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Garimpo desacelera, mas segue inviabilizando saúde do povo Yanomami

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Relatório de associações indígenas faz balanço de ações do governo


Pub­li­ca­do em 26/01/2024 — 08:56 Por Pedro Rafael Vilela — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Pouco mais de um ano depois de o gov­er­no fed­er­al declarar emergên­cia em saúde públi­ca e expul­sar inva­sores da Ter­ra Indí­ge­na Yanoma­mi (TIY), a maior do país, o garim­po ile­gal na área sofreu uma desacel­er­ação. Ape­sar dis­so, as ativi­dades crim­i­nosas não ape­nas con­tin­u­am ocor­ren­do, como invi­a­bi­lizam o atendi­men­to de saúde da pop­u­lação, que man­tém baixa cober­tu­ra vaci­nal, padece de prob­le­mas de saúde e mortes por doenças tratáveis, além de sofr­er intim­i­dações, afe­tan­do o tra­bal­ho dos profis­sion­ais de saúde.

As con­clusões con­stam de nota téc­ni­ca da Hutukara Asso­ci­ação Yanoma­mi, pub­li­ca­da nes­ta sex­ta-feira (26). O doc­u­men­to é endos­sa­do pelas asso­ci­ações Wanasse­dume Ye’kwana (Sedu­ume) e a Uri­hi Yanoma­mi, e con­ta ain­da com o apoio téc­ni­co do Insti­tu­to Socioam­bi­en­tal (ISA) e do Green­peace.

Segun­do os dados apre­sen­ta­dos pela enti­dade, a área total impacta­da pelo garim­po na ter­ra indí­ge­na cresceu cer­ca de 7% em 2023, atingin­do um total de 5.432 hectares. Esse número rep­re­sen­ta desacel­er­ação sig­ni­fica­ti­va na taxa de cresci­men­to da área degrada­da, na com­para­ção com o avanço ver­tig­i­noso ver­i­fi­ca­do em anos ante­ri­ores, quan­do o garim­po ile­gal no ter­ritório chegou a crescer 54% entre 2021 e 2022, e 30%, entre 2019 e 2020.

PF, IBAMA e Polícia Nacional da Colômbia realizam a Operação Fronteira de Ouro e desmobilizam garimpo ilegal. Foto: Polícia Federal
Repro­dução: PF, Iba­ma e Polí­cia Nacional da Colôm­bia desmo­bi­lizam garim­po ile­gal — Foto Polí­cia Fed­er­al

As regiões que mais sofr­eram com a dev­as­tação foram as bacias dos rios Couto Mag­a­l­hães, Muca­jaí e Urari­co­era. His­tori­ca­mente, ess­es são os rios mais afe­ta­dos pelo garim­po ile­gal na Ter­ra Indí­ge­na Yanoma­mi. Do total de 37 divisões inter­nas do ter­ritório, 21 foram impactadas pelo garim­po no ano pas­sa­do. Esse mon­i­tora­men­to é feito por meio de ima­gens de uma con­ste­lação de satélites de média e alta res­olução, vin­cu­la­dos ao Sis­tema de Mon­i­tora­men­to de Garim­po Ile­gal (SMGI). Os dados tam­bém são usa­dos para balizar ações das forças de segu­rança no ter­ritório.

“Máquina tem força, máquina destrói tudo, ras­ga, der­ru­ba flo­res­ta, bota veneno na água. Peixe é nos­so ali­men­to, ali­men­to do povo orig­inário. Nós não temos loja, como vocês têm na cidade, guardan­do comi­da. Nós não pre­cisamos usar água encana­da, pre­cisamos do rio. É assim a cul­tura Yanoma­mi. Garimpeiros estão voltan­do para con­tin­uar garim­pan­do, mas ago­ra chega de mal­tratar meu povo yanoma­mi e ye’kwana”, desabafou o escritor e líder indí­ge­na Davi Kope­nawa, em vídeo envi­a­do à impren­sa para apre­sen­tar o doc­u­men­to da Hutukara.

Ao todo, 308 indí­ge­nas yanoma­mi mor­reram em 2023, sendo 129 por doenças infec­ciosas, 63 por par­a­sitárias e 66 por res­pi­ratórias. O número é infe­ri­or, mas não muito dis­tante das 343 mortes reg­istradas em 2022, quan­do a crise estourou. No ano pas­sa­do, sete indí­ge­nas mor­reram em con­fron­tos com armas de fogo lev­adas ao ter­ritório por garimpeiros ile­gais.

Repressão descontinuada

A nota téc­ni­ca apon­ta mudança na dinâmi­ca do garim­po ile­gal ao lon­go do ano pas­sa­do. Quan­do as forças de segu­rança do gov­er­no fed­er­al ini­cia­ram forte oper­ação de coman­do e con­t­role, no primeiro semes­tre, esti­ma-se que cer­ca de 80% do con­tin­gente de inva­sores foram expul­sos da ter­ra, mas com o relax­am­en­to das medi­das a par­tir do segun­do semes­tre, “obser­vou-se a reati­vação e a inten­si­fi­cação da explo­ração em diver­sas zonas”.

Denún­cias das próprias comu­nidades indí­ge­nas mostram que duas situ­ações difer­entes ocor­reram após o iní­cio da repressão das forças de segu­rança. De um lado, algu­mas zonas de garim­po se man­tiver­am intac­tas por causa da resistên­cia de gru­pos mais vio­len­tos, ain­da não debe­la­dos. Out­ras áreas de explo­ração min­er­al, ini­cial­mente aban­don­adas, foram sendo reati­vadas ao lon­go do ano.

Surucucu (RR), 09/02/2023 - Deslocamento de equipes da Força Nacional do SUS para atendimento em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Suru­cu­cu (RR) — Deslo­ca­men­to de equipes da Força Nacional do SUS para atendi­men­to na Ter­ra Indí­ge­na Yanoma­mi. Foto Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Tam­bém foi obser­va­da mudança nos cen­tros de dis­tribuição da logís­ti­ca do garim­po, que se deslo­caram para áreas mais próx­i­mas ou já den­tro do ter­ritório venezue­lano. Ima­gens de satélite mostram o aparec­i­men­to, a par­tir de jul­ho do ano pas­sa­do, de nova pista clan­des­ti­na para aviões ile­gais em uma área a três quilômet­ros (km) da fron­teira, e out­ra já em área do país viz­in­ho.

“Segun­do infor­mações de ter­reno, o garim­po ile­gal no Alto Orinoco vem se inten­si­f­i­can­do des­de o iní­cio das oper­ações em 2023, e parte de sua logís­ti­ca é oper­a­da no Brasil, em artic­u­lação com o garim­po do Alto Cat­ri­mani, Homoxi, Xitei, entre out­ros”, diz tre­cho do relatório. À Agên­cia Brasil, o dire­tor de Amazô­nia e Meio Ambi­ente da Polí­cia Fed­er­al (PF), Hum­ber­to Freire de Bar­ros, con­fir­mou que aviões ile­gais con­tin­u­am entran­do e sain­do diari­a­mente no Ter­ritório Yanoma­mi.

De acor­do com dados do relatório, há uma média de três aeron­aves por dia com des­ti­no à pista do Mucuim, na região do Rio Urari­co­era. A pista havia sido inuti­liza­da no primeiro semes­tre, mas foi restau­ra­da para uso pelos garimpeiros. “Pes­soas da região atribuem a ráp­i­da reestru­tu­ração do garim­po no Urari­co­era às débeis e descon­tin­u­adas oper­ações de extrusão, que dev­e­ri­am ter ocor­ri­do com maior força e fre­quên­cia”, diz o lev­an­ta­men­to.

No iní­cio de janeiro deste ano, o pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va con­vo­cou uma reunião ampli­a­da para cobrar min­istros pela efe­tivi­dade das ações, já ten­do infor­mações que as ações crim­i­nosas per­sis­ti­am no ter­ritório. Em decor­rên­cia dis­so, o gov­er­no fed­er­al anun­ciou a cri­ação de nova estru­tu­ra per­ma­nente em Roraima para coor­denar as ações e serviços públi­cos dire­ciona­dos aos yanoma­mi.

Em bal­anço da sem­ana pas­sa­da, o Insti­tu­to Brasileiro do Meio Ambi­ente e dos Recur­sos Nat­u­rais Ren­ováveis (Iba­ma) infor­mou ter real­iza­do 205 vis­to­rias em pis­tas de pouso na ter­ra indí­ge­na e entorno. Com isso, 31 pis­tas foram embar­gadas e 209 mon­i­toradas. A força-tare­fa envolveu tam­bém a PF, a Fun­dação Nacional dos Povos Indí­ge­nas (Funai), a Força Nacional de Segu­rança Públi­ca e out­ros órgãos do gov­er­no.

Entre apreen­são e destru­ição de bens, os fis­cais inter­di­taram 34 aeron­aves, 362 acam­pa­men­tos, 310 motores, 87 ger­adores de ener­gia, 32 bal­sas, 48 mil litros de com­bustív­el, 172 equipa­men­tos de comu­ni­cação e mais de 150 estru­turas logís­ti­cas e por­tos de apoio. Hou­ve ain­da a apreen­são de 37 toneladas de cas­si­teri­ta, o prin­ci­pal minério extraí­do da região, 6,3 qui­los de mer­cúrio e peque­nas porções de ouro.

Saúde desestabilizada

No relatório, as enti­dades afir­mam que a per­sistên­cia do garim­po na ter­ra indí­ge­na ain­da é fator de deses­ta­bi­liza­ção do atendi­men­to de saúde da pop­u­lação. No ter­ritório, o mod­e­lo de saúde foi esta­b­ele­ci­do para pre­v­er a pre­sença per­ma­nente de fun­cionários nas unidades bási­cas de Saúde e vis­i­tas fre­quentes às comu­nidades mais dis­tantes.

Surucucu (RR), 09/02/2023 - Deslocamento de equipes da Força Nacional do SUS para atendimento em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Suru­cu­cu (RR) — Deslo­ca­men­to de equipes da Força Nacional do SUS para atendi­men­to na Ter­ra Indí­ge­na Yanoma­mi — Foto Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“A per­sistên­cia de núcleos de explo­ração do garim­po no ter­ritório impede a retoma­da das ações de pro­moção e pre­venção em saúde em muitas comu­nidades mais vul­neráveis. Dev­i­do ao cli­ma de inse­gu­rança e con­fli­to nes­sas zonas, os profis­sion­ais de saúde têm evi­ta­do vis­i­tas em muitas aldeias, com sérias impli­cações para a real­iza­ção de ações fun­da­men­tais de atenção bási­ca, como vaci­nação, bus­ca ati­va de malária e pré-natal. Foi exata­mente esse mecan­is­mo que aju­dou a pro­duzir a crise que atingiu seu ápice em 2022. Em 2023, já no cenário da Declar­ação da Emergên­cia, a manutenção de altas taxas de mor­tal­i­dade por doenças do apar­el­ho res­pi­ratório — que viti­mou em 2023 pelo menos 66 pes­soas na TI Yanoma­mi — é uns dos maiores exem­p­los da cor­re­lação entre manutenção do garim­po e desas­sistên­cia”, diz a nota.

A baixa resistên­cia imunológ­i­ca dos yanoma­mi é tida como agra­vante para casos de doenças res­pi­ratórias, o que faz com que as infecções atin­jam alto índice da pop­u­lação, com­pro­m­e­tendo de for­ma expres­si­va suas ativi­dades de sub­sistên­cia e facil­mente evoluin­do para com­pli­cações e mortes. Para revert­er o quadro, vis­i­tas de equipes de saúde nas aldeias pre­cisam ser fre­quentes, além da disponi­bi­liza­ção de equipa­men­tos como con­cen­tradores de oxigênio, neb­u­lizadores e kits de higiene.

Vacinação ameaçada

Out­ra medi­da pre­ven­ti­va fun­da­men­tal é a vaci­nação. No entan­to, como indi­ca o relatório, dados do Dis­tri­to San­itário Espe­cial Indí­ge­na (DSEI) mostram que entre as cri­anças de até 1 ano de idade, menos da metade rece­beu todas as vaci­nas pre­vis­tas, e na faixa de 1 a 4 anos, em metade dos polos a cober­tu­ra não atingiu 50%.

No Xitei, região com pop­u­lação total de mais de 2 mil pes­soas, a vaci­nação abrangeu ape­nas 1,8% das cri­anças de até 1 ano, e 4,2% das cri­anças de 1 a 4 anos. “Nes­sa região, por sua vez, sabe-se que a equipe de profis­sion­ais de saúde, além de ser pouco numerosa, está impe­di­da de realizar as vis­i­tas às casas cole­ti­vas, porque o garim­po per­siste no local, com inúmeros episó­dios de vio­lên­cia e ameaças. Ali, pelo menos 12 cri­anças menores de cin­co anos mor­reram em 2023, sendo cin­co por pneu­mo­nia”, infor­ma o relatório.

Em um dos aler­tas rece­bidos, os indí­ge­nas do Xitei denun­ci­am a pre­sença de jagunços do garim­po, além da existên­cia de con­fli­to aber­to entre difer­entes gru­pos de garimpeiros, “colo­can­do as comu­nidades em situ­ação de fogo cruza­do”.

Os casos de malária no ter­ritório seguiram em alta em 2023, com mais de 25 mil casos noti­fi­ca­dos até o fim de out­ubro. A malária é uma doença infec­ciosa que causa febre agu­da e trans­mi­ti­da pela pic­a­da da fêmea do mos­qui­to Anophe­les, que se repro­duz de for­ma abun­dante em água para­da. As cavas de água para­da do garim­po são cri­adores per­feitos para ess­es inse­tos trans­mis­sores.

O Min­istério da Saúde infor­mou que investiu mais de R$ 220 mil­hões para reestru­tu­rar o aces­so à saúde dos indí­ge­nas da região, um val­or 122% mais alto que o do ano ante­ri­or.

Surucucu (RR), 09/02/2023 - Mulheres e crianças yanomami em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Suru­cu­cu (RR) — Mul­heres e cri­anças em Suru­cu­cu, na Ter­ra Indí­ge­na Yanoma­mi. Foto Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Em 2023, hou­ve a ampli­ação do número de profis­sion­ais em atu­ação no ter­ritório (+40%, pas­san­do de 690 profis­sion­ais para 960). Tam­bém foram reaber­tos sete polos-base e unidades bási­cas de saúde indí­ge­na, que estavam fecha­dos por ações crim­i­nosas, total­izan­do 68 esta­b­elec­i­men­tos de saúde com atendi­men­to em Ter­ra Yanoma­mi. Nes­sas local­i­dades, onde é pos­sív­el prestar assistên­cia e aju­da human­itária, 307 cri­anças diag­nos­ti­cadas com desnu­trição grave ou mod­er­a­da foram recu­per­adas. Além dis­so, o gov­er­no fed­er­al, por meio do Pro­gra­ma Mais Médi­cos, per­mi­tiu um salto de 9 para 28 no número de médi­cos para o atendi­men­to aos yanoma­mi em 2023. Três vezes mais médi­cos em atu­ação”.

Expulsão definitiva

As asso­ci­ações indí­ge­nas pedem, no relatório, que o gov­er­no fed­er­al retome com força as oper­ações de desin­trusão de garimpeiros da ter­ra indí­ge­na, ela­bore um plano de pro­teção ter­ri­to­r­i­al com­ple­to e via­bi­lize que comu­nidades indí­ge­nas pos­sam ter a opção de se mudar das áreas mais afe­tadas pela pre­sença dos inva­sores.

“Os dados demon­stram que emb­o­ra o atu­al gov­er­no ten­ha se mobi­liza­do para com­bat­er o garim­po ile­gal na TIY em 2023, os esforços foram insu­fi­cientes para neu­tralizar a ativi­dade na sua total­i­dade. De fato, hou­ve impor­tante redução no con­tin­gente de inva­sores, o que pode ser ver­i­fi­ca­do na desacel­er­ação das taxas de aumen­to de área degrada­da, mas o que se ver­i­fi­cou ao lon­go de 2023 é que, ain­da que em menor escala, o garim­po per­manece pro­duzin­do efeitos alta­mente nocivos para o bem-estar da pop­u­lação.. Além de con­tribuir para a pro­lif­er­ação de doenças infec­to­con­ta­giosas e dos impactos ambi­en­tais, a pre­sença dos garimpeiros tem efeitos dire­tos na esta­bil­i­dade políti­ca das regiões e na segu­rança efe­ti­va das famílias indí­ge­nas e dos profis­sion­ais de saúde, em muitos casos invi­a­bi­lizan­do a livre cir­cu­lação das pes­soas e a pos­si­bil­i­dade da real­iza­ção de vis­i­tas reg­u­lares às aldeias”, diz o tex­to.

Edição: Graça Adju­to

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