­fli­tos e ten­sões que são sub­ja­centes, já que pode ser o estopim para novas brigas, com agressões e assas­si­natos.

“Você tem a con­t­a­m­i­nação do mer­cúrio, o des­mata­men­to, a fal­ta de ali­men­tação em grande escala, porque as caças vão para mais dis­tante. Hoje, a quan­ti­dade de garimpeiros den­tro da flo­res­ta era quase a mes­ma quan­ti­dade de yanoma­mi. Você quase dobra a quan­ti­dade de caça. Quan­do chega o garim­po, você deixa de cul­ti­var, deixa de caçar, ou seja, você deixa o modo de vida tradi­cional para par­tir para uma vida que foi lev­a­da lá para den­tro e que ninguém expli­cou como se com­por­tar den­tro desse meio”, expli­ca Tony Rodrigues.

Júnior Yanoma­mi vê um futuro difí­cil pela frente, mas tem esper­ança de reme­di­ar os estra­gos provo­ca­dos pelo garim­po nas ter­ras de seu povo. “É pre­ocu­pante, e a gente vai ter muito tra­bal­ho para con­ser­tar ess­es con­fli­tos que acon­te­ce­r­am [prin­ci­pal­mente] nos últi­mos qua­tro anos, mas a gente vai con­ser­tar”, afir­ma Júnior.

*Colaborou Ana Gra­ziela Aguiar, da TV Brasil

Edição: Nádia Fran­co

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