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Golpes bancários se espalham e destroem vida financeira de vítimas

Repro­dução: © Joed­son Alves/Agência Brasil

Obrigação de garantir a segurança das contas é dos bancos, diz juíza


Pub­li­ca­do em 20/01/2024 — 09:21 Por Gilber­to Cos­ta — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Era tarde de quar­ta-feira, por vol­ta das 13h30, em mea­d­os de out­ubro de 2023, em Brasília, quan­do a pro­fes­so­ra aposen­ta­da Maria Zélia*, de 76 anos, rece­beu uma lig­ação de um número de tele­fone usa­do pelo ban­co onde movi­men­ta­va seu din­heiro há 20 anos. Do out­ro lado da lin­ha, alguém que se iden­ti­fi­ca­va como ger­ente bancário. Segun­do esse inter­locu­tor, havia sus­pei­ta de fraudes na sua con­ta.

O supos­to ger­ente inda­ga­va sobre trans­fer­ên­cia mon­etária eletrôni­ca para uma pes­soa que Maria Zélia não recon­hecia. Ele tam­bém infor­ma­va da com­pra em um super­me­r­ca­do que a cor­ren­tista não fre­quen­ta­va, em val­or improváv­el (R$ 4.350), e de um recente saque poupu­do (R$ 4.900).

Após negar todas as pre­sum­i­das oper­ações, Maria Zélia foi ori­en­ta­da a procu­rar uma agên­cia do ban­co no Núcleo Ban­deirante, região admin­is­tra­ti­va do DF a quase 18 quilômet­ros de sua casa, no iní­cio da Asa Norte, bair­ro próx­i­mo à região cen­tral da cap­i­tal. A jus­ti­fica­ti­va era para ver­i­fi­cação dos cartões de crédi­to e débito e para vis­to­ria do celu­lar. O propósi­to, ale­gou o supos­to ger­ente, era checar se o apar­el­ho havia sido aces­sa­do remo­ta­mente.

Maria Zélia infor­mou que não era pos­sív­el se deslo­car. O aparente ger­ente então se pron­tif­i­cou a enviar um fun­cionário para bus­car os cartões – que dev­e­ri­am ser cor­ta­dos sem dan­i­ficar o microchip eletrôni­co – e o tele­fone celu­lar. Tudo dev­e­ria ser entregue em enve­lope. O ger­ente garan­tiu que o apar­el­ho retornar­ia uma hora depois de ser exam­i­na­do e afir­mou que um antivírus seria insta­l­a­do no dis­pos­i­ti­vo.

Por vol­ta das 14 horas o dito fun­cionário envi­a­do se apre­sen­tou no pré­dio de Maria Zélia. A cor­ren­tista desceu de seu aparta­men­to aos pilo­tis do edifí­cio para entre­gar ape­nas os cartões, mas foi con­ven­ci­da a entre­gar tam­bém o apar­el­ho ao fal­sário.

Uma hora depois, ela não rece­beu nen­hu­ma lig­ação de retorno. Foi aí que descon­fiou que tin­ha caí­do em um golpe. Após perce­ber a fraude, ligou para o canal ofi­cial do ban­co pedin­do que blo­que­asse os cartões e o aplica­ti­vo da insti­tu­ição finan­ceira. Mas, além daque­le ban­co, Maria Zélia man­tinha no apar­el­ho o app de out­ro ban­co, pelo qual recebe sua aposen­ta­do­ria. Nesse caso, ela não con­seguiu que as aten­dentes da segun­da insti­tu­ição detivessem qual­quer oper­ação.

O golpe resul­tou em um pre­juí­zo de R$ 180 mil. O val­or soma trans­fer­ên­cias via PIX, uso de saques inde­v­i­dos de apli­cações, com­pras com os cartões e emprés­ti­mos consigna­dos con­ce­di­dos pelos ban­cos, que foram desvi­a­dos pelos este­lion­atários.

O crime cometi­do con­tra Maria Zélia é um dos tipos de fraude mais recor­rentes, segun­do a Fed­er­ação Brasileira de Ban­cos (Febra­ban).

Ape­sar de ter entregue os cartões e o tele­fone na mão dos crim­i­nosos, ela não forneceu suas sen­has de segu­rança para movi­men­tar as con­tas. Mes­mo sem a sen­ha, hou­ve movi­men­tação finan­ceira sem que os ban­cos inter­feris­sem

“Nen­hum aler­ta foi aciona­do pela inteligên­cia dos ban­cos, nada inusu­al foi detec­ta­do, nada foi feito. Levaram tudo, um tan­to mais e pior, a saúde men­tal e emo­cional de min­ha mãe”, enfa­ti­za Antônio Pereira*, pub­lic­itário e empresário, fil­ho de Maria Zélia.

“Clientes que sem­pre sen­ti­ram seguros deposi­tan­do o patrimônio de uma vida em insti­tu­ições sec­u­lares, veem, ago­ra, ondas de golpes de todos os tipos acon­te­cer com seu patrimônio, antes a sal­vo”, acres­cen­ta Pereira.

Ocorrências

A reportagem ten­tou ouvir dire­ta­mente fontes do Ban­co Cen­tral e lev­an­tar dados e infor­mações sobre a ocor­rên­cia dess­es tipos de crime. A autar­quia, no entan­to, infor­mou por e‑mail que não cabia a ela respon­der. “As autori­dades de segu­rança públi­ca são as respon­sáveis por aten­der a sua solic­i­tação”.

Wal­ter Faria, dire­tor adjun­to de Oper­ações da Fed­er­ação Brasileira de Ban­cos (Febra­ban) infor­mou à Comis­são de Defe­sa do Con­sum­i­dor da Câmara dos Dep­uta­dos que “em 2022, a Polí­cia Fed­er­al, em parce­ria com o sis­tema finan­ceiro, real­i­zou mais de 50 oper­ações de com­bate a fraudes eletrôni­cas. Hou­ve mais de 100 prisões pre­ven­ti­vas e mais de 60 prisões tem­porárias.” A Polí­cia Fed­er­al não deu retorno aos pedi­dos de infor­mação sobre ess­es crimes à Agên­cia Brasil.

Reg­istros admin­is­tra­tivos cole­ta­dos pelo Fórum Brasileiro de Segu­rança Públi­ca jun­to às sec­re­tarias estad­u­ais de Segu­rança con­tabi­lizam mais de 200 mil ocor­rên­cias de este­lion­a­to eletrôni­co. O dado não traz, no entan­to, os números de seis esta­dos (Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo).

Pesquisa real­iza­da para Con­fed­er­ação Nacional de Diri­gentes Lojis­tas (CNDL) para o Serviço de Pro­teção ao Crédi­to (SPC Brasil) pro­je­ta que 7,2 mil­hões de con­sum­i­dores sofr­eram algu­ma fraude em insti­tu­ições finan­ceiras nos 12 meses ante­ri­ores à apli­cação do lev­an­ta­men­to (feito no final de jul­ho e começo de agos­to de 2023). Na roda­da ante­ri­or da pesquisa, fei­ta em 2022, o número apu­ra­do foi de 8,4 mil­hões de con­sum­i­dores.

As pro­jeções de cada ano são supe­ri­ores à pop­u­lação da cidade do Rio de Janeiro (6,2 mil­hões de habi­tantes, con­forme o Cen­so Demográ­fi­co de 2022). Se os números pro­je­ta­dos nas duas pesquisas forem soma­dos, temos um total de 15,6 mil­hões de con­sum­i­dores lesa­dos – número bem supe­ri­or à cidade mais pop­u­losa do Brasil – São Paulo, com 11,4 mil­hões de habi­tantes.

Confiança nos bancos

A inse­gu­rança e a per­da de con­fi­ança em ban­cos e insti­tu­ições finan­ceiras pode ser críti­ca para o setor. “O vol­ume de fraudes e golpes começou a prej­u­dicar a própria per­cepção do con­sum­i­dor finan­ceiro sobre a segu­rança e a con­fi­a­bil­i­dade do sis­tema finan­ceiro”, admi­tiu Belline San­tana, chefe do Depar­ta­men­to de Super­visão Bancária do Ban­co Cen­tral, em audiên­cia na Comis­são de Defe­sa do Con­sum­i­dor da Câmara dos Dep­uta­dos em 26 de out­ubro do ano pas­sa­do.

A econ­o­mista Ione Amor­im, coor­de­nado­ra de Pro­je­tos do Insti­tu­to Brasileiro de Defe­sa do Con­sum­i­dor (Idec), segue na mes­ma lin­ha e aler­ta que as fal­has de segu­rança e de con­fi­a­bil­i­dade do sis­tema finan­ceiro podem prej­u­dicar a evolução dig­i­tal das transações mon­etárias.

“Não é pos­sív­el que a gente con­si­ga pen­sar em moe­da dig­i­tal se não tiv­er uma reg­u­la­men­tação que ven­ha for­t­ale­cer, que ven­ha traz­er o mín­i­mo de segu­rança para que as pes­soas pos­sam transa­cionar recur­sos finan­ceiros”, disse referindo-se ao Drex, pro­je­to de moe­da dig­i­tal de Ban­co Cen­tral.

Para o pro­mo­tor de Justiça do Esta­do de Minas Gerais, Glauber Tatag­i­ba, golpes bancários são “o prin­ci­pal prob­le­ma na área finan­ceira que temos no Brasil”. Tatag­i­ba, que coor­de­na o Procon/MG, lem­bra que os ban­cos com­er­ci­ais foram o “assun­to mais recla­ma­do” e as fal­has bancárias e trans­fer­ên­cias inde­v­i­das con­fig­u­raram como “prob­le­mas mais recla­ma­dos” em 2023 no Sis­tema Nacional de Infor­mações de Defe­sa do Con­sum­i­dor (Sin­dec).

Responsabilidade

O vol­ume de fraudes eletrôni­cas é um sinal dos tem­pos de dig­i­tal­iza­ção de várias ativi­dades cor­riqueiras dos cidadãos. Tendên­cia acen­tu­a­da com a pan­demia da covid-19, nos anos de 2020 e 2021, como expli­cou Wal­ter Faria, da Febra­ban, na Câmara.

“O crime migrou jun­to com a pan­demia. Até então, nós tín­hamos ataques muito grandes às agên­cias bancárias e a equipa­men­tos de autoa­tendi­men­to. Com a mudança força­da pela pan­demia — hoje nós temos oito em cada dez transações total­mente dig­i­tais, total­mente eletrôni­cas —, o crime migrou para cá tam­bém.”

A irrupção do este­lion­a­to eletrôni­co exigiu “inves­ti­men­to maciço no sis­tema finan­ceiro para a segu­rança e pre­venção a fraudes”, rela­tou Faria. “Em tec­nolo­gia, o sis­tema finan­ceiro investiu, em 2022, R$ 35 bil­hões, sendo R$ 3,5 bil­hões especi­fi­ca­mente para pre­venção a fraudes e para a segu­rança bancária.”

Os esforços e inves­ti­men­tos feitos pelos ban­cos nos últi­mos anos para evi­tar a exposição de clientes a golpes e garan­tir mais pro­teção aos sis­temas dig­i­tais das insti­tu­ições finan­ceiras são recon­heci­dos por difer­entes fontes ouvi­das pela Agên­cia Brasil, como por exem­p­lo, a juíza Marília de Ávi­la e Sil­va Sam­paio, mag­istra­da tit­u­lar da 2ª Tur­ma Recur­sal do Juiza­do Espe­cial do Tri­bunal de Justiça do DF e Ter­ritórios (TJDFT). “Isso é fato”, disse à reportagem. Ela, no entan­to, pon­dera que “o crime anda na nos­sa frente. Nós vamos a reboque.”

Para a juíza, que lida na segun­da instân­cia do tri­bunal com proces­sos de este­lion­a­to eletrôni­co, os inves­ti­men­tos dos ban­cos são exigên­cias da leg­is­lação. Por­tan­to, os gas­tos com pro­teção não reduzem as respon­s­abil­i­dades dessas insti­tu­ições.

“É obri­gação do agente [finan­ceiro] guardar e dar a dev­i­da segu­rança. O cor­ren­tista con­fiou no sis­tema de segu­rança do ban­co a pon­to de colo­car o din­heiro lá. Então, se alguém tiv­er que pagar por isso [golpes e fraudes] quem tem que pagar é o ban­co, não é o cor­ren­tista.”

Marília Sam­paio pon­dera que os crimes afe­tam as insti­tu­ições finan­ceiras, mas são con­tra os cor­ren­tis­tas. Nesse sen­ti­do, “os riscos da ativi­dade bancária são ônus do fornece­dor, e não do con­sum­i­dor.”

Ela cita que uma decisão do Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça (STJ), a Súmu­la 479, definiu que “as insti­tu­ições finan­ceiras respon­dem obje­ti­va­mente pelos danos ger­a­dos por for­tu­ito inter­no rel­a­ti­vo a fraudes e deli­tos prat­i­ca­dos por ter­ceiros no âmbito de oper­ações bancárias”.

“A ativi­dade lucra­ti­va dos ban­cos tem a ver com esta con­fi­ança do cliente em colo­car o seu din­heiro lá. O ban­co vive de cred­i­bil­i­dade”, lem­bra a mag­istra­da.

* Nomes fic­tí­cios usa­dos a pedi­do dos entre­vis­ta­dos

Edição: Marce­lo Brandão

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