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Histórias de vida em formato de cordel são tema de exposição em SP

Mostra já passou por Pernambuco, Bahia e Minas Gerais

Elaine Patri­cia Cruz – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 02/11/2024 — 17:43
São Paulo
São Paulo 02/11/2024 Exposição de cordel no Museu da Língua Portuguesa. Foto Guilherme Sai.
Repro­dução: © Foto Guil­herme Sai.

O ver­so da canção Chico Pre­to, dos com­pos­i­tores João Nogueira e Paulo Cesar Pin­heiro, já dizia: “a tua história um dia vai virar cordel”. E a par­tir deste sába­do (2), qual­quer pes­soa que pas­sar pelo Museu da Lín­gua Por­tugue­sa, na região da Luz, na cap­i­tal paulista, poderá se deparar com uma exposição que con­ta a história de 21 pes­soas por meio da lit­er­atu­ra de cordel.

Chama­da de Vidas em Cordel, a exposição cel­e­bra a tradição oral, a poe­sia pop­u­lar e a ances­tral­i­dade e é uma real­iza­ção do Museu da Lín­gua Por­tugue­sa com o Museu da Pes­soa, espaço vir­tu­al e colab­o­ra­ti­vo que se ded­i­ca, há 30 anos, a reg­is­trar, preser­var e dis­sem­i­nar histórias de vida. A curado­ria é do poeta e cordelista Jonas Samaú­ma, do cordelista e pesquisador do fol­clore brasileiro Mar­co Hau­rélio, e da xilo­gravado­ra Lucélia Borges.

Entre as per­son­al­i­dades que tiver­am suas histórias cordelizadas e que estão retratadas na mostra estão o jor­nal­ista Gilber­to Dimen­stein e o líder indí­ge­na e imor­tal da Acad­e­mia Brasileira de Letras, Ail­ton Kre­nak. Mas há tam­bém nomes menos con­heci­dos, de pes­soas comuns, que tam­bém tiver­am tra­bal­hos rel­e­vantes ao país.

A mostra chega a São Paulo depois de pas­sar por Per­nam­bu­co, Bahia e Minas Gerais. Em São Paulo, ela gan­hou três histórias inédi­tas, de per­son­al­i­dades que desen­volver­am tra­bal­hos de impacto na região da Luz, onde o Museu da Lín­gua Por­tugue­sa está inseri­do.

Histórias

São Paulo 02/11/2024 Exposição de cordel no Museu da Língua Portuguesa. Foto Guilherme Sai.
Repro­dução: São Paulo 02/11/2024 História de Idibal Mat­to Pivet­ta é uma das pre­sentes na exposição. — Foto Guil­herme Sai.

Uma dessas três per­son­al­i­dades é César Vieira, pseudôn­i­mo de Idibal Mat­to Pivet­ta (1931–2023), que, como advo­ga­do, teve uma atu­ação impor­tante na defe­sa de pre­sos políti­cos durante a ditadu­ra mil­i­tar no Brasil. Ele tam­bém foi um dos fun­dadores do grupo Teatro Pop­u­lar União e Olho Vivo, pio­neiro na uti­liza­ção de proces­sos de cri­ação cole­ti­va. Persegui­do pela cen­sura do regime mil­i­tar, pas­sou a assi­nar suas peças como César Vieira.

“Para mim, ele sem­pre vai ser um ser humano incrív­el: uma pes­soa de um coração muito grande. Por uma neces­si­dade do país, ele viu que era necessário se jun­tar a out­ras pes­soas para tro­car exper­iên­cias, apren­der e poder tam­bém con­stru­ir um país mais jus­to. Ele se for­mou em dire­ito e jor­nal­is­mo e tam­bém era dra­matur­go. Ele foi fun­dador do Teatro Pop­u­lar União e Olho Vivo, que é um grupo que há 75 anos faz essa tro­ca de exper­iên­cia nos bair­ros pop­u­lares da cap­i­tal”, expli­cou seu fil­ho, Lucas Cesar Pizzetta.

Cesin­ha, como ele é mais con­heci­do por her­dar o pseudôn­i­mo do pai, con­tou que foi con­vi­da­do pelo Museu da Pes­soa e do Museu da Lín­gua Por­tugue­sa para con­tar essa história. “Acho que é fun­da­men­tal esse tipo de ini­cia­ti­va que con­tribui para con­tar a história da cul­tura pop­u­lar brasileira. Prin­ci­pal­mente hoje, quan­do vive­mos em um momen­to de dom­i­nação tão grande da cul­tura estrangeira. Pre­cisamos con­tar essas histórias de uma for­ma agre­ga­da, rela­cio­nan­do ess­es temas para enten­der o con­tex­to do país”, disse ele, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

A história do pai de Cesin­ha foi cordeliza­da pela poeta Maria Cel­ma. O cordel, que pode ser reti­ra­do gra­tuita­mente na exposição ou ser visu­al­iza­do por meio do site, ini­cia essa história pelos seguintes ver­sos: “Falar de Idibal Pivet­ta. Requer bom sen­so e cor­agem. Homem de muitas fac­etas. E de uma imen­sa bagagem. Mar­cou a história das gentes. Como autor e per­son­agem”.

À reportagem, Maria Cel­ma con­tou que, para ini­ciar o cordel sobre Idibal, ela começou a con­sul­tar sua biografia, assistin­do entre­vis­tas e lendo muitos tra­bal­hos pub­li­ca­dos sobre ele. “E aí eu me apaixonei pelos feitos, pela pes­soa, pelo humano, pelo social dele. Além de praze­roso, foi uma exper­iên­cia enrique­ce­do­ra escr­ev­er sobre ele. Isso me enrique­ceu como pes­soa, como cidadã, como brasileira”, disse ela.

Além da história de Pivet­ta, as out­ras histórias inédi­tas cordelizadas para a mostra foram a de Cleone San­tos, uma mineira de Juiz de Fora que criou o Cole­ti­vo Mul­heres da Luz, que ofer­ece apoio e dá vis­i­bil­i­dade às mul­heres em situ­ação de pros­ti­tu­ição; e do rap­per MC Kawex, que viveu por 20 anos na chama­da Cra­colân­dia, sendo uma voz ati­va na região.

“Traz­er a exposição para São Paulo abriu uma por­ta grande para que a gente pudesse tam­bém traz­er a história de pes­soas que estão aqui, dig­amos, na nos­sa viz­in­hança, no nos­so ter­ritório”, falou Cami­la Ader­al­do, coor­de­nado­ra do Cen­tro de Refer­ên­cia do Museu da Lín­gua Por­tugue­sa. “Con­seguimos reunir três nomes para com­por essa mostra. Orga­ni­zar e colo­car a história dessas pes­soas em lit­er­atu­ra é quase uma maneira de fazê-las ain­da pre­sentes. E isso é muito poderoso”, acres­cen­tou.

Para Karen Wor­c­man, fun­dado­ra e curado­ra do Museu da Pes­soa, a exposição é uma grande cel­e­bração da lín­gua por­tugue­sa. Além dis­so, ela expande o nos­so con­ceito de con­strução de memória do país. “A ideia bási­ca do Museu da Pes­soa é faz­er com que a história de cada pes­soa se torne um obje­to de museu. O museu tem como obje­ti­vo pro­mover uma mudança, uma democ­ra­ti­za­ção da memória social, ampli­ar o jeito que a gente con­ta a nos­sa história na sociedade”.

Todas as histórias que estão sendo apre­sen­tadas nes­ta exposição em São Paulo foram incluí­das no acer­vo do Museu da Pes­soa. Inclu­sive as que serão con­tadas pelo próprio públi­co.

Cabine

Essa exposição não é fei­ta só de histórias apre­sen­tadas em painéis e em cordéis que podem ser reti­ra­dos de for­ma gra­tui­ta no museu. Há tam­bém uma cab­ine inter­a­ti­va, onde os vis­i­tantes poderão gravar seus próprios depoi­men­tos.

“O Museu da Pes­soa, que é sem­pre colab­o­ra­ti­vo, traz sem­pre uma cab­ine de histórias de vida. Toda vida dá um cordel. Toda vida é parte de um museu. Então a pes­soa que vem tem a pos­si­bil­i­dade de gravar a sua história e inte­grar o acer­vo do museu — e de for­ma gra­tui­ta”, con­tou Karen Wor­c­man.

Todos ess­es depoi­men­tos do públi­co vão depois inte­grar o acer­vo dig­i­tal do Museu da Pes­soa .

São Paulo 02/11/2024 Exposição de cordel no Museu da Língua Portuguesa. Foto Guilherme Sai.
Repro­dução: São Paulo 02/11/2024 Exposição de cordel no Museu da Lín­gua Por­tugue­sa. — Foto Guil­herme Sai.

Cordel

O cordel surgiu em um tem­po onde não havia rádio, inter­net ou TV e poucos sabi­am ler. Para saber as histórias, as pes­soas saíam às ruas para ouvir os artis­tas pop­u­lares que nar­ravam, em for­ma de ver­sos, os acon­tec­i­men­tos da região. Até que sur­gi­ram as téc­ni­cas baratas de impressão e essas histórias começaram a ser repro­duzi­das em pequenos livros que se propa­garam pela Europa.

Quan­do chegou ao Brasil, isso gan­hou uma lin­guagem própria, com humor, críti­cas e capas ilustradas com xilo­gravuras, téc­ni­ca que con­siste em ental­har em pedaços de madeira ima­gens de alto e baixo rele­vo que depois rece­berão camadas de tin­ta e serão repro­duzi­das em papel, como uma espé­cie de carim­bo.

“A lit­er­atu­ra de cordel, enquan­to gênero, enquan­to cul­tura, enquan­to história, tem uma força enorme para todos os brasileiros. Esse pro­je­to de exposição, além de boni­to, é impor­tan­tís­si­mo do pon­to de vista sócio-cul­tur­al. Esse pro­je­to é real­mente uma ação de sal­va­guar­da da lit­er­atu­ra de cordel”, disse a cordelista Maria Cel­ma.

Des­de 2018, a lit­er­atu­ra de cordel e seus bens asso­ci­a­dos, como a xilo­gravu­ra, são recon­heci­dos como patrimônio cul­tur­al e ima­te­r­i­al brasileiro pelo Insti­tu­to do Patrimônio Históri­co e Artís­ti­co Nacional (Iphan).

Mostra

A exposição está sendo apre­sen­ta­da no Saguão B do museu e tem entra­da gra­tui­ta. Ela ficará em car­taz até fevereiro do próx­i­mo ano.

As histórias que estão em exposição poderão ser aces­sadas tam­bém de for­ma vir­tu­al, por meio do site Nesse con­teú­do online tam­bém está disponív­el o livre­to Vidas em Cordel para Edu­cadores, um mate­r­i­al educa­ti­vo e gra­tu­ito volta­do para pro­fes­sores e que pode ser uti­liza­do em ativi­dades educa­ti­vas.

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