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Honestino Guimarães, morto pela ditadura, será homenageado com diploma

Repro­dução: © Acer­vo Familia/Honestino Guimarães

Líder estudantil que desapareceu em 1973 completaria hoje 77 anos


Publicado em 28/03/2024 — 07:06 Por Luiz Claudio Ferreira — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Quan­do as aulas na Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) começaram em 1965, o novo aluno Hon­esti­no Guimarães, do cur­so de geolo­gia, se desta­ca­va. O rapaz loiro, de 18 anos de idade, de ócu­los de lentes grossas, olhos verdes e baix­in­ho, chama­va atenção por onde pas­sa­va. Ele, que havia ingres­sa­do em primeiro lugar ger­al de toda a insti­tu­ição, não era de se gabar. Ficou con­heci­do por ser caris­máti­co e enga­ja­do politi­ca­mente. Era incon­for­ma­do com as injustiças e com a extinção de liber­dades des­de o golpe mil­i­tar do ano ante­ri­or. Se estivesse vivo, Hon­esti­no com­ple­taria, nes­ta quin­ta (28), 77 anos de idade.

Hon­esti­no nun­ca pegou em armas, mas seus protestos foram a “acusação” para que, quase qua­tro anos depois, fos­se pre­so e expul­so da uni­ver­si­dade em que um dia son­hou estu­dar. Fal­tavam pou­cas dis­ci­plinas (11 crédi­tos) para chegar ao diplo­ma de geól­o­go. Mas essa história do jovem que mor­reu em 1973 está prestes a ser ree­scri­ta.

Isso porque a uni­ver­si­dade pre­tende revert­er a expul­são do estu­dante e entre­gar à família o diplo­ma post mortem de Hon­esti­no. Isso pode ocor­rer no próx­i­mo dia 21 de abril (aniver­sário da UnB e de Brasília). “É um ato de justiça e de reparação. O que acon­te­ceu com Hon­esti­no e com tan­tas pes­soas naque­la época foi bru­tal e inom­ináv­el. A família, ami­gas e ami­gos de Hon­esti­no não pud­er­am enter­rá-lo. É um dev­er da uni­ver­si­dade faz­er a sua parte”, afir­mou a atu­al reito­ra da insti­tu­ição Már­cia Abrahão, que é pro­fes­so­ra de geolo­gia.

“Fico sem­pre muito emo­ciona­da quan­do toco nesse assun­to, mas ele foi, sem dúvi­das, uma fonte de inspi­ração para todo o meu tra­bal­ho em prol dos dire­itos humanos aqui na uni­ver­si­dade”. A reito­ra expli­ca que há um trâmite inter­no para con­fir­mação da hom­e­nagem pós­tu­ma, o que inclui a aprovação pelo con­sel­ho do Insti­tu­to de Geo­ciên­cias. “Seria incrív­el faz­er essa cer­imô­nia na data do aniver­sário da UnB”.

“Aluno brilhante”

Entre os requer­entes para a hom­e­nagem a Hon­esti­no, está um ami­go dele de lon­ga data, o econ­o­mista Cláu­dio Almei­da. Ele expli­ca o pedi­do de hom­e­nagem a Hon­esti­no teve inspi­ração após decisão da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) de garan­tir diplo­mas hon­orí­fi­cos, no final do ano pas­sa­do, para Alexan­dre Van­nuc­chi Leme e Ronal­do Mouth Queiroz, ambos mor­tos em 1973 pela ditadu­ra mil­i­tar. Eles foram alunos do Insti­tu­to de Geo­ciên­cias (IGc) e mil­i­tantes do movi­men­to estu­dan­til da USP.

“Hon­esti­no sem­pre foi um aluno bril­hante. Quan­do esta­va na clan­des­tinidade, os pro­fes­sores aceitavam que ele fizesse pro­va onde quer que fos­se. É uma hom­e­nagem muito jus­ta, eu acho que tar­dia inclu­sive, mas que é uma for­ma de reparar danos”, acred­i­ta o ami­go, cole­ga des­de o ensi­no médio em Brasília. Cláu­dio Ama­r­al recor­da que, emb­o­ra a luta estu­dan­til ten­ha se tor­na­do pri­or­i­dade na roti­na, o rendi­men­to no cur­so de geolo­gia era muito impor­tante para ele. “Ele fez e cur­sou até o final”.

Quem tam­bém defend­eu reparação para a imagem do uni­ver­sitário foi a pesquisado­ra Bet­ty Almei­da, bió­grafa do líder estu­dan­til, com o livro Paixão de Hon­esti­no. “Ele se inter­es­sou por políti­ca des­de o ensi­no médio. Na uni­ver­si­dade, esse inter­esse se ampliou e se desen­volveu. Ele assum­iu uma posição de lid­er­ança nas lutas do movi­men­to estu­dan­til, no enfrenta­men­to da ditadu­ra, que na época esta­va se acir­ran­do”, apon­ta a pesquisado­ra.

“Em defesa da universidade”

Ela avalia que Hon­esti­no quis tomar uma posição de luta pela defe­sa da uni­ver­si­dade públi­ca e gra­tui­ta. “Naque­la época, havia os chama­dos acor­dos MEC-USAID, que eram acor­dos para encam­in­har a uni­ver­si­dade para pri­va­ti­za­ção e tornar o ensi­no ade­qua­do a inter­ess­es de mer­ca­do e não a inter­ess­es de pro­dução de con­hec­i­men­to e desen­volvi­men­to de pesquisa nacional”.

Para a bió­grafa, os atos de memória, ver­dade, justiça e reparação aju­dam a faz­er com que a sociedade ten­ha con­hec­i­men­to de que exi­s­ti­ram essas pes­soas. “Que o Brasil viveu uma ditadu­ra san­guinária que perseguiu seus opos­i­tores com fero­ci­dade”. Na UnB, além de Hon­esti­no, há mais dois desa­pare­ci­dos, Ieda Del­ga­do e Paulo de Tar­so Sil­va. Segun­do recor­da Bet­ty Almei­da, os então estu­dantes chegaram a se for­mar e depois foram assas­si­na­dos por causa das ativi­dades políti­cas.

Hon­esti­no foi o úni­co entre os desa­pare­ci­dos da UnB que foi impe­di­do de se for­mar. “Ele era um bom aluno, respon­sáv­el e estu­dioso. Mas as ativi­dades políti­cas foram colo­can­do ele em evidên­cia”. Um dos protestos foi no primeiro semes­tre naque­le ano con­tra um pro­fes­sor chama­do Roman Blan­co, que era iden­ti­fi­ca­do com a práti­ca de dedu­rar estu­dantes e pro­fes­sores que ele jul­gasse sub­ver­sivos.

“O docente fal­si­fi­cou doc­u­men­tos e aproveitou aque­la situ­ação em que a uni­ver­si­dade perdeu quase 80% do seu cor­po de pro­fes­sores e se incluiu como fun­cionário à cus­ta de doc­u­men­tos fal­sos, inclu­sive”, disse a pesquisado­ra Bet­ty Almei­da.

Os estu­dantes, lid­er­a­dos por Hon­esti­no, que­ri­am que o pro­fes­sor fos­se excluí­do da uni­ver­si­dade. Para isso, eles se orga­ni­zaram e esvaziaram a sala dele de tra­bal­ho e tam­bém o aparta­men­to onde ele mora­va no con­jun­to de pré­dios que abri­ga docentes.

“O reitor da época, que era o Caio Ben­jamin Dias, lev­ou o Roman Blan­co para um hotel. E, no dia 26 de setem­bro de 1968, o Romain Blan­co foi demi­ti­do da uni­ver­si­dade, mas o Hon­esti­no foi expul­so no mes­mo dia”, afir­ma a bió­grafa. O relatório da Comis­são Aní­sio Teix­eira Memória e Ver­dade, que abor­da a exclusão do estu­dante, apon­ta que teve relação jus­ta­mente com a ação con­tra o pro­fes­sor Román Blan­co ocor­ri­da meses antes.

Tensão na universidade

Pas­sa­da a ação que lev­ou à expul­são do pro­fes­sor, Hon­esti­no foi pre­so, no dia 29 de agos­to daque­le ano, quan­do a uni­ver­si­dade foi inva­di­da por mil­itares que espan­car­am, pren­der­am e tor­tu­raram estu­dantes e fun­cionários. Sol­da­dos invadi­ram até salas de aulas com armas e bom­bas de gás lac­rimogê­neo. Na época, o pres­i­dente da Fed­er­ação dos Estu­dantes da Uni­ver­si­dade de Brasília (FEUB) era o líder estu­dan­til.

Uma das teste­munhas do even­to, o tam­bém estu­dante de geolo­gia Wil­son Pereira ficou assus­ta­do, naque­la man­hã, com as cam­in­honetes que chegaram e com mil­itares ati­ran­do para cima. “Saí­mos cor­ren­do no rumo da Esplana­da e eu só voltei três dias depois. Aque­les dias foram de mui­ta ten­são. Lem­bro de mil­itares entran­do em nos­sas salas de aula atrás do Hon­esti­no”. Wil­son entrou no cur­so em 1967.

A ação em agos­to de 1968 fez com que 300 estu­dantes ficas­sem pre­sos na quadra de bas­quete. “O Hon­esti­no era muito visa­do”, afir­ma Clau­dio Almei­da, a essa altura, casa­do e com uma fil­ha. No últi­mo encon­tro, antes do ami­go desa­pare­cer, Clau­dio ouviu de Hon­esti­no que, mes­mo fora da uni­ver­si­dade. man­te­ria a luta. “Ele me disse ‘min­ha luta é pelo Brasil. E nos demos um grande abraço”.

Sensibilização

Para a família de Hon­esti­no, é moti­vo de feli­ci­dade a decisão da UnB de realizar a hom­e­nagem. “Ale­graria muito o Hon­esti­no tam­bém. Ele mobi­liza­va os estu­dantes e fazia toda a agi­tação em prol da democ­ra­cia, da liber­dade, dos dire­itos humanos, enquan­to estu­da­va muito out­ras coisas como econo­mia mundi­al e políti­ca. Ele real­mente era um ser muito enga­ja­do com os estu­dos”.

A família pre­tende aproveitar a ocasião de hom­e­na­gens e quer preparar uma pre­mi­ação para os estu­dantes de geolo­gia con­hecerem a história do líder estu­dan­til e expres­sarem por que Hon­esti­no teria escol­hi­do geolo­gia como cur­so, como expli­ca o sobrin­ho dele, Mateus Guimarães, que tam­bém pesquisa o lega­do do tio.

“Ele era um estu­dante inspi­rador, que lia jor­nal todos os dias e devo­ra­va os livros. Boa parte daqui­lo que motivou o Hon­esti­no a se insur­gir con­tra a ditadu­ra, e a se tornar o líder, foi jus­ta­mente a defe­sa do pro­je­to da Uni­ver­si­dade de Brasília”, afir­ma o sobrin­ho. Hon­esti­no, segun­do apon­ta Mateus, defendia a uni­ver­si­dade utópi­ca, gen­uina­mente brasileira, volta­da para os prob­le­mas dos povos oprim­i­dos ao redor do mun­do. Com a hom­e­nagem, Hon­esti­no deve voltar aplau­di­do mais de 50 anos depois de ameaças, vio­lên­cias, prisões, morte e silên­cios.

Edição: Aline Leal

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