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Há 30 anos, Plano Real derrubava hiperinflação e estabilizava economia

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal Jr / Agên­cia Brasil

Economistas de diversas correntes reconhecem mérito da equipe de 1994


Publicado em 01/07/2024 — 06:32 Por Wellton Máximo – Repórter da Agência Brasil* — Brasília

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Um dos planos mais ino­vadores da econo­mia mundi­al com­ple­ta 30 anos nes­ta segun­da-feira (1º). Há exata­mente três décadas, o cruzeiro real, uma moe­da cor­roí­da pela hiper­in­flação, dava lugar ao real, que esta­bi­li­zou a econo­mia brasileira. Uma apos­ta arrisca­da que envolveu uma espé­cie de engen­haria social para desin­dexar a inflação após suces­sivos planos econômi­cos fra­cas­sa­dos.

Em meio a tan­tos index­adores cri­a­dos para cor­ri­gir preços e salários, a equipe econômi­ca do então gov­er­no Ita­mar Fran­co criou um superindex­ador: a Unidade Real de Val­or (URV). Por três meses, todos os preços e salários foram dis­crim­i­na­dos em cruzeiros reais e em URV, cuja cotação vari­a­va diari­a­mente e era mais ou menos atre­la­da ao dólar. Até o dia da cri­ação do real, em que R$ 1 valia 1 URV, que, por sua vez, valia 2.750 cruzeiros reais.

“Tem uma expressão pop­u­lar óti­ma, que é o engen­heiro de obra fei­ta. Depois que fez, dizia: ‘Ah bom, devia ter feito assim.’ Mas durante o proces­so… Vamos lem­brar, foi um proces­so extra­or­di­nar­i­a­mente arrisca­do, difí­cil, com per­calços, podia ter dado erra­do em vários momen­tos”, relem­brou o econ­o­mista Per­sio Ari­da, um dos pais do Plano Real, em entre­vista à TV Brasil, durante o lança­men­to em São Paulo do livro sobre os 30 anos do plano econômi­co.

Ao indexar toda a econo­mia, a URV con­seguiu real­in­har o que os econ­o­mis­tas chamam de preços rel­a­tivos, que medem a quan­ti­dade de itens de bens e de serviços dis­tin­tos que uma mes­ma quan­tia con­segue com­prar. Ali­a­do a um câm­bio fixo, no primeiro momen­to, e a juros altos, para atrair cap­i­tal exter­no, o plano deu cer­to. Em jun­ho de 1994, o Índice Nacional de Preços ao Con­sum­i­dor Amp­lo (IPCA) tin­ha atingi­do 47,43%. O indi­cador caiu para 6,84% no mês seguinte e ape­nas 1,71% em dezem­bro de 1994.

Plano Larida

Bati­za­da de Plano Lar­i­da, em hom­e­nagem aos econ­o­mis­tas André Lara Resende e Pér­sio Ari­da, a ideia de uma moe­da index­a­da atre­la­da à moe­da ofi­cial foi apre­sen­ta­da pela primeira vez em 1984. Em vez de sim­ples­mente cor­tar gas­tos públi­cos para segu­rar a inflação, como pre­coniza a teo­ria econômi­ca orto­doxa, o Plano Lar­i­da foi par­cial­mente inspi­ra­do numa exper­iên­cia het­ero­doxa em Israel no iní­cio dos anos 1980.

No país do Ori­ente Médio, os preços e os salários foram tem­po­rari­a­mente con­ge­la­dos para elim­i­nar a inér­cia infla­cionária, pela qual a inflação pas­sa­da ali­men­ta a inflação futu­ra. Pos­te­ri­or­mente, foi feito um pacto social para aumen­tar os preços o mín­i­mo pos­sív­el, e o con­ge­la­men­to foi reti­ra­do, reduzin­do a inflação israe­lense.

Uma ideia semel­hante chegou a vig­o­rar no Plano Cruza­do, em 1986. A esta­bi­liza­ção, no entan­to, naufragou porque o con­ge­la­men­to esten­deu-se mais que o esper­a­do e, temen­do reper­cussões nas eleições par­la­mentares daque­le ano, a primeira pós-ditadu­ra, o gov­er­no José Sar­ney não imple­men­tou medi­das de con­t­role mon­etário (juros altos) e fis­cal (sanea­men­to das con­tas públi­cas). Na época, não exis­tia a Sec­re­taria do Tesouro Nacional para cen­tralizar as con­tas do gov­er­no, e os gas­tos públi­cos eram par­cial­mente finan­cia­dos pelo Ban­co Cen­tral e pelo Ban­co do Brasil.

Consenso político

O suces­so do Plano Real, no entan­to, não se deve ape­nas à URV. Num momen­to raro de con­sen­so políti­co e de cansaço com a hiper­in­flação, o Con­gres­so Nacional foi impor­tante para aprovar medi­das que saneavam as con­tas públi­cas. Uma delas, a cri­ação do Fun­do Social de Emergên­cia, que desvin­cu­lou parte das receitas do gov­er­no e flex­i­bi­li­zou a exe­cução do Orça­men­to ain­da no segun­do semes­tre de 1993.

Pro­fes­so­ra de econo­mia da Fun­dação Getulio Var­gas (FGV), Virene Matesco diz que o entrosa­men­to políti­co foi essen­cial para o suces­so do Plano Real. “Hou­ve uma ação políti­ca de um gov­er­no tran­sitório, do pres­i­dente Ita­mar Fran­co. Desprovi­do de vaidade, que cedeu pro­tag­o­nis­mo ao pres­i­dente Fer­nan­do Hen­rique Car­doso [então min­istro da Fazen­da]. Hou­ve uma per­fei­ta har­mo­nia entre a políti­ca e a econo­mia para impactar no social, com um Con­gres­so des­or­ga­ni­za­do após o impeach­ment do ex-pres­i­dente Col­lor”, ressalta.

Um dos cri­adores do Plano Real e pres­i­dente do Ban­co Cen­tral no gov­er­no Fer­nan­do Hen­rique Car­doso, Gus­ta­vo Fran­co diz que o Plano Real envolveu a angari­ação de apoio políti­co antes de ser pos­to em práti­ca.

“O Plano Real é uma políti­ca públi­ca que envolveu gente que entende do assun­to, que con­ver­sa entre si e se orga­ni­zou sob uma lid­er­ança políti­ca para explicar con­ceitos e arreg­i­men­tar apoios políti­cos. Depois, entrou toda uma engen­haria social de faz­er acon­te­cer um empreendi­men­to cole­ti­vo tão impor­tante, que pre­cisa enga­jar todo um país. Isso não é sim­ples”, desta­cou o econ­o­mista no lança­men­to do livro dos 30 anos do plano.

Benefícios

Out­ro pai do Plano Real, o econ­o­mista Edmar Bacha, pres­i­dente do Ban­co Nacional de Desen­volvi­men­to Econômi­co e Social (BNDES) no iní­cio do gov­er­no Fer­nan­do Hen­rique, diz que o obje­ti­vo do plano era fun­da­men­tal­mente acabar com a hiper­in­flação. Segun­do ele, out­ras mel­ho­rias econômi­cas, como o aumen­to do poder de com­pra, vier­am depois.

“Ao acabar com a hiper­in­flação, o plano deu poder de com­pra ao salário do tra­bal­hador. O salário não der­re­tia mais, e o tra­bal­hador não tin­ha de cor­rer para o super­me­r­ca­do no primeiro dia em que rece­bia o seu salário para chegar antes das maquin­in­has remar­cado­ras de preços. Todo esse pan­demônio que era a vida do brasileiro com a inflação ficou para a história. Para imag­i­nar o lega­do do plano, com­para com a Argenti­na hoje, que está ten­tan­do faz­er o que fize­mos com suces­so há 30 anos”, diz Bacha.

Reconhecimento

Três décadas depois, econ­o­mis­tas de diver­sas cor­rentes recon­hecem o suces­so do Plano Real em acabar com a hiper­in­flação.

“O maior gan­ho do plano real foi traz­er a inflação para níveis civ­i­liza­dos, de qual­quer país com um sis­tema econômi­co min­i­ma­mente nor­mal. Hoje, a inflação está de 4% a 5% por ano. O méri­to do Plano Real foi prin­ci­pal­mente civ­i­liza­tório. Do jeito que era no Brasil, quem mais sofria as con­se­quên­cias eram os mais pobres”, diz o econ­o­mista Lean­dro Horie do Depar­ta­men­to Inter­sindi­cal de Estatís­ti­ca e Estu­dos Socioe­conômi­cos (Dieese), que crit­i­ca o impacto da políti­ca de juros altos sobre a indús­tria.

Tam­bém críti­ca dos juros altos e da dependên­cia da econo­mia brasileira do agronegó­cio, a econ­o­mista Leda Paulani diz que o fim da index­ação dos preços foi o prin­ci­pal bene­fí­cio do Plano Real. “Foi um grande suces­so do pon­to de vista da esta­bil­i­dade mon­etária e con­seguiu dar esta­bil­i­dade human­itária à econo­mia brasileira. O Plano Real con­seguiu cri­ar um remé­dio espe­cial para uma inflação muito espe­cial que a gente tin­ha, que era uma inflação mar­ca­da pelo proces­so de index­ação”, declara.

Econ­o­mista-chefe da Way Inves­ti­men­tos e pro­fes­sor do Ibmec, Alexan­dre Espíri­to San­to clas­si­fi­ca o Plano Real como o mais bem-suce­di­do plano de esta­bi­liza­ção econômi­ca na história glob­al recente. “Foi muito bem elab­o­ra­da a questão da URV, como você falou. O Plano Real usou tan­to medi­das orto­doxas, de ajuste fis­cal e juros altos, para com­bat­er a inflação, como het­ero­doxo, que envolveu a cri­ação de uma moe­da para­lela tem­porária”, relem­bra.

Virene Matesco, da FGV, diz que se emo­ciona ao dar aulas sobre o Plano Real. “Se hoje a nos­sa vida é muito mel­hor, é graças aos nos­sos econ­o­mis­tas que con­struíram um plano que fez muito pouco estra­go na econo­mia. Em qual­quer sociedade do mun­do, o com­bate à inflação é extrema­mente doloroso e causa grandes transtornos. O Plano Real aca­ba com a hiper­in­flação com quase nen­hu­ma dor. Foi um plano extrema­mente trans­par­ente, feito por eta­pas e muito bem comu­ni­ca­do à pop­u­lação”, diz.

*Colaborou Vanes­sa Casali­no, da TV Brasil

Edição: Juliana Andrade

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