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Governo publica sentença que culpa Estado por morte de Vladimir Herzog

Repro­dução: © Divul­gação

Publicação faz parte de determinação de corte de direitos humanos


Pub­li­ca­do em 05/10/2023 — 21:04 Por Daniel­la Almei­da — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDHC) pub­li­cou no Diário Ofi­cial da União a ínte­gra da sen­tença con­de­natória de março de 2018, da Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (CIDH), que respon­s­abi­li­zou o Esta­do brasileiro pela detenção arbi­trária, a tor­tu­ra e o assas­si­na­to do jor­nal­ista Vladimir Her­zog, em out­ubro de 1975, em uma cela do Depar­ta­men­to de Oper­ações de Infor­mação — Cen­tro de Oper­ações de Defe­sa Inter­na (DOI-CODI), sub­or­di­na­do ao Exérci­to Brasileiro.

O DOI-CODI, ati­vo no perío­do da ditadu­ra mil­i­tar no país (1964–1985), é con­sid­er­a­do um dos prin­ci­pais cen­tros de tor­turas e assas­si­natos de pes­soas con­sid­er­adas opos­i­toras ao regime ou inves­ti­gadas pelos mil­itares.

A corte inter­na­cional con­de­nou o Brasil a uma série de medi­das. Em nota, o Min­istério respon­deu à reportagem da Agên­cia Brasil que entre as medi­das deter­mi­nadas pela CIDH está a pub­li­cação da decisão inter­na­cional no Diário Ofi­cial da União. A por­taria foi pub­li­ca­da dia 29 de setem­bro, um mês antes de a morte do jor­nal­ista con­heci­do como Vla­do com­ple­tar 48 anos.

A nota à impren­sa esclarece que o min­istro dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, Sil­vio Almei­da, deter­mi­nou a retoma­da dos casos de con­de­nações inter­na­cionais, o que vem sendo feito des­de o iní­cio do ano para cumprir as sen­tenças pen­dentes.

“O Esta­do brasileiro seguirá real­izan­do esforços para avançar na imple­men­tação de cada caso e con­sid­era o cumpri­men­to deste pon­to da sen­tença uma man­i­fes­tação impor­tante sobre o com­pro­mis­so com a democ­ra­cia, o esta­do de dire­ito, a pro­teção de jor­nal­is­tas e a liber­dade de expressão.”, esclarece a nota do MDHC.

Neste ano, o min­istro Sil­vio Almei­da já real­i­zou audiên­cia com rep­re­sen­tantes de orga­ni­za­ções em defe­sa dos dire­itos humanos e par­entes dos persegui­dos políti­cos pelo Esta­do brasileiro, com o obje­ti­vo de retomar as ações de reparação da memória e justiça social às víti­mas.

Condenação do Brasil

Além de recon­hecer a respon­s­abil­i­dade do Esta­do brasileiro pela detenção arbi­trária, tor­tu­ra e assas­si­na­to de Vladimir Her­zog e pela dor de seus famil­iares, a CIDH con­sider­ou que o país é respon­sáv­el pela fal­ta de inves­ti­gação, de jul­ga­men­to e de punição dos respon­sáveis pela tor­tu­ra e pelo assas­si­na­to do jor­nal­ista, bem como pela apli­cação da Lei de Anis­tia ( 6.683/1979) no caso. O Tri­bunal tam­bém respon­s­abi­li­zou o Brasil pela vio­lação dos dire­itos da família a con­hecer a ver­dade e a inte­gri­dade pes­soal de Vladimir Her­zog. As víti­mas são a esposa, Clarice Her­zog; a mãe, Zora Her­zog; e os fil­hos Ivo Her­zog e André Her­zog.

Na sen­tença, a Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos tam­bém recomen­dou ao Esta­do brasileiro realizar uma inves­ti­gação judi­cial com­ple­ta e impar­cial dos fatos, a fim de iden­ti­ficar e punir penal­mente os respon­sáveis por essas vio­lações, e pub­licar os resul­ta­dos dessa inves­ti­gação.

O Esta­do dev­erá con­sid­er­ar que os crimes de lesa-humanidade são impre­scritíveis e não podem ser anis­ti­a­dos. E mais, a chama­da Lei de Anis­tia e out­ras dis­posições do dire­ito penal brasileiro não podem con­tin­uar rep­re­sen­tan­do um obstácu­lo para a ação penal con­tra graves vio­lações de dire­itos humanos.

Ain­da deve ser ofer­e­ci­da a reparação aos famil­iares de Vladimir Her­zog, com os dev­i­dos trata­men­to físi­co e psi­cológi­co e a real­iza­ção de atos de importân­cia sim­bóli­ca, com o obje­ti­vo de evi­tar a repetição de casos como o de Vla­do.

O proces­so foi ini­ci­a­do na corte inter­na­cional em jul­ho de 2009, após o caso ser apre­sen­ta­do pelo Grupo Tor­tu­ra Nun­ca Mais, de São Paulo; pelo Cen­tro pela Justiça e o Dire­ito Inter­na­cional (CEJIL); pela Fun­dação Inter­amer­i­cana de Defe­sa dos Dire­itos Humanos (Fid­DH); e pelo Cen­tro San­tos Dias, da Arquid­io­cese de São Paulo.

Vladimir Herzog

Vla­do Her­zog nasceu em 1937, em Osi­jek, anti­ga Iugoslávia, atu­al Croá­cia. Ele se nat­u­ral­i­zou brasileiro e ini­ciou a car­reira de jor­nal­ista em 1959. Em 1975, Vladimir Her­zog diri­gia o jor­nal­is­mo da TV Cul­tura, depois de ter pas­sa­do pelas redações do jor­nal O Esta­do de S. Paulo, da revista Visão; e da BBC, em Lon­dres (UK). Her­zog ain­da foi pro­fes­sor de tele­jor­nal­is­mo na Fun­dação Arman­do Álvares Pen­tea­do (FAAP) e na Esco­la de Comu­ni­cações e Artes da USP (ECA-USP).

De acor­do com Insti­tu­to Vladimir Her­zog (IVH), orga­ni­za­ção da sociedade civ­il cri­a­da em 2009 para cel­e­brar o lega­do de Her­zog, agentes do Exérci­to con­vo­caram Vla­do, em 24 de out­ubro de 1975, para prestar depoi­men­to sobre supostas lig­ações dele com o Par­tido Comu­nista Brasileiro (PCB).

No dia seguinte, Vla­do com­pare­ceu espon­tanea­mente ao pré­dio do DOI-CODI, no bair­ro do Paraí­so, em São Paulo. No local, foi pre­so com mais dois jor­nal­is­tas: George Duque Estra­da e Rodol­fo Kon­der.

Em depoi­men­to, Vla­do teria nega­do qual­quer relação com o PCB. Os out­ros dois jor­nal­is­tas, que estavam no mes­mo pré­dio do Exérci­to, ao serem lev­a­dos para um corre­dor, escu­taram a ordem para que trouxessem a máquina de choques elétri­cos.

Vladimir Her­zog nun­ca mais foi vis­to com vida. A ver­são ofi­cial do Esta­do brasileiro à época, apre­sen­ta­da pelos mil­itares, foi a de que o pre­so teria se enfor­ca­do com um cin­to, nas grades de uma das celas do DOI-CODI.

Uma foto do jor­nal­ista mor­to na cela, de auto­ria do fotó­grafo Sil­val­do Leung Vieira, foi divul­ga­da e a veraci­dade da imagem foi ques­tion­a­da pela sociedade, des­de então. Em depoi­men­to à Comis­são da Ver­dade do Esta­do de São Paulo — Rubens Pai­va, da Assem­bleia Leg­isla­ti­va do Esta­do de São Paulo, em 2013, o fotó­grafo disse aos vereadores que era estu­dante de um cur­so de fotografia da Polí­cia Civ­il e não se sen­tiu cúm­plice da men­ti­ra con­ta­da pelos mil­itares. Ele tam­bém disse ter perce­bido a farsa, no cenário que teria sido mon­ta­do para o reg­istro fotográ­fi­co. A família de Her­zog dis­cor­dou da ver­são de não cumpli­ci­dade apre­sen­ta­da por Sil­val­do.

Em 2016, na rep­re­sen­tação fei­ta à Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (CIDH), os famil­iares do jor­nal­ista assas­si­na­do  apon­taram a vio­lação de dire­itos, em razão da fal­sa ver­são de suicí­dio e da ocul­tação de infor­mação sobre este caso.

Em março de 2013, em uma audiên­cia da Comis­são Nacional da Ver­dade, em São Paulo, a família de Vladimir Her­zog rece­beu, uma segun­da cer­tidão de óbito do jor­nal­ista. No novo doc­u­men­to, pas­sou a con­star como causa da morte de Her­zog “lesões e maus tratos”, o que sub­sti­tu­iu, for­mal­mente, a ver­são de “asfix­ia mecâni­ca”, divul­ga­da pela ditadu­ra mil­i­tar à época.

Edição: Aline Leal

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