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Grupos de reisado buscam inspirar jovens a manter tradições

Dia de Reis é comemorado neste 6 de janeiro

Luiz Clau­dio de Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 06/01/2025 — 07:31
Brasília
Brasília (DF), 05/01/2025 - Mestre Antônio Cândido. Dia de Reis. Foto: Antônio Cândido/Arquivo Pessoal
Repro­dução: © Antônio Cândido/Arquivo Pes­soal

O toque da zabum­ba, os ver­sos, as can­to­rias, as cores das roupas, a dança e o lega­do dos mais vel­hos… Tudo encan­tou os olhos de Cícera Flate­nara des­de a infân­cia. Hoje, aos 27 anos de idade, a cearense nasci­da e morado­ra de Juazeiro do Norte é mes­tra do reisa­do, man­i­fes­tação cul­tur­al que cel­e­bra o nasci­men­to de Cristo e a visi­ta dos reis Magos ao “Meni­no Deus”.

A data de 6 de janeiro, Dia de Reis, que é o mais impor­tante para a fes­tivi­dade, tem dois sen­ti­dos para ela. Antes, de cel­e­bração. Mas, ago­ra, tam­bém de dor. O pai dela, mestre Cicin­ho (Cícero da Sil­va, de 44) foi assas­si­na­do neste dia, no ano pas­sa­do, enquan­to prepar­a­va o even­to. Mes­mo em luto, ela diz que tem a mis­são de inspi­rar out­ros jovens a par­tic­i­parem do reisa­do e faz­er com que mais olhos bril­hem, como ocor­reu com ela, pela arte do pai.

Brasília (DF), 05/01/2025 - Cícera Flatenara. Dia de Reis. Foto: Cícera Flatenara/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Cícera Flate­nara (de ver­mel­ho) é mes­tra do reisa­do em Juazeiro do Norte (CE) — Cícera Flatenara/Arquivo Pes­soal

Mestre Cicin­ho era do Reisa­do de Manuel Mes­sias. A fil­ha abraçou o lega­do e segue com o grupo. Ela apren­deu tudo com o pai, inclu­sive porque ele criou tam­bém um grupo para fil­ha para que ela abraçasse a mis­são de faz­er com que a can­to­ria nun­ca find­asse. “Foi meu pai que me incen­tivou, ensi­nou, e fez crescer. A gente mon­tou um grupo de reisa­dos chama­do Mir­im San­tos Expe­d­i­to”, diz. Ela expli­ca que o pai tirou din­heiro do próprio bol­so para faz­er as roupas e os instru­men­tos. Hoje pelo menos 30 cri­anças e ado­les­centes par­tic­i­pam das ativi­dades.

“As cri­anças veem o col­ori­do e pedem para brin­car. Hoje eu pas­so para os meus dois fil­hos. Quan­do eu não estiv­er aqui, vai ter quem dê con­tinuidade por mim”, con­ta Cícera Flate­nara.

Eles já con­hecem o que fazem os mestres (que coor­de­nam o reisa­do), os con­tramestres, as per­son­agens de  Mateus, Cati­ri­na, reis, rain­ha, a prince­sa e o príncipe, além de embaix­adores, que pux­am a músi­ca na hora da dança. Assim, se orga­ni­za o cordão. Os sons dos instru­men­tos de per­cussão e cor­da se mis­tu­ram para encan­to de quem apre­cia a tradição.

Diversidade

E pen­sar que mul­heres, no sécu­lo pas­sa­do, não cos­tu­mavam ser as mes­tras. “Mul­her dança­va mais o ‘guer­reiro’ (de Alagoas). Meu pai foi um dos mestres que mais incen­ti­va­va a par­tic­i­pação das mul­heres aqui em Juazeiro do Norte”. Já é nor­mal às vis­tas dos juazeirens­es quan­do a mes­tra Flate­nara ‘desafia’ home­ns para o tradi­cional jogo de espadas, em uma core­ografia que impres­siona quem está na roda. “O rei vai pro­te­ger a rain­ha e o príncipe no trono. Ele tem o dia todo para pro­te­ger a realeza do reisa­do e não deixar ninguém vir tomar.”

Um dos pares no jogo de espadas de Flate­nara é o mestre Antônio Can­di­do, de 35 anos, tam­bém con­heci­do na tradição da região. “Nos­so foco é man­ter a tradição dos reisa­dos como sur­gi­ram na região do Cariri, ao som da vio­la [do reisa­do de Con­go)] e do maracá”. Ele cel­e­bra que a fil­ha de 15 anos tam­bém já par­tic­i­pa da fes­ta e já fez até o papel de rain­ha. O mestre enfa­ti­za que essa é uma tradição nas comu­nidades tradi­cionais no perío­do natal­i­no, com par­tic­i­pantes nas por­tas das casas, nas ruas, lou­van­do o sagra­do.

Ele é lig­a­do ao Reisa­do San­to Antônio e faz ensaios todas as terças-feiras.

“Meu grupo é pequeno, a gente só tem 18 pes­soas. O reisa­do, para mim, é ale­gria, amor e esper­ança de um futuro mel­hor. Isso é o que a gente pas­sa aos mais jovens”, afir­ma Antônio Can­di­do.

Em sua memória, a man­i­fes­tação está vin­cu­la­da ao som da zabum­ba, caixa e pífano, mas tam­bém à vio­la, que faz parte da tradição local. Out­ra ação é a “queima da lap­in­ha”, que são as fol­ha­gens secas lev­adas ao fogo a fim de sim­bolizar as esper­anças de cada pes­soa. “Essas tradições são impor­tantes para mim des­de a min­ha infân­cia.”

 

Brasília (DF), 05/01/2025 - Mestre Antônio Cândido. Dia de Reis. Foto: Antônio Cândido/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Mestre Antônio Cân­di­do diz que tra­bal­ha para man­ter a tradição dos reisa­dos — Antônio Cândido/Arquivo Pes­soal

Desafio

Refer­ên­cia de sons para Antônio Can­di­do foi o mestre Nan­do, nome artís­ti­co do ami­go vio­leiro Fran­cis­co Valmir da Sil­va San­tos, de 45 anos, que apren­deu o reisa­do na zona rur­al. Ele entende que, ape­sar das tradições, há difi­cul­dades de man­ter o reisa­do vivo. “Chega a ser um desafio por con­ta da inter­net. Exis­tem brin­cantes jovens ou até adul­tos que não querem mais. Nós, que man­te­mos o reisa­do de Con­go legí­ti­mo sem­pre con­vi­damos os jovens a levar em frente esse folgue­do do reisa­do.”

Ele obser­va que, nas esco­las, as apre­sen­tações não são con­tínuas e exis­tem difi­cul­dades para que pro­je­tos sejam con­tem­pla­dos em edi­tais públi­cos. “Quan­do a cul­tura vai para a esco­la, os alunos tor­nam-se novos apren­dizes dos reisa­dos. Prin­ci­pal­mente para for­mar novos tocadores de vio­la ou vio­lão”, diz. Mestre Nan­do expli­ca que, mes­mo com as car­ac­terís­ti­cas par­tic­u­lares de cada esta­do, os reisa­dos têm semel­hanças pelo país.

De norte a sul

A 3,6 mil quilômet­ros de dis­tân­cia de Juazeiro do Norte, a pre­ocu­pação de faz­er com que o reisa­do siga forte está em gru­pos na cidade de Esteio (RS), que chamam a exibição de “ter­no de reis”. O acordeon­ista Gabriel Romano, de 37 anos, diz que apren­deu com o avô, mas teme que a tradição caia no esquec­i­men­to. “Na tradição, o ter­no de reis vai até uma casa sem avis­ar. A gente chega e começa a can­tar na por­ta até a pes­soa ouvir e con­vi­dar para entrarem. A gente faz várias apre­sen­tações por dia.” Orig­i­nal­mente, os artis­tas usam o impro­vi­so.

Brasília (DF), 05/01/2025 - Grupo Estrela Guia de Esteio (RS). Dia de Reis. Foto: Grupo Estrela Guia de Esteio/Divulgação
Repro­dução: Acordeon­ista Gabriel Romano inte­gra grupo Estrela Guia de Esteio (RS) — Grupo Estrela Guia de Esteio/Divulgação

Como as apre­sen­tações do reisa­do gaú­cho do grupo de Gabriel (Estrela Guia de Esteio) são mais cur­tas, há uma aber­tu­ra já con­sagra­da, em uma músi­ca que usa ver­sos como “Cristo podia nascer entre ouros e cristais, mas, para dar exem­p­lo ao mun­do, quis nascer entre ani­mais. O de casa nobre gente, se quis­er nos apre­ciar, abre a por­ta e mande entrar.” O músi­co entende que, mes­mo pau­ta­do pela reli­giosi­dade cristã, há uma pre­ocu­pação de aten­der um públi­co mais diver­so, inclu­sive para adep­tos de religiões de matriz africana.

Gabriel anda feliz porque no grupo con­seguiu atrair uma acordeon­ista de 12 anos, Ani­ta, que é fil­ha dele. “Ela foi ven­do o ter­no e fazen­do o movi­men­to. A min­ha fil­ha tem celu­lar, usa inter­net, mas a gente incen­ti­va ela a ter essas vivên­cias na músi­ca. Para ela tam­bém saber que existe um mun­do fora daqui­lo.”

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