...
quarta-feira ,11 dezembro 2024
Home / Política / Genoíno: Forças Armadas devem desculpas ao país

Genoíno: Forças Armadas devem desculpas ao país

Repro­dução: © Paulo Pinto/Agência Brasil

Para ex-assessor da Defesa, militares respaldaram os eventos de 8/1


Pub­li­ca­do em 09/01/2024 — 23:49 Por Lucas Pordeus León – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

ouvir:

Asses­sor espe­cial do Min­istério da Defe­sa durante o gov­er­no Dil­ma, o ex-dep­uta­do fed­er­al José Genoíno acred­i­ta que os atos golpis­tas de 8 de janeiro de 2022 ain­da exigem reflexões e ações.

Ex-pres­i­dente do Par­tido dos Tra­bal­hadores (PT) e uma das refer­ên­cias da sigla para assun­tos mil­itares, Genoíno con­sid­era que não é pos­sív­el sep­a­rar a insti­tu­ição Forças Armadas da atu­ação dos mil­itares envolvi­dos dire­ta­mente nos atos golpis­tas. Na visão dele, a insti­tu­ição respal­dou aque­le movi­men­to ini­ci­a­do com a vitória de Lula em 30 de out­ubro.

Genoíno foi guer­ril­heiro durante a ditadu­ra mil­i­tar e, após a rede­moc­ra­ti­za­ção, par­ticipou da fun­dação do PT, par­tido pelo qual foi eleito e reeleito suces­si­vas vezes como dep­uta­do fed­er­al. Ele renun­ciou ao car­go há 10 anos, em meio a denún­cias de cor­rupção, às quais ele nega e teve con­de­nação penal pre­scri­ta há qua­tro anos.

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, o petista avalia a políti­ca na área de defe­sa e acred­i­ta que é pre­ciso punir não ape­nas aque­les mil­itares que depredaram os pré­dios em Brasília, mas prin­ci­pal­mente quem artic­u­lou o movi­men­to que for­mou acam­pa­men­tos em frente aos quar­téis em todo o país.

Confira abaixo a entrevista:

Agên­cia Brasil: Qual foi o papel das Forças Armadas, insti­tu­cional­mente, e de mil­itares, indi­vid­ual­mente, para os even­tos que acabaram no 8 de janeiro?

Genoíno: As Forças Armadas se com­pro­m­e­ter­am de maneira trans­par­ente, de maneira pro­fun­da, com a crise políti­ca que começou com a preparação do golpe [impeach­ment de Dil­ma Rouss­eff], a eleição do inom­ináv­el Bol­sonaro e os acon­tec­i­men­tos que mar­caram os qua­tro anos do gov­er­no Bol­sonaro.

As man­i­fes­tações de 7 de setem­bro em 2021 e 2022, os pro­nun­ci­a­men­tos de autori­dades mil­itares, eles respal­daram aque­le tipo de gov­er­no, aque­le tipo de políti­ca, a destru­ição do país, a ver­gonha inter­na­cional do Brasil, a políti­ca em relação à Covid, a políti­ca em relação aos movi­men­tos soci­ais, a políti­ca em relação ao Con­gres­so, eles foram uma força de respal­do.

Por­tan­to, não há como sep­a­rar o 8 de janeiro do que acon­te­ceu nos acam­pa­men­tos, nos pro­nun­ci­a­men­tos, no ques­tion­a­men­to das urnas eletrôni­cas e toda aque­la artic­u­lação, porque hou­ve uma ten­ta­ti­va forte de rup­tura democráti­ca, de rup­tura con­sti­tu­cional, e que tin­ha respal­do das Forças Armadas.

Uma parte esta­va a fim de faz­er aven­tu­ra, out­ra parte temia não ter condições para segu­rar o resul­ta­do de um golpe e uma out­ra parte ficou omis­sa. Por­tan­to, eu acho que a insti­tu­ição Forças Armadas deve um pedi­do de des­cul­pa ao país.

Agên­cia Brasil: Não é pos­sív­el sep­a­rar os mil­itares que par­tic­i­param dos atos da insti­tu­ição Forças Armadas?

Genoíno: É mais ou menos como foi a exper­iên­cia da tran­sição democráti­ca de 1979 a 1985. ‘Quem feriu os dire­itos humanos eram indi­ví­du­os, a insti­tu­ição não’. Isso não dá para sep­a­rar. Se a insti­tu­ição não faz uma colo­cação políti­ca, não pune quem fez, quem teve na lin­ha de frente, se a insti­tu­ição não faz uma avali­ação porque seus mem­bros tiver­am envolvi­dos numa ver­dadeira tragé­dia nacional, elas dão, ou por omis­são ou por conivên­cia, respal­do a esse tipo de rup­tura.

Por­tan­to, eu acho que havia den­tro das Forças Armadas uma visão autoritária e mes­siâni­ca de trans­for­mar o gov­er­no do Bol­sonaro numa ascen­são das Forças Armadas ao poder políti­co. Isso é bem claro a par­tir da maneira como ocu­pavam os car­gos, da maneira como influ­en­ci­avam nas decisões de gov­er­no e porque nun­ca se man­i­fes­taram min­i­ma­mente con­trari­a­dos com isso.

Agên­cia Brasil: Qual avali­ação o sen­hor faz das medi­das em respos­ta ao envolvi­men­to de mil­itares e das Forças Armadas com o movi­men­to golpista?

Genoíno: Os [gen­erais] qua­tro estre­las das Três Forças que ques­tionaram urnas eletrôni­cas, que man­i­fes­taram não respeitar o resul­ta­do da sobera­nia pop­u­lar através do voto, que cri­aram restrições para a sobera­nia pop­u­lar expres­sa na eleição do Lula, ess­es qua­tro estre­las não devi­am ocu­par car­go de chefia no coman­do das três Forças Armadas.

São Paulo SP 09/01/2024 José Genoino, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, ex-deputado federal. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Repro­dução: José Genoino, ex-asses­sor do Min­istério da Defe­sa, defende o fim do GSI. “Visão autoritária ultra­pas­sa­da”. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

As Forças Armadas não estão preparadas para a defe­sa nacional. Elas não cuidaram, durante esse perío­do, do que é essen­cial para a defe­sa nacional: desen­volvi­men­to tec­nológi­co, a inte­gração sul-amer­i­cana e a inserção do Brasil no mun­do. As Forças Armadas foram imbuí­das e influ­en­ci­adas pela ideia do marx­is­mo cul­tur­al pre­ga­do pela extrema-dire­i­ta, con­tra o politi­ca­mente cor­re­to, con­tra a esquer­da, con­tra os movi­men­tos por eman­ci­pação. Enfim, ado­taram uma pos­tu­ra que res­ga­ta a visão de tutela.

Agên­cia Brasil: Qual avali­ação o sen­hor faz da manutenção do GSI sobre con­t­role do Exérci­to e da trans­fer­ên­cia da Agên­cia Brasileira de Inteligên­cia (Abin) para Casa Civ­il?

Genoíno: Eu acho que o GSI tin­ha que ser extin­to. O prob­le­ma é que essa visão de con­gre­gar todo o sis­tema de inteligên­cia num úni­co órgão é uma visão autoritária e ultra­pas­sa­da.

Essa ideia de ter um sis­tema de inteligên­cia con­gre­ga­do num órgão, Gabi­nete de Segu­rança Insti­tu­cional, chefi­a­do por um qua­tro-estre­las, eu acho que aque­la visão anti­ga de que a inteligên­cia e a infor­mação é assun­to estratégi­co sob o con­t­role mil­i­tar. Eu dis­cor­do des­ta con­fig­u­ração políti­ca e orgâni­ca do Gabi­nete de Segu­rança Insti­tu­cional.

Agên­cia Brasil: O que dev­e­ria ser feito para que o 8 de janeiro não volte a ocor­rer?

Genoíno: Acho que os par­tidos que dão sus­ten­tação ao gov­er­no, os par­tidos do Con­gres­so Nacional e os órgãos de inves­ti­gação do gov­er­no dev­e­ri­am atu­ar para evi­tar qual­quer blindagem. Como sem­pre acon­te­ceu na história do Brasil, vamos inves­ti­gar para que ninguém seja cul­pa­do. Foi essa a mar­ca da tran­sição de 1979 para 1985.

Eu acho que o relatório da CPMI do 8 de janeiro é um bom relatório e dev­e­ria ser base para inves­ti­gar. Nós não podemos ter inves­ti­gação e prisão ape­nas dos magrin­hos, do andar de baixo, daque­les que estavam na aven­tu­ra mil­i­tarista de 8 de janeiro. E quem artic­u­lou? Quem finan­ciou? E os acam­pa­men­tos? Aque­les acam­pa­men­tos foram nat­u­rais? Não foram, isso é a história de carochin­ha.

Por­tan­to, eu acho que a questão que tá colo­ca­da é aque­la palavra de ordem da posse do Lula no dia 1º de janeiro: sem anis­tia. Eu acho que o Brasil tem que pas­sar limpo esse perío­do dramáti­co da sua história.

O pas­sa­do não pas­sa, ele tem que ser avali­a­do, ele tem que ser dis­cu­ti­do de maneira democráti­ca. E essa questão não pode ser ape­nas uma ati­tude da polí­cia e da justiça, tem que ser tam­bém uma man­i­fes­tação da pop­u­lação nas praças públi­cas.

Por isso que eu acho muito impor­tante o 8 de janeiro ser lem­bra­do não só no Con­gres­so Nacional, mas ser lem­bra­do na Cinelân­dia, na Paulista e em várias praças públi­cas do país.

Brasilia 07/02/2023 - Manifestantes invadem predios publicos na praca dos Tres Poderes, na foto manifestantes entram em conflito com policiais da forca nacional entre os predios do Congresso Nacio e Palacio do Planalto
Repro­dução: “As man­i­fes­tações de 7 de setem­bro em 2021 e 2022, os pro­nun­ci­a­men­tos de autori­dades mil­itares, eles respal­daram aque­le tipo de gov­er­no, a destru­ição do país. Der­am força e respal­do”, afir­ma José Genoíno — Joed­son Alves/Agencia Brasil

Agên­cia Brasil: Em relação às punições e sindicân­cias que as Forças Armadas abri­ram con­tra mil­itares que par­tic­i­param de acam­pa­men­tos ou do 8 de janeiro, qual sua avali­ação?

Genoíno: Elas são punições sim­bóli­cas, são uma espé­cie de faz de con­ta. Eu acho que as Forças Armadas, não digo todas elas, mas prin­ci­pal­mente alguns dos seus inte­grantes que tiver­am papel desta­ca­do no 8 de janeiro con­tin­u­am preser­va­dos.

E eu acho que esse vai ser um dile­ma para o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al. Na medi­da em que o STF está punin­do aque­les que depredaram os palá­cios, vai ficar só ness­es aí? Ou vai tam­bém atin­gir quem, segun­do o min­istro Alexan­dre Moraes, tin­ha pre­ten­sões de matá-lo, tin­ha pre­ten­sões de prendê-lo?

Por out­ro lado, não foi só o 8 de janeiro. E o 12 de dezem­bro? Aque­les atos de van­dal­is­mo em Brasília para destru­ir a sede da Polí­cia Fed­er­al. E os acam­pa­dos que con­tin­uaram acam­pa­dos? Isso tem que ser inves­ti­ga­do, tem que ser relata­do, tem que ser dis­cu­ti­do.

Por­tan­to, eu acho que o STF tem ado­ta­do posições pos­i­ti­vas, por isso que eles são crit­i­ca­dos pelo setor mais tru­cu­len­to da dire­i­ta, mas não pode ficar só nos magrin­hos. É necessário que haja uma inves­ti­gação ampla para que o país con­heça a exten­são, a dimen­são e quais as punições que devem se proces­sar.

Agên­cia Brasil: Quais opor­tu­nidades de mudanças o 8 de janeiro abre para o Brasil?

Genoíno: Eu acho que a questão democráti­ca está den­tro da agen­da de trans­for­mação do país. A questão democráti­ca envolve mudar a relação entre os poderes, mudar a relação dos poderes com a sociedade, esta­b­ele­cer nor­mas mais firmes e trans­par­entes, prin­ci­pal­mente para a gente preser­var o princí­pio da sobera­nia pop­u­lar, o princí­pio uni­ver­sal dos dire­itos e garan­tias e o respeito às regras do jogo democráti­co.

Eu acho que o Brasil não pode ser o país de inter­va­l­os democráti­cos. Nem a questão democráti­ca pode ser uma espé­cie, como dizia Sér­gio Buar­que, um engano. Nós temos que, da Con­sti­tu­ição de 1988 para ago­ra, tem um perío­do lon­go de Con­sti­tu­ição, mas o desar­ran­jo insti­tu­cional con­tin­ua existin­do e nós temos que tratar essa questão com refor­mas políti­cas insti­tu­cionais para que a democ­ra­cia seja algo con­cre­to não só do pon­to de vista políti­co, mas prin­ci­pal­mente para mel­ho­rar a qual­i­dade de vida do povo brasileiro.

Edição: Marce­lo Brandão

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Hemorragia não afeta função cerebral do presidente, diz médico de Lula

Paciente encontra-se lúcido e acordado Pedro Peduzzi — Repórter da Agên­cia Brasil Pub­li­ca­do em 10/12/2024 …