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Historiadora desenvolve roteiros sobre memória da ditadura militar

Repro­dução: © Acer­vo da Bib­liote­ca Nacional

Projeto inclui visitações guiadas com jovens e estudantes no Rio


Pub­li­ca­do em 10/04/2023 — 08:48 Por Rafael de Car­val­ho Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Para além dos livros e arquiv­os, é difí­cil encon­trar refer­ên­cias explíc­i­tas no Rio de Janeiro ao perío­do da ditadu­ra mil­i­tar. Não há cen­tros de vis­i­tação, tam­pouco museus sobre o tema. Com isso em mente, a his­to­ri­ado­ra Saman­tha Quadrat, pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), mapeou lugares da cidade que guardam as memórias do regime autoritário entre 1964 e 1985.

Des­de o ano pas­sa­do, ela coor­de­na vis­i­tas guiadas com estu­dantes da edu­cação bási­ca, uni­ver­sitários e pro­fes­sores. A ativi­dade é parte do pro­je­to Lugares de Memórias, apoia­do pela bol­sa de pro­du­tivi­dade do Con­sel­ho Nacional de Desen­volvi­men­to Cien­tí­fi­co e Tec­nológi­co (CNPq).

“Roteiros como ess­es per­mitem que você fomente ques­tion­a­men­tos, empa­tia pelas víti­mas, val­ores democráti­cos, e que dis­cu­ta tam­bém a relação da cidade com as forças de segu­rança. É uma pos­si­bil­i­dade de pen­sar o ensi­no na ditadu­ra mil­i­tar”, expli­ca a his­to­ri­ado­ra. “A gente não tem no Rio um museu como o de São Paulo, o Memo­r­i­al da Resistên­cia. Então, é impor­tante que a gente ocupe a cidade, se apro­prie cada vez mais dela, dessa história e dessas memórias”, argu­men­ta.

O primeiro roteiro que a pesquisado­ra desen­volveu foi sobre o movi­men­to estu­dan­til secun­darista. A ideia é tornar mais con­heci­da a atu­ação desse grupo durante o regime mil­i­tar, por enten­der que as histórias sobre a resistên­cia uni­ver­sitária cos­tu­mam rece­ber mais atenção. Saman­tha mapeou pon­tos emblemáti­cos da cidade que lem­brem prin­ci­pal­mente a vida e o assas­si­na­to do estu­dante Edson Luís, sím­bo­lo da luta dos secun­daris­tas.

Restaurante Calabouço

Um dos destaques é o pré­dio do Min­istério Públi­co, na região cen­tral do Rio. No espaço onde hoje existe um esta­ciona­men­to, fun­ciona­va na déca­da de 60 o restau­rante Cal­abouço. Ele havia sido insta­l­a­do orig­i­nal­mente em um pon­to do bair­ro do Fla­men­go e forne­cia refeições com preços mais baixos para estu­dantes da rede públi­ca.

O pré­dio foi demoli­do e um novo esta­b­elec­i­men­to aber­to no cen­tro. Mas a obra esta­va inacaba­da e o restau­rante pas­sou a sele­cionar quais usuários podi­am entrar. No dia 28 de março de 1968, um grupo de estu­dantes secun­daris­tas ocupou o lugar e protestou con­tra as novas condições. Dezenas de poli­ci­ais mil­itares inter­romper­am a man­i­fes­tação e ati­raram nos estu­dantes. Edson Luís Lima Souto, de 18 anos, foi atingi­do no peito.

A história con­tin­ua na San­ta Casa de Mis­er­icór­dia, tam­bém incluí­da na visi­ta guia­da. Depois de balea­do, Edson Luís foi con­duzi­do para lá, onde foi con­fir­ma­da a morte. Os cole­gas secun­daris­tas impedi­ram que o cor­po fos­se lev­a­do ao Insti­tu­to Médi­co Legal (IML), com medo de que os poli­ci­ais sumis­sem com ele. O des­ti­no escol­hi­do foi a então sede da Assem­bleia Leg­isla­ti­va do Esta­do da Gua­n­abara, atu­al Câmara Munic­i­pal. É no local que ter­mi­na o roteiro com a his­to­ri­ado­ra.

“Ali, diante dos olhos vig­i­lantes dos estu­dantes que temi­am o que a ditadu­ra pode­ria faz­er com o cor­po do secun­darista, foram feitas a autóp­sia e o velório. Aos poucos, mil­hares de pes­soas foram chegan­do para prestar hom­e­nagem e protes­tar con­tra a ditadu­ra. Infe­liz­mente, esse episó­dio não é lem­bra­do na vis­i­tação guia­da que é real­iza­da no local”, afir­ma a his­to­ri­ado­ra.

Edson Luís homenageado

A úni­ca lem­brança conc­re­ta que existe do episó­dio no Rio é o mon­u­men­to cri­a­do em 2008 para hom­e­nagear Edson Luís. Foi uma ofer­ta à cidade da então Sec­re­taria Espe­cial dos Dire­itos Humanos, do gov­er­no fed­er­al. Ele fica na praça Ana Amélia, per­to da San­ta Casa de Mis­er­icór­dia.

A escul­tura traz uma ban­deira ras­ga­da em meio a uma man­cha ver­mel­ha e pegadas de vidro na base. Mas quem chega ali hoje não encon­tra pla­ca, nem qual­quer out­ra refer­ên­cia explica­ti­va. A reportagem da Agên­cia Brasil chegou a ser abor­da­da por um morador da região que descon­hecia o sig­nifi­ca­do do mon­u­men­to.

A pesquisado­ra prepara out­ros roteiros sobre a ditadu­ra, que vão traz­er recortes temáti­cos como o golpe de 64 e a história do Desta­ca­men­to de Oper­ações de Infor­mação — Cen­tro de Oper­ações de Defe­sa Inter­na (DOI/CODI), o órgão de inteligên­cia e repressão sub­or­di­na­do ao Exérci­to brasileiro. Ela reforça que ações como essa são impor­tantes para resi­s­tir aos silên­cios, inten­cionais ou não, do perío­do autoritário que o país viveu. Mas que é fun­da­men­tal que o Rio de Janeiro e out­ras cidades invis­tam na preser­vação dessa história.

“A ditadu­ra e os gov­er­nos democráti­cos, durante os debates da mod­ern­iza­ção, acabaram destru­in­do alguns dess­es lugares de memória. É urgente que a gente ten­ha cen­tros de memória. Um deles dev­e­ria ser no pré­dio do Depar­ta­men­to de Ordem Políti­ca e Social — DOPS — que está cain­do aos pedaços e que chegou a ser o museu da polí­cia. É fun­da­men­tal que a gente crie a deman­da pelos memo­ri­ais, que haja reflexão na cidade, que con­si­ga faz­er um museu como o Chile fez, de memória e dire­itos humanos”, afir­ma Saman­tha.

O des­ti­no do pré­dio onde fun­cio­nou o DOPS, no cen­tro da cidade, está em dis­pu­ta há anos. Recen­te­mente, a dep­uta­da estad­ual Dani Bal­bi (PSOL) apre­sen­tou pro­je­to na Assem­bleia Leg­isla­ti­va do Esta­do (Alerj) para que seja cri­a­do no pré­dio o Museu da Memória e da Ver­dade do Esta­do.

Serviço

Colé­gios, pro­fes­sores, estu­dantes e out­ros inter­es­sa­dos em par­tic­i­par das vis­i­tas guiadas do pro­je­to Lugares de Memória podem escr­ev­er para o e‑mail da his­to­ri­ado­ra ([email protected]) ou entrar em con­ta­to pela con­ta do Insta­gram (@lugaresdememoria).

Edição: Kle­ber Sam­paio

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