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Grande Rio quer ganhar público do Sambódromo com encantarias do Pará

Enredo começa com a chegada das três princesas turcas à Amazônia

Cristi­na Indio do Brasil — Ag^4ncia Brasil
Pub­li­ca­do em 25/02/2025 — 09:49
Rio de Janeiro
Carnaval 2024 - Sambódromo da Marquês de Sapucaí - 11/02/2024. - Grande Rio - Foto: Marco Terranova | Riotur
Repro­dução: © Mar­co Ter­ra­no­va | Rio­tur

A história que a esco­la de sam­ba Acadêmi­cos do Grande Rio vai mostrar este ano, na Mar­quês de Sapu­caí, foi trans­mi­ti­da de ger­ação a ger­ação nos ter­reiros de tam­bor de Mina da Amazô­nia paraense. Tudo começa com a chega­da de três prince­sas tur­cas à Amazô­nia, em bus­ca de cura.

“É uma história de matriz oral que nar­ra a saga de três prince­sas tur­cas que se encan­taram em alto mar, atrav­es­saram o espel­ho do encante, não expe­ri­en­cia­ram a morte e se tornaram enti­dades encan­tadas. Elas apor­tam em ter­ritório brasileiro e se ‘ajure­mam’ no coração da flo­res­ta, ou seja, expe­ri­en­ci­am os ritos da Jure­ma Sagra­da [religião que mis­tu­ra ele­men­tos afros e indí­ge­nas], trans­for­man­do-se em ani­mais de poder”, disse o car­navale­sco Leonar­do Bora, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Rio de Janeiro (RJ), 24/02/2025 - Carnavalesco da escola de samba Grande Rio, Leonardo Bora. Foto: leonardo.bora/Instagram
Repro­dução: “É uma história ain­da não con­ta­da no Grupo Espe­cial do Rio de Janeiro, diz Leonar­do Bora, car­navale­sco da Grande Rio,: . Foto:  leonardo.bora/Instagram

Jun­to com Gabriel Had­dad, mais uma vez à frente da esco­la verde, bran­co e ver­mel­ho, de Duque de Cax­i­as, na Baix­a­da Flu­mi­nense, Bora falou sobre a importân­cia das prince­sas no enre­do Poro­ro­cas Parawaras: as águas dos meus encan­tos nas con­tas dos curim­bós, tema da esco­la neste ano.

“As prince­sas  são as pro­tag­o­nistas da Mina paraense. São as enti­dades mais queri­das do Tam­bor de Mina do Pará e cel­e­bradas, rev­er­en­ci­adas pelos carimbós.São as pro­tag­o­nistas da Mina paraense. as enti­dades mais queri­das do Tam­bor de Mina do Pará, cel­e­bradas e rev­er­en­ci­adas pelos carim­bós. Por mestres como Dona Onete, cuja músi­ca Qua­tro Con­tas é a espin­ha do enre­do, o que con­duz poet­i­ca­mente a nos­sa nar­ra­ti­va, já que nes­sa com­posição, Dona Onete saú­da as três belas tur­cas como suas pro­te­toras e tam­bém a cabo­cla Jure­ma”, com­ple­tou.

Como nos últi­mos anos, a esco­la apre­sen­ta um tema de impor­tante dis­cussão, mas nem tão con­heci­do. “O car­naval car­i­o­ca sem­pre teve esse com­pro­mis­so, a tradição de apre­sen­tar ao grande públi­co e ao mun­do histórias do nos­so povo, da plu­ral­i­dade brasileira, da diver­si­dade socio cul­tur­al brasileira. Eu e o Gabriel enten­demos que esta­mos nes­sa tra­jetória. Sem­pre que escol­he­mos um enre­do, procu­ramos um enfoque difer­en­ci­a­do, um recorte especí­fi­co, enten­den­do à potên­cia dis­so e à importân­cia do enre­do, a rever­ber­ação que ele pode ter e o aces­so a difer­entes públi­cos , expli­cou.

Bora acres­cen­tou que o proces­so de con­strução do enre­do para 2025 — Poro­ro­cas Parawaras: as águas dos meus encan­tos nas con­tas dos curim­bós - segue um pouco essa ideia.

“É uma história ain­da não con­ta­da no Grupo Espe­cial do Rio de Janeiro. Uma história muito pre­sente nos ter­reiros da Mina Paraense, que é um com­plexo reli­gioso fasci­nante, uma mis­tu­ra de religiões de matriz africana com religiões dos povos orig­inários brasileiros, indí­ge­nas. Então, é um enre­do de mui­ta mis­tu­ra. A própria ideia de poro­ro­ca já é isso. A poro­ro­ca é o encon­tro das águas dos rios da Amazô­nia com as águas sal­gadas do oceano. O enre­do todo é basea­do nes­sa ideia de mis­tu­ra, de hib­ri­dação e é isso, com esse espíri­to que a Grande Rio vai nave­g­ar bas­tante na Sapu­caí.”

Enredo

O enre­do é divi­di­do em cin­co setores. O primeiro, que é a aber­tu­ra do des­file, começa em meia viagem, já no oceano.

“É o proces­so de encan­ta­men­to das prince­sas, o atrav­es­sa­men­to do espel­ho do encante. A trav­es­sia encan­ta­da como o sam­ba de enre­do can­ta. O segun­do setor é a chega­da da ener­gia ao Brasil. A gente can­ta a ideia de bar­reira do mar, como a própria Dona Onete men­ciona em Qua­tro Con­tas, que é o encon­tro das águas da Amazô­nia com as águas oceâni­cas.”

As prince­sas são saudadas como as poro­ro­cas, porque elas pro­tegem a flo­res­ta. As poro­ro­cas são as ondas gigantes que que­bravam as embar­cações dos inva­sores. “Neste setor, a gente mostra o encon­tro dessa ener­gia com a ener­gia das civ­i­liza­ções extra­ordinárias que habitaram o solo parawara, como a civ­i­liza­ção mara­joara. A força que vem do bar­ro e bro­ta da argi­la que tam­bém é água. O sam­ba can­ta Quem é de bar­ro, no igapó, é Caru­a­na. É isso que o segun­do setor mostra”, comen­tou.

Ao entrar no coração da flo­res­ta, o ter­ceiro setor vai mostrar a aprox­i­mação das prince­sas com a cul­tura da Jure­ma Sagra­da e a conexão delas com out­ros seres encan­ta­dos e fan­tás­ti­cos que habitam o imag­inário ribeir­in­ho das matas da Amazô­nia. “É o setor do boto, boiu­na, enti­dades que tam­bém são saudadas no nos­so sam­ba de enre­do e na trans­for­mação das prince­sas em ani­mais de poder: a arara can­tadeira, a onça, a jiboia e a bor­bo­le­ta azul.

No quar­to setor, a esco­la vai mostrar a for­mação da Mina Paraense, um com­plexo reli­gioso, segun­do o car­navale­sco, que une influên­cias reli­giosas muito diver­sas. “É o setor que a gente saú­da no refrão de cabeça do sam­ba: É força de Cabo­clo, Vodun e Orixá. A gente uti­li­zou bas­tante para a con­cepção os diál­o­gos do tam­bor de Mina Dois Irmãos, que é o mais anti­go do Pará, local­iza­do em Belém”, afir­mou.

A Grande Rio vai encer­rar o des­file mostran­do como a história se trans­for­ma em carim­bó. “Con­ta­mos o des­ti­no das prince­sas, cel­e­bramos os curim­bós, que são os tam­bores que dão rit­mo ao carim­bó. No nos­so entendi­men­to, eles são a voz dos encan­ta­dos guia­dos pela melo­dia de Qua­tro Con­tas., essa mis­tu­ra de dout­ri­na de san­to com o carim­bó da dona Onete. Vamos mostrar como mestres e mes­tras saú­dam esse imag­inário com uma grande fes­ta, um ban­ho de cheiro, um grande car­naval sobre as águas da Amazô­nia, águas de Nazaré como Dona Onete can­ta”, con­cluiu.

Princesas turcas

Bora afir­ma que, para a dupla de car­navale­scos, é muito impor­tante que alma e espíri­to do enre­do sejam enten­di­dos. Por isso, comem­o­rou o envolvi­men­to de pes­soas que con­hecem e defen­d­em essa cul­tura.

“É um enre­do em cujo proces­so a gente con­seguiu agre­gar os atores soci­ais pro­fun­da­mente envolvi­dos com esse imag­inário e talvez não seja um imag­inário tão con­heci­do do públi­co do car­naval car­i­o­ca. As religiões de matrizes africanas da Amazô­nia foram pouquís­si­mas vezes men­cionadas pelas esco­las de sam­ba. É um imag­inário dis­tante da gente, no entan­to, é o cotid­i­ano das pop­u­lações ribeir­in­has, de todo mun­do que admi­ra essas histórias, essas nar­ra­ti­vas da Mina em um esta­do tão múlti­p­lo como o Pará”, disse.

Entre as pes­soas que aju­daram, estão as artis­tas que vão rep­re­sen­tar as três prince­sas tur­cas na aveni­da. “Procur­mos agre­gar ao máx­i­mo atores soci­ais, ao lon­go dos proces­so de pesquisa, muito basea­d­os na escu­ta. Pes­soas como a Fafá de Belém, a Dira Paes e a can­to­ra Naieme são artis­tas que can­tam os imag­inários amazôni­cos, que lev­am isso para o mun­do todo, que tra­bal­ham com essas nar­ra­ti­vas de difer­entes for­mas. A Rafa Bqueer, pesquisado­ra tam­bém con­vi­da­da, nos aux­il­iou bas­tante durante o proces­so de con­strução de nar­ra­ti­va deste enre­do. Ela é uma artista paraense que, de saí­da, con­hece muito bem esse vocab­ulário, que não é só de palavras, mas de sen­ti­dos de vivên­cia bem expres­so no sam­ba”, desta­cou.

Princesas

No des­file da Grande Rio, can­to­ra Fafá de Belém vai rep­re­sen­tar a prince­sa Mar­i­ana, a mais vel­ha das três prince­sas, que se apre­sen­ta na figu­ra da arara can­tadeira. A prince­sa Heron­d­i­na, que é a do meio, e sim­boliza a onça, terá na aveni­da a atu­ação da atriz Dira Paes. A ter­ceira, mais nova, Jari­na, rep­re­sen­ta­da pela jibóia e pela bor­bo­le­ta, será a can­to­ra Naieme.

Fafá, que sem­pre divul­ga e defende a cul­tura paraense, adorou o con­vite. “Rece­bi com mui­ta ale­gria, porque é uma len­da que nos acom­pan­ha des­de a infân­cia”, disse a can­to­ra à Agên­cia Brasil.

Ela afir­mou que é comum, no seu esta­do, as mul­heres se iden­ti­fi­carem com as prince­sas. “Todas nós mul­heres paraens­es temos uma aliança muito forte com as três prince­sas. É uma coisa dos nos­sos tam­bores, porque é desse povo da encan­taria; não é nem macum­ba, nem can­domblé”, expli­cou.

A sat­is­fação com o con­vite foi maior quan­do soube que rep­re­sen­taria Mar­i­ana. “Fiquei muito feliz, ain­da mais, de vir como a cabo­cla Mar­i­ana, que é uma refer­ên­cia muito forte na min­ha vida, assim como todas as out­ras enti­dades fem­i­ni­nas com as quais me iden­ti­fi­co. A cabo­cla Mar­i­ana é tipo min­ha par­ceiraça”, disse sor­rindo.

Samba

Para con­tar a história, Leonar­do Bora está con­fi­ante no sam­ba escol­hi­do para este ano. “É um sam­ba muito espe­cial, com­pos­to por uma parce­ria lig­a­da a uma esco­la de sam­ba de Belém, a Deixa Falar. Entre os com­pos­i­tores tem um mestre de carim­bó, o Mestre Dama­ceno. Achei muito boni­to a Fafá estar encan­ta­da com o proces­so, que é a palavra que a gente mais usa. A gente quer que seja um des­file encan­ta­do, esta­mos falan­do de encan­taria. O que esper­amos é que a Grande Rio encante a aveni­da, que todo mun­do mer­gul­he nes­sas águas encan­tadas, assim como a Fafá já mer­gul­hou.”

O car­navalsco desta­cou que Dona Onete é uma artista que tam­bém can­ta muito ess­es imag­inários, assim como o mestre Verequete, out­ro nome fun­da­men­tal quan­do se pen­sa no com­plexo cul­tur­al do carim­bó. “Can­tou esse imag­inário, o nome dele é o nome de um vodum, é quem reúne a can­taria segun­do a tradição do tam­bor de mina”, rela­tou.

Se tudo isso vai levar à con­quista de mais um títu­lo como o de 2022 com o enre­do Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu, a depen­der do esforço que foi feito no bar­racão essa pos­si­bil­i­dade é forte.

“Sem­pre tra­bal­hamos esperan­do o mel­hor, e nen­hum artista vai falar que não dese­ja que sua esco­la, que seu tra­bal­ho seja campeão. Afi­nal, é uma com­petição, e nós tra­bal­hamos para isso. Esper­amos exce­lente resul­ta­do, mais do que tudo ‚faz­er des­files defin­i­tivos, que mar­quem de algu­ma for­ma a memória desse coro cole­ti­vo, que rep­re­sen­ta uma cidade inteira, tão apaixon­a­da, tão aguer­ri­da, que é a cidade de Duque de Cax­i­as. A comu­nidade da tri­col­or, que está seden­ta por esta vitória, dese­ja muito alcançar a segun­da estrela, a primeira foi con­quis­ta­da em 2022, que saudou Exu, essa ener­gia tão múlti­pla, a força que arreba­tou a aveni­da.”

COP

O fato da esco­la faz­er um des­file com este enre­do, jus­ta­mente no ano da real­iza­ção da Con­fer­ên­cia das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáti­cas, a COP 30, no Pará, faz sen­ti­do para o car­navale­sco.

“É impor­tante para a gente pen­sar nas questões plan­etárias, isso pas­sa pela val­oriza­ção das comu­nidades tradi­cionais, dos saberes de matriz oral e, no caso especí­fi­co do nos­so tra­bal­ho, meu e do Gabriel, é uma con­tin­u­a­da. A gente feliz­mente vem con­seguin­do dar con­tinuidade a um pen­sa­men­to maior, a uma lin­ha de raciocínio que vem se des­do­bran­do os enre­dos que sem­pre olham para difer­entes ter­ritórios.”

A can­to­ra Naieme, que será uma das prince­sas no enre­do, e ficou extrema­mente feliz de ver sua cul­tura ser val­oriza­da, desta­cou a importân­cia do enre­do em ano de Cop 30, em Belém, quan­do os olhos do mun­do se voltam para a Amazô­nia.

“Traz­er essa nar­ra­ti­va mág­i­ca para o car­naval do Rio de Janeiro, de for­ma lúdi­ca e riquís­si­ma, para a Mar­ques de Sapu­caí, a men­sagem que fica de lição é: ‘Sim, nós podemos! Sim, que essa men­sagem de preser­vação, val­oriza­ção da flo­res­ta em pé, da manutenção da cul­tura e da vida de mestres e mes­tras, da val­oriza­ção e per­pet­u­ação dos saberes ances­trais sejam man­ti­dos por ger­ações, que pos­samos, através desse enre­do, ensi­nar edu­car, infor­mar ao nos­so povo brasileiro a importân­cia de con­hecer­mos e val­orizarmos as man­i­fes­tações cul­tur­ais do nos­so país”, disse à Agên­cia Brasil.

“A Amazô­nia não é só um grande man­to verde. Embaixo do verde há pes­soas, suas histórias, suas maze­las, suas tradições. A Amazô­nia é uma mul­her que par­iu seus fil­hos e fil­has, suas crenças, histórias, vivên­cias, que tem a sua própria espir­i­tu­al­i­dade, seu jeito de faz­er cul­tura, músi­ca, dança, comi­da, tudo isso é muito impor­tante de ser difun­di­do. Estou feliz da vida de poder ver e viv­er esse momen­to”, disse.

Naieme recor­dou que a cul­tura paraense já foi mostra­da por out­ras esco­las em des­files bem suce­di­dos. “Nos­sa cul­tura já esteve na aveni­da out­ras vezes sendo campeã, temos tudo para arrepi­ar a Sapu­caí e mostrar a força da nos­sa encan­taria. Como dizem em Cax­i­as, podemos.”

Força da Grande Rio

Bora lem­brou enre­dos que mar­caram a lin­ha ado­ta­da por ele e por Gabriel Had­dad. “ A gente olhou para Gomeia [Joãoz­in­ho da Gomeia, que era negro, nordes­ti­no, gay, espíri­ta, dançari­no e sofreu perseguição políti­ca e reli­giosa], para os sub­úr­bios car­i­o­cas com o Zeca Pagod­in­ho, olhou para a pre­sença tupinam­bá nesse Brasil, que é a ter­ra indí­ge­na, e ago­ra, mais pro­fun­da­mente, para Amazô­nia paraense, para a argi­la do solo, ances­tral mara­joara e para os ter­reiros de tam­bor de mina que tam­bém são giras, rodas de carim­bó”, afir­mou.

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