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Há 45 anos, brasileiras podem optar por manter nome de solteira

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Preservar independência é um dos motivos para não mudar o nome


Pub­li­ca­do em 11/09/2022 — 08:02 Por Lud­mil­la Souza – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Noivos há qua­tro meses e jun­tos há seis anos, o casal Aline e Caio está com o casa­men­to mar­ca­do para janeiro do ano que vem. Vai ter fes­ta e bolo, mas não vai ter alter­ação do sobrenome dela depois de assi­nar o reg­istro de casa­men­to civ­il. “Não hou­ve pedi­do dele para ado­tar o sobrenome, aliás até me apoiou quan­do eu disse que não ado­taria”, con­ta a nutri­cionista Aline Bran­dariz San­tos, de 30 anos, noi­va do pro­gra­mador Caio Ribeiro, de 32 anos. 

Aline e Caio casam em janeiro e vão manter os sobrenomes de solteiro
Repro­dução: Aline e Caio casam em janeiro e vão man­ter os sobrenomes de solteiro -
Arqui­vo pes­soal

O que nor­te­ou a decisão dela foi a buro­c­ra­cia em relação à mudança de doc­u­men­tos. “Talvez se exis­tisse um úni­co doc­u­men­to que você só fos­se lá e alterasse o esta­do civ­il e jun­ta­mente o sobrenome, com certeza eu faria a mudança. Mas só de pen­sar que exis­tem vários doc­u­men­tos e que cada um deles eu pre­ciso bus­car um local difer­ente para faz­er a alter­ação, isso já me cansa só de pen­sar! Então, por ora, con­tin­uarei com meu sobrenome de reg­istro”.

Em 2022 com­ple­tam-se 45 anos que as mul­heres no Brasil con­quis­taram o dire­ito de poder optar por acres­cen­tar o sobrenome do mari­do ao seu nome com­ple­to após o casa­men­to. Antes dis­so, toda mul­her casa­da esta­va obri­ga­da, por lei, a ter o sobrenome do esposo.

A par­tir de 1977, quan­do foi pro­mul­ga­da a lei de dis­solução da sociedade con­ju­gal (Lei do Divór­cio), pas­sou a ser fac­ul­ta­ti­vo para a mul­her acrescer o sobrenome do mari­do. Esta lei alter­ou o então Códi­go Civ­il de 1916 (pará­grafo úni­co do arti­go 240), deixan­do opta­ti­vo o acrésci­mo. Por­tan­to, até 1977, o rece­bi­men­to do sobrenome pela esposa se oper­a­va de for­ma automáti­ca: a mul­her, iso­lada­mente, rece­bia o sobrenome do homem.

“A Lei 6515/1977 foi um mar­co para o dire­ito de família, pas­san­do a pre­v­er expres­sa­mente a pos­si­bil­i­dade de extinção do casa­men­to; no entan­to, esta mes­ma lei refletiu em seu con­teú­do o retra­to de como a mul­her era trata­da de for­ma secundária, pois ape­nas ela rece­bia o sobrenome do mari­do e, em caso de divór­cio, a per­da do sobrenome era trata­da de for­ma rel­e­vante, como uma ver­dadeira punição: por exem­p­lo, a mul­her que fos­se jul­ga­da respon­sáv­el pelo divór­cio ime­di­ata­mente per­dia o dire­ito ao sobrenome adquiri­do no casa­men­to”, expli­ca a advo­ga­da Tatiana Alves Lowen­thal, respon­sáv­el pelas áreas civ­il e tra­bal­hista do escritório Car­val­ho e Cav­al­heiro Advo­ga­dos.

Com o pas­sar das décadas e as con­quis­tas dos movi­men­tos fem­i­nistas, a situ­ação mudou até chegar ao pon­to atu­al: o Códi­go Civ­il brasileiro que, des­de 2002, per­mite tam­bém ao homem ado­tar o sobrenome da mul­her depois de casa­do, se assim ele dese­jar.

Pesquisa

O casal Bárbara e Ismael vão manter os sobrenomes de solteiro
Repro­dução: O casal Bár­bara e Ismael vão man­ter os sobrenomes de solteiro — Arqui­vo pes­soal
Uma pesquisa fei­ta com 2 mil pes­soas pela mar­ket­place Casamentos.com.br, sendo 88% mul­heres, mostrou que qua­tro a cada dez nubentes decidi­ram não acres­cen­tar o sobrenome do par­ceiro. Um pouco mais da metade (51%) man­tém a tradição de ado­tar o sobrenome do côn­juge.

Entre os motivos das noivas que vão man­ter o sobrenome de solteira depois do casa­men­to estão evi­tar a buro­c­ra­cia, for­t­ale­cer o sen­ti­men­to de inde­pendên­cia e con­sid­er­ar a tradição defasa­da.

O casal Bár­bara e Ismael irão man­ter os sobrenomes de solteiro. “Isso nun­ca foi uma questão para gente, nem sequer cheg­amos a falar sobre isso, porque a gente nun­ca quis, só con­ver­samos sobre o tipo de con­tra­to que a gente ia ter”, con­tou a  UX Design­er Bár­bara Winck­ler Are­na, 35 anos, que, em janeiro de 2023, vai se casar com o pro­fes­sor de inglês Ismael Calvi Sil­veira, de 32 anos.

Registros em queda

Os números da pesquisa são bem semel­hantes aos rev­e­la­dos pela Asso­ci­ação Nacional dos Reg­istradores de Pes­soas Nat­u­rais (Arpen). Em jul­ho deste ano, a enti­dade divul­gou que, nos últi­mos 20 anos, o número de mul­heres que deixaram de ado­tar o sobrenome do mari­do caiu sig­ni­fica­ti­va­mente no país.

Em 2002, o per­centu­al de noivas que ado­tavam o sobrenome do par­ceiro depois de casadas era de 59,2%. Na últi­ma déca­da, entre­tan­to, pas­sou a 45%. De acor­do com a Arpen, atual­mente, os futur­os casais têm preferi­do man­ter o sobrenome de solteiro, sendo esta a opção de 47% dos que vão se casar.

Burocracia

A pesquisa do por­tal Casamentos.com.br foi fei­ta pela inter­net durante os meses de abril e maio deste ano com 2 mil noivas e noivos que devem se casar até 2024 e per­mi­tiu aos entre­vis­ta­dos que acres­cen­tassem respostas aber­tas no cam­po assi­nal­a­do como Out­ros.

Quem não quer incluir o sobrenome do mari­do e quis pon­tu­ar out­ros motivos nesse cam­po, men­cio­nou, por exem­p­lo, a prefer­ên­cia pelo sobrenome dos pais ao do côn­juge, o dese­jo de con­ser­var a própria iden­ti­dade e inde­pendên­cia e a von­tade de não aumen­tar a quan­ti­dade de sobrenomes que já pos­sui.

No entan­to, a pesquisa mostrou que é a prati­ci­dade o prin­ci­pal impul­sion­ador para man­ter o sobrenome de solteiro após o matrimônio. Quem muda o sobrenome depois do casa­men­to, deve atu­alizar todos os seus doc­u­men­tos, como CPF, CNH, títu­lo de eleitor, pas­s­aporte, cadas­tro bancário, reg­istros imo­bil­iários, entre out­ros.

Entre os entre­vis­ta­dos que não dese­jam acres­cen­tar o sobrenome do côn­juge, 45% respon­der­am quer­er evi­tar uma série de buro­c­ra­cias exigi­das por lei. A não mudança, entre­tan­to, exige um com­pro­me­ti­men­to extra: a apre­sen­tação da cer­tidão de casa­men­to como pro­va do seu novo esta­do civ­il, sem­pre que solic­i­ta­do.

Sobrenomes iguais

O novo Códi­go Civ­il brasileiro, pub­li­ca­do em 10 de janeiro de 2002, per­mite ain­da que “qual­quer dos nubentes, queren­do, poderá acrescer ao seu o sobrenome do out­ro”, mas a pos­si­bil­i­dade de ambas as pes­soas do casal com­par­til­harem o sobrenome ain­da não é comum no Brasil.

“Quase duas décadas com­ple­tas, jamais me deparei com um homem que ten­ha acresci­do o nome de sua esposa. Por mais que se trate de um cenário legal, não há dúvi­das de que a questão é tam­bém cul­tur­al”, opina a advo­ga­da Tatiana Alves Lowen­thal.

O casal Letí­cia e Bruno pre­tende que­brar esse par­a­dig­ma. Depois de casa­dos, a estu­dante Letí­cia Kari­na Xavier, de 21 anos, e o engen­heiro de soft­ware Bruno Pires, de 22 anos, irão ado­tar o sobrenome um do out­ro.

“É um entendi­men­to comum de ambos que o fato de estar geran­do uma nova família, incluiria a junção dos sobrenomes. Assim teríamos nos­sa própria iden­ti­dade como tal, sím­bo­lo de união. Assinare­mos como Letí­cia Kari­na Pires Xavier e Bruno Pires Xavier”, con­ta a noi­va que vai diz­er o ‘sim’ em novem­bro deste ano.

Igualdade

Segun­do a antropólo­ga e pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará Michele Escoura Bueno, a diminuição do número de mul­heres que pre­tende ado­tar o sobrenome do mari­do pode ser jus­ti­fi­ca­da pelas con­stantes mudanças em “con­venções soci­ais” que cel­e­bram e reivin­dicam noções de igual­dade e isono­mia.

A pesquisado­ra define esse cenário como um cam­in­ho sem vol­ta e expli­ca que a reivin­di­cação tem a ver com como o Esta­do brasileiro se rela­ciona com os dire­itos e as obri­gações famil­iares.

“Este é o pon­to cen­tral da dis­cussão. Pas­sa tan­to pela deman­da por igual­dade entre home­ns e mul­heres na hora de escol­her se vai ou não mod­i­ficar seu nome após o casa­men­to civ­il, mas tam­bém está lig­a­da às deman­das pelo dire­ito em se casar com alguém do mes­mo gênero ou de ter garan­ti­da a pro­teção do Esta­do em situ­ações de vio­lên­cias domés­ti­cas”, apon­ta a antropólo­ga.

Para a advo­ga­da Tatiana Alves Lowen­thal, a imposição obri­gatória do sobrenome do mari­do até 1977 remete à pro­priedade e ao machis­mo estru­tur­al da qual a sociedade há muito é inseri­da. “Por mais que exista, por alguns, a inter­pre­tação de roman­ti­za­ção des­ta escol­ha [ado­tar o sobrenome do mari­do], o fato de que home­ns sequer avaliam ado­tar o nome da esposa expõe exata­mente esta fac­eta”.

Ela lem­bra que a liber­dade dada à mul­her para deter­mi­nar o bási­co de seus dire­itos per­son­alís­si­mos – o próprio nome — depen­deu de uma alter­ação legal para ser exer­ci­da. “A livre e con­sciente escol­ha nes­sas condições não pode ser inter­pre­ta­da como uma mera ‘con­quista’, mas um sinal de aler­ta de que a sociedade neces­si­ta, com pre­mên­cia, dar voz de igual­dade a todos os seus inte­grantes, inde­pen­den­te­mente de sexo, raça e religião”, opina a advo­ga­da.

Edição: Lílian Beral­do

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