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Herói da II Guerra Mundial foi torturado pelo regime militar

Repro­dução: © Arqui­vo pes­soal

Acusado de ser comunista, Rui Moreira Lima foi preso três vezes


Publicado em 01/04/2024 — 08:49 Por Alana Gandra — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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O fato de ser herói da II Guer­ra Mundi­al, onde par­ticipou de 94 mis­sões como pilo­to de caça com o avião P‑47, con­tra a média de 35 ações de um pilo­to norte-amer­i­cano no mes­mo con­fli­to, não livrou o brigadeiro Rui Mor­eira Lima de ser pre­so três vezes durante o regime mil­i­tar e cas­sa­do pelo AI‑1. Até hoje não foi anis­ti­a­do pelo Esta­do brasileiro, segun­do rela­ta à Agên­cia Brasil o fil­ho dele, o econ­o­mista Pedro Luiz Mor­eira Lima.

O Ato Insti­tu­cional número 1, assi­na­do em 9 de abril de 1964 pela jun­ta mil­i­tar, com­pos­ta pelo gen­er­al do Exérci­to Artur da Cos­ta e Sil­va, tenente-brigadeiro Fran­cis­co de Assis Cor­reia de Melo e vice-almi­rante Augus­to Hamann Rade­mak­er Grünewald, sus­pendia por dez anos os dire­itos políti­cos de todos os cidadãos vis­tos como opos­i­tores ao regime, entre con­gres­sis­tas, mil­itares e gov­er­nadores. Nesse perío­do, surgiu a ameaça de cas­sações, prisões, enquadra­men­to como sub­ver­sivos e even­tu­al expul­são do país. O AI‑1 foi o embrião da Lei de Segu­rança Nacional, pub­li­ca­da em 3 de Março de 1967.

Rio de Janeiro (RJ), 05/03/2024 - Pedro Luiz Moreira Lima, economista e filho do brigadeiro Rui Moreira Lima. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução:  Pedro Luiz Mor­eira Lima, econ­o­mista e fil­ho do brigadeiro Rui Mor­eira Lima Tânia Rêgo/Agência Brasil

Acu­sa­do de ser comu­nista, uma con­tra­venção grave na época, Rui Mor­eira Lima recu­sou-se a entre­gar a Base Aérea de San­ta Cruz, que coman­da­va, no Rio de Janeiro, foi pos­to na reser­va e pre­so pela primeira vez. Foram cas­sadas licenças de voo de ofi­ci­ais da Aeronáu­ti­ca, entre elas a de Rui. Sua carteira de voo foi recu­per­a­da ape­nas em 1979, quan­do, dev­i­do à idade, não tin­ha mais condições de exe­cu­tar pilotar. Pedro Luiz con­tou que o pai foi um dos mil­hares de mil­itares, den­tre os quais cer­ca de 2 mil ofi­ci­ais, atingi­dos pela ditadu­ra que não pode­ri­am recor­rer à Justiça comum para reaver seus dire­itos, de acor­do com o Arti­go 181 da Con­sti­tu­ição de 1967.

Ato de força

O arti­go 181 dizia que “ficam aprova­dos e excluí­dos de apre­ci­ação judi­cial os atos prat­i­ca­dos pelo Coman­do Supre­mo da Rev­olução de 31 de março de 1964, assim como os atos do gov­er­no fed­er­al, com base nos Atos Insti­tu­cionais e nos Atos Com­ple­mentares e seus efeitos, bem como todos os atos dos min­istros mil­itares e seus efeitos, quan­do no exer­cí­cio tem­porário da Presidên­cia da Repúbli­ca”. Pedro Luiz definiu: “foi um ato de força. Foi com este arti­go que o pai aban­do­nou sua luta pelo dire­ito de voar e sua pro­moção. Somente na Con­sti­tu­ição de 88 esse arti­go foi der­ruba­do e, sem dúvi­da, graças ao pai”.

O econ­o­mista con­ta que a ditadu­ra que­ria expul­sar o pai das Forças Armadas. “Teve gente que pen­sou em até elim­i­nar todos os ofi­cias cas­sa­dos. Em 1988, ele entrou na Justiça comum e chegou, em 1992, ao pos­to de major-brigadeiro”. Rui Mor­eira Lima mor­reu, entre­tan­to, em 13 de agos­to de 2013, aos 94 anos, sem con­seguir obter a mais alta patente da Aeronáu­ti­ca em tem­pos de paz, que é a de tenente-brigadeiro-do-ar. Sem acatar o pedi­do para que expul­sassem o brigadeiro Rui Mor­eira Lima da Força Aérea, o pres­i­dente Caste­lo Bran­co, que o con­hecia des­de jovem, acabou reformando‑o como coro­nel e não como major-brigadeiro, con­trar­ian­do as leis mil­itares, que jus­ti­fi­cavam o pos­to pelo tem­po de serviço presta­do e pelas ações na II Guer­ra Mundi­al.

Brigadadeiro Rui Moreira Lima. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Brigadadeiro Rui Mor­eira Lima —  Arqui­vo pes­soal

Pedro Luiz con­tou que, anos depois, em decisão assi­na­da em 24 de maio de 2016, o então pres­i­dente Michel Temer con­cedeu pro­moção post mortem a tenente-brigadeiro-do-ar a Rui Mor­eira Lima, pub­li­ca­da no Diário Ofi­cial, mas cas­sa­da em 2019 pela Advo­ca­cia Ger­al da União (AGU), com assi­natu­ra do pres­i­dente Jair Bol­sonaro. O argu­men­to era que Mor­eira Lima não era pilo­to. “Era engen­heiro e engen­heiro não chega ao pos­to de qua­tro estre­las de tenente-brigadeiro”, rela­tou Pedro Luiz.

Prisões

Na primeira vez que foi pre­so, Rui Mor­eira Lima foi colo­ca­do no porão do navio de tropa Bar­roso Pereira, próx­i­mo à Ilha Fis­cal, onde sofreu tor­tu­ra psi­cológ­i­ca e con­viveu com ratos, perceve­jos e baratas. Não havia san­itário. As neces­si­dades fisi­ológ­i­cas eram feitas em um bura­co no chão. Fez greve de fome. Três dias depois, o coman­dante do Grupo de Caça na Itália e ex-min­istro da Aeronáu­ti­ca, Nero Moura, tele­fo­nou para o pres­i­dente Caste­lo Bran­co rela­tan­do as condições que seu coman­da­do esta­va sofren­do e ele foi trans­feri­do para o navio Prince­sa Leopold­ina, onde per­maneceu 49 dias pre­so.

Qua­tro meses depois, foi pre­so nova­mente e lev­a­do para o quar­tel da 3ª Zona Aérea, sob o coman­do do brigadeiro João Adil de Oliveira. Ficou 90 dias deti­do, respon­den­do ao inquéri­to de San­ta Cruz, como ficou con­heci­do, dirigi­do pelo brigadeiro Manoel José Vin­haes mas, prin­ci­pal­mente, por seu assis­tente, coro­nel João Paulo Mor­eira Burnier. “Esse Inquéri­to foi ter­rív­el, sendo dirigi­do prati­ca­mente pelo Burnier. Ambos –Vin­haes e Burnier – não procu­ravam apu­rar a ver­dade, mas com­pro­m­e­ter-me como sub­ver­si­vo”. A afir­mação é do próprio brigadeiro Rui Mor­eira Lima, em entre­vista con­ce­di­da para o pro­je­to História Oral do Exérci­to e das Forças Irmãs na Rev­olução de 1964, pub­li­ca­do em 2003.

Brigadadeiro Rui Moreira Lima. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Brigadadeiro Rui Mor­eira Lima — Arqui­vo pes­soal

Lib­er­ta­do e cas­sa­do, começou nova car­reira como civ­il, aos 49 anos, no mer­ca­do de ações incen­ti­vadas, como sócio da empre­sa Jacel Jam­bock. Na últi­ma prisão, em 1970, o fil­ho de Rui, Pedro Luiz, foi deti­do como for­ma de o gov­er­no dita­to­r­i­al chegar até o então coro­nel Mor­eira Lima, den­tro de sua empre­sa. O brigadeiro foi sequestra­do, enca­puça­do e lev­a­do para o 15º Reg­i­men­to de Cav­alar­ia Mecan­iza­do (RC Mec), situ­a­do na Aveni­da Brasil, no Rio de Janeiro, coman­da­do pelo coro­nel Mário Orlan­do Ribeiro Sam­paio. Este era anti­go coman­da­do de Rui no Con­sel­ho de Segu­rança e no cur­so que fiz­er­am na Ale­man­ha Oci­den­tal. Ali, o brigadeiro ficou inco­mu­nicáv­el durante três dias, em uma espé­cie de mas­mor­ra, onde não con­seguia deitar nem dormir, pois a cama tin­ha somente três per­nas. Se pre­cisas­se ir ao ban­heiro, dev­e­ria chamar um dos vigias para acom­pan­há-lo. Até que, por ordem do Gen­er­al Sizeno Sar­men­to, foi lib­er­ta­do. “O pai acha­va que a intenção era sua morte e desa­parec­i­men­to”, disse Pedro Luiz.

As perseguições não pararam, entre­tan­to, depois da últi­ma prisão. A família rece­bia ameaças e xinga­men­tos pelo tele­fone, vigias à paisana eram vis­tos ron­dan­do a rua e tin­ha sem­pre um órgão que impli­ca­va com o fun­ciona­men­to da empre­sa do brigadeiro.

Senta a Púa!

Rui Bar­bosa Mor­eira Lima, ou brigadeiro Rui Mor­eira Lima, como era chama­do, nasceu na cidade de Col­i­nas, no Maran­hão, em 12 de jun­ho de 1919. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1938 para cur­sar a Esco­la Mil­i­tar, vin­do a se for­mar avi­ador na primeira tur­ma da Esco­la da Aeronáu­ti­ca. Tornou-se um dos primeiros mem­bros da Força Aérea Brasileira (FAB). Inscreveu-se como vol­un­tário para a II Guer­ra Mundi­al na Itália pelo 1º Grupo de Avi­ação de Caça, do qual foi o cri­ador do lema Sen­ta a Púa. Esse tam­bém foi o títu­lo do primeiro livro que pub­li­cou sobre a atu­ação do 1º Grupo de Avi­ação de Caça na guer­ra. “Foram 55 mil livros na primeira edição”, rev­el­ou Pedro Luiz. A obra já está na quar­ta edição. “São histórias humanas que acon­te­ce­r­am, com depoi­men­tos de vários com­pan­heiros do brigadeiro”.

Rio de Janeiro (RJ), 05/03/2024 - Primeira edição do livro
Repro­dução: Sen­ta a Púa está na quar­ta edição — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Após a aber­tu­ra da democ­ra­cia, ele lançou Diário de Guer­ra, con­tan­do as mis­sões que efe­tu­ou nos céus da Itália, sendo a primeira em 6 de novem­bro de 1944 e a últi­ma em 1º de maio de 1945. Foi atingi­do pela artil­haria anti­aérea alemã em nove ocasiões, das quais saiu sem fer­i­men­to. Seu embar­que para a guer­ra ocor­reu quan­do sua esposa, Júlia Mor­eira Lima, esta­va grávi­da da primeira fil­ha, aos 18 anos. Os três fil­hos do ofi­cial são Clau­dia, Sonia e Pedro Luiz.

De espíri­to inqui­eto, se tornou ativista pela aber­tu­ra e pela rede­moc­ra­ti­za­ção do país, com atu­ação ple­na na Con­sti­tu­inte, pelas questões nacional­is­tas, pela retoma­da de dire­itos civis e mil­itares dos brasileiros atingi­dos pelos golpes de Esta­do, e pela val­oriza­ção da história do Brasil e da FAB.

Em 2021, a Edi­to­ra Top­books lançou Adel­phi! Voan­do por Justiça e Liber­dade, livro biográ­fi­co escrito pela museólo­ga Elisa Colepi­co­lo e por Pedro Luiz Mor­eira Lima, con­tan­do a história do brigadeiro. “Meu pai era um his­to­ri­ador. Tudo que ele escrevia, ele guar­da­va”. A base do livro foram os escritos deix­a­dos por Rui, que totalizaram 8 mil doc­u­men­tos, 6 mil fotos e algu­mas gravações que o ofi­cial deixou. O ter­mo Adel­phi é uma saudação espe­cial, des­ti­na­da a rev­er­en­ciar os pilo­tos de caça da Força Aérea Brasileira que pere­ce­r­am nos céus da Itália, além de ser usa­do tam­bém para mar­car even­tos rel­e­vantes para a avi­ação de caça ou para a Força Aérea Brasileira.

Edição: Aline Leal

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