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IBGE lança mapa-múndi invertido, com o Sul no topo

Nova representação é lançada no ano em que país preside Brics

Ana Cristi­na Cam­pos — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 10/05/2025 — 12:39
Rio de Janeiro
Brasília (DF) 09/05/2025 -IBGE lança mapa-múndi invertido, com o Sul no alto e o Brasil no centro. Foto IBGE
Repro­dução: © Foto IBGE

O Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE) lançou nes­ta sem­ana o mapa-mún­di ofi­cial, de for­ma inver­ti­da, que nova­mente tem o Brasil no cen­tro do mun­do, mas que ago­ra traz uma nova per­spec­ti­va em que o Sul aparece no topo da imagem.

O lança­men­to é feito no ano em que o país tem ati­va par­tic­i­pação nos debates e per­spec­ti­vas do Sul Glob­al e do cenário mundi­al, em espe­cial por pre­sidir o Brics e o Mer­co­sul e rece­ber a Con­fer­ên­cia das Nações Unidas sobre Mudanças Climáti­cas (COP30), em Belém, na Amazô­nia.

O novo mapa tam­bém traz desta­ca­dos os país­es que com­põe o Brics, o Mer­co­sul, os país­es de lín­gua por­tugue­sa e do bio­ma amazôni­co, a cidade do Rio de Janeiro, como cap­i­tal do Brics, a cidade de Belém, como cap­i­tal da COP30, e o Ceará como sede do Trip­lo Fórum Inter­na­cional da Gov­er­nança do Sul Glob­al — Novos Indi­cadores e Temas Estratégi­cos para o Desen­volvi­men­to e a Sus­tentabil­i­dade na Era Dig­i­tal, em jun­ho, em For­t­aleza.

Em vídeo pub­li­ca­do no site do IBGE, a dire­to­ra de Geo­ciên­cias do insti­tu­to, Maria do Car­mo Dias Bueno, afir­mou que o Sul apon­ta­do para cima e o Norte apon­ta­do para baixo do mapa não con­stituem erro ou engano.

“Foi proposi­tal. Afi­nal de con­tas, o apon­ta­men­to dos pon­tos cardeais é uma con­venção car­tográ­fi­ca e não se con­sti­tui em um erro téc­ni­co. Aliás, alguns estu­diosos apon­tam essa questão da con­venção norte-sul com ten­do alguns vieses. Por exem­p­lo, temos um viés sutil em que algu­mas pes­soas, ao verem um mapa, com o Norte apon­ta­do para cima, atribuem questões boas e val­ores mais ricos a coisas que estão local­izadas na parte supe­ri­or do mapa. E, ao mes­mo tem­po atribuem coisas ruins, val­ores mais baixos de imóveis, e pobreza, a coisas rela­cionadas no mapa na porção infe­ri­or, ou seja, na porção sul do mapa”, afir­mou Maria.

Segun­do a dire­to­ra, há tam­bém um viés políti­co rela­ciona­do a essa questão Norte-Sul.

“Como his­tori­ca­mente os primeiros mapas foram feitos majori­tari­a­mente por europeus, atribui-se a colo­cação da Europa na parte supe­ri­or do mapa como uma questão de reforço da supe­ri­or­i­dade da Europa em relação aos país­es local­iza­dos na porção sul. Isso, na ver­dade, trouxe protestos dos país­es do Sul, prin­ci­pal­mente dos lati­no-amer­i­canos. Gostaria de enfa­ti­zar que mapas são rep­re­sen­tações do mun­do real. Os mapas podem ser boni­tos ou feios, podem ser sim­ples ou mais com­plex­os, mas são sem­pre rep­re­sen­tações”, disse.

O dire­tor da Asso­ci­ação dos Geó­grafos Brasileiros Seção Rio de Janeiro e pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Geografia e do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Geografia da Fac­ul­dade de For­mação de Pro­fes­sores da Uni­ver­si­dade do Esta­do do Rio de Janeiro (Uerj), Luis Hen­rique Lean­dro Ribeiro, lem­brou que mapas são rep­re­sen­tações que expres­sam con­venções, val­ores, visões de mun­do e pro­je­tos.

“O mapa-mún­di é, assim como out­ros, uma rep­re­sen­tação do mun­do. Mapas tam­bém são con­venções val­i­dadas pelos usos e aceitação de sociedades cien­tí­fi­cas, insti­tu­ições de ensi­no, agên­cias e órgãos públi­cos e pri­va­dos, sobre­tu­do, estatais. No Brasil, o IBGE é a insti­tu­ição de maior refer­ên­cia e prestí­gio na elab­o­ração e difusão de mapas. Recen­te­mente pub­li­cou duas novas ver­sões do mapa-mún­di, uma com o Brasil no cen­tro do mapa, e out­ra com essa mes­ma rep­re­sen­tação só que ‘inver­ti­da’. Ambos man­têm as pro­jeções car­tográ­fi­cas usuais, mas adotan­do per­spec­ti­vas dis­tin­tas”, afir­mou o geó­grafo.

De acor­do com Ribeiro, o fato de destacar cidades brasileiras com impor­tantes even­tos inter­na­cionais val­oriza a posição e inserção alti­vas e de destaque do Brasil no cenário inter­na­cional e no con­tex­to geopolíti­co atu­al de um mun­do em ebu­lição, crises e trans­for­mações com dis­putas e, tam­bém, diál­o­gos e con­cer­tações rumo a novos arran­jos e relações inter­na­cionais.

“O mapa-mún­di assim pro­je­ta­do ger­ou dis­cussões e reflexões, mas, prin­ci­pal­mente, ‘desnat­u­ral­i­zou’ e ‘descen­trou’ per­spec­ti­vas uni­ver­sal­izantes e con­sagradas a par­tir de cen­tros e país­es até então dom­i­nantes, abrindo novos cam­in­hos para o Brasil e para o mun­do a par­tir de novas rep­re­sen­tações e inter­ess­es geopolíti­cos. Afi­nal o cen­tro do mun­do está em todo lugar e, como nos ensi­nou o geó­grafo Mil­ton San­tos, cada lugar é o mun­do à sua maneira”, disse o pesquisador.

O pro­fes­sor Rafael Sânzio Araújo dos Anjos, do Depar­ta­men­to de Geografia da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB), desta­ca que há 20 anos pesquisadores brasileiros já real­izam mapas com essa nova per­spec­ti­va. “Em 2007, eu publiquei este mes­mo mapa-mún­di do IBGE pela UnB com um mun­do de cabeça para baixo e um mun­do com o Brasil no cen­tro. A primeira con­statação é que o IBGE está em um tem­po, mas as pesquisas brasileiras estão em out­ro tem­po. Isso mostra um gap. Esse mapa serve para a gente mel­ho­rar a nos­sa autoes­ti­ma, é a autoes­ti­ma da nação. O IBGE, ao traz­er esta car­tografia do Brasil no cen­tro do mun­do, mex­en­do no eixo Sul-Norte, é que dá ofi­cial­i­dade. Esse é o grande trun­fo de uma pub­li­cação como essa, é ofi­cial”, disse o cartó­grafo.

O pro­fes­sor da UnB ressalta que as rep­re­sen­tações grá­fi­cas do mun­do a par­tir do sécu­lo 16 vão mostrar visões de ter­ras con­heci­das com os mapas ori­en­ta­dos para o Polo Norte. “Os europeus nos impuser­am o mapa a par­tir do sécu­lo 16. A Europa mod­er­na começa a for­t­ale­cer os seus esta­dos. É quan­do ela ini­cia a diás­po­ra e vai enrique­cer com a África, com a Améri­ca, com o Novo Mun­do, e o Brasil está nesse bojo. As ima­gens apare­cem como ver­dade. Desmisti­ficar esse proces­so é muito impor­tante. Uma boa maneira de faz­er é mostrar uma out­ra imagem”, afir­mou.

O pro­fes­sor do Insti­tu­to de Geografia da Uerj Lean­dro Andrei Beser lem­bra que mapas são meios de comu­ni­cação e que, ao lon­go da história, várias con­venções foram tomadas como ver­dades ou como padrão e foram pouco ques­tion­adas. “Quan­do surge esse mapa-mún­di clás­si­co, em que a Europa está no cen­tro, é um con­tex­to em que a gente está falan­do da expan­são marí­ti­ma europeia com suas invasões. Ele tem o intu­ito de ori­en­tar as nave­g­ações. É uma visão eurocên­tri­ca. Quan­do a gente con­sol­i­da o sis­tema de ensi­no no sécu­lo 19 e sécu­lo 20, a gente aca­ba adotan­do esse mapa como padrão e ele aca­ba sendo inseri­do no sis­tema esco­lar. Virou o mapa ofi­cial. Só que não há ape­nas essa maneira de rep­re­sen­tar o mun­do. Essas escol­has depen­dem da visão de mun­do do cartó­grafo”, disse o pesquisador.

O cartó­grafo desta­ca que o novo mapa-mún­di que­bra a visão colo­nial­ista e traz out­ras pos­si­bil­i­dades de visão do mun­do, levan­do para o mapa aque­les que foram invis­i­bi­liza­dos, os país­es do Sul à margem do cen­tro. “Esse mapa quer comu­nicar que o Brasil está hoje no cen­tro do mun­do em relação a inúmeras questões como líder do Brics, líder do Mer­co­sul”, afir­mou Beser.

Mem­bros da Dire­to­ria Exec­u­ti­va Nacional da Asso­ci­ação de Geó­grafas e Geó­grafos Brasileiros, o doutoran­do no Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Geografia na Fac­ul­dade de Ciên­cias e Tec­nolo­gias da Uni­ver­si­dade Estad­ual Paulista (FCT/Unesp) João Pedro Pereira Cae­tano de Lima e a pós-doutoran­da em Geografia na FCT/Unesp Car­oli­na Rus­so Simon dizem que é mais comum encon­trar mapas mundi­ais na pro­jeção de Mer­ca­tor e Robin­son. A pro­jeção de Mer­ca­tor foi elab­o­ra­da em 1569 por Ger­ar­dus Mer­ca­tor (1512–1594) e a de Robin­son foi elab­o­ra­da em 1963 por Arthur Robin­son.

Segun­do os pesquisadores, a primeira pro­jeção fei­ta por Mer­ca­tor foi elab­o­ra­da essen­cial­mente para apoiar a nave­g­ação marí­ti­ma na época das grandes nave­g­ações, sendo apoio como mapa náu­ti­co. Porém, dis­torce as dimen­sões quan­to mais longe for da lin­ha do Equador. Por exem­p­lo, bas­ta obser­var que, em mapas com esta pro­jeção, a Groen­lân­dia parece ter maior taman­ho do que o con­ti­nente africano, o que não é ver­dade. Já a pro­jeção de Robin­son foi elab­o­ra­da para min­i­mizar essas dis­torções men­cionadas, apre­sen­tan­do um maior equi­líbrio entre a for­ma e área dos con­ti­nentes. Essa é inclu­sive, uma pro­jeção muito uti­liza­da em mapas mundi­ais para livros didáti­cos.

“A pro­jeção escol­hi­da pelo IBGE para seu novo mapa-mún­di é a pro­jeção de ECKERT III, apre­sen­ta­da por Max Eck­ert-Greifendorff (1868–1938) em 1906, uma pro­jeção que faz parte de um con­jun­to de seis pro­jeções. É esta que está sendo uti­liza­da pelo IBGE, uma pro­jeção car­tográ­fi­ca ade­qua­da para mapea­men­to temáti­co do mun­do, pois rep­re­sen­ta o globo de for­ma mais equi­li­bra­da, dis­torcendo áreas polares. Ressalta­mos que toda e qual­quer pro­jeção car­tográ­fi­ca pos­suirá dis­torções e não con­seguirá ser com­ple­ta­mente fiel à for­ma dos país­es e às áreas de oceanos e con­ti­nentes. Isto porque a Ter­ra pos­sui um for­ma­to geoidal (arredonda­do, esféri­co, oval­a­do) e, por­tan­to, rep­re­sen­tar o equiv­a­lente a uma esfera em um plano reto neces­si­tará de ajustes”, explicaram os geó­grafos.

Lima e Car­oli­na destacaram que a prin­ci­pal van­tagem deste novo mapa do IBGE é deslo­car o pen­sa­men­to e cen­tralizar a Améri­ca Lati­na, na figu­ra do Brasil, para reforçar um posi­ciona­men­to políti­co de lid­er­ança. “A ori­en­tação “de pon­ta-cabeça” é uma inspi­ração do mapa do artista uruguaio Joaquin Tor­res Gar­cía (1874–1949), que criou um desen­ho de um mapa chama­do ‘A Améri­ca Inver­ti­da’, em 1943. Nes­ta obra de arte, ele propõe exata­mente repen­sar a neces­si­dade de ‘sulear’ nos­sa for­ma de pen­sar o mun­do, como nos ensi­nou o edu­cador Paulo Freire. Cabe lem­brar que o plan­e­ta Ter­ra não pos­sui nen­hu­ma ori­en­tação defini­da. Este mapa do IBGE nos provo­ca a pen­sar: por que é con­ven­cional o Norte estar na parte supe­ri­or? Essa não é uma repos­ta sim­ples”, argu­men­tam os pesquisadores.

Os mem­bros da Asso­ci­ação de Geó­grafas e Geó­grafos Brasileiros citam duas desvan­ta­gens desse novo mapa do IBGE. “O primeiro é sobre a capaci­dade de entendi­men­to do mapa por parte dos leitores, uma vez que esta­mos habit­u­a­dos com o Norte para cima e a Europa ao cen­tro. Em segun­do, pre­cisamos lem­brar que mapas são ‘fer­ra­men­tas dotadas de poder e são capazes de (re)escrever ordens mundi­ais’, para citar o geó­grafo Yves Lacoste. Assim, enten­den­do a capaci­dade dis­cur­si­va dos mapas, algu­mas lid­er­anças podem não gostar des­ta rep­re­sen­tação, exata­mente por expres­sar uma críti­ca a esta história colo­nial que sen­ti­mos na Améri­ca Lati­na e, em espe­cial, no Brasil”, pon­der­aram.

De acor­do com Lima e Car­oli­na, todo mapa reflete o inter­esse políti­co de seu mapeador. Eles destacaram que os mapas não são neu­tros, são fru­to da con­jun­tu­ra políti­ca, econômi­ca e social. Além dis­so, ressaltaram que os mapas mar­cam inter­ess­es hegemôni­cos para dom­i­nação e explo­ração de nações e, atual­mente estas “peças de lin­guagem” estão sendo uti­lizadas como instru­men­tos de luta e de trans­for­mação social, trans­for­man­do o ato de sim­ples­mente se localizar geografi­ca­mente, para se posi­cionar no mun­do. “Dessa for­ma, fica evi­dente que o novo momen­to históri­co que vive­mos e a negação da ciên­cia com afir­mações ter­ra­planistas e de ataque à sobera­nia nacional fazem com que o IBGE posi­cione o Brasil como pro­tag­o­nista deste novo mun­do.”

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