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Idealizar masculinidade afeta toda a sociedade, apontam especialistas

Repro­dução: © Julia Prado/MS

Seminário em Brasília discutiu efeitos do machismo sobre a saúde


Pub­li­ca­do em 14/07/2023 — 18:06 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Jere­mias* é um homem negro, de meia-idade. Con­ven­ci­do de que bus­car aju­da seria uma demon­stração de fraque­za incom­patív­el com o ide­al de mas­culin­idade que con­ce­beu a par­tir do que lhe foi ensi­na­do ao lon­go da vida, ele só foi bater às por­tas de um Cen­tro de Atenção Psi­cos­so­cial (CAPs) do Dis­tri­to Fed­er­al quan­do, desem­pre­ga­do e ven­do as difi­cul­dades se avoluman­do, admi­tiu para si mes­mo que o sofri­men­to psíquico que enfrenta­va tin­ha se tor­na­do per­sis­tente e severo.

Já em trata­men­to, Jere­mias foi entre­vis­ta­do pelo psicól­o­go Fer­nan­do Pes­soa, que fazia sua pesquisa de doutora­do entre home­ns usuários do serviço de saúde men­tal de Brasília. Pes­soa bus­ca­va com­preen­der como o machis­mo inter­fere na vida dos home­ns e na saúde de suas respec­ti­vas famílias. Durante uma con­ver­sa com Jere­mias, o psicól­o­go perce­beu que sua sus­pei­ta tin­ha fun­da­men­to: para muitos home­ns ape­ga­dos ao mod­e­lo hegemôni­co de mas­culin­idade, o próprio adoec­i­men­to é viven­ci­a­do como um fra­cas­so pes­soal e um fator de enfraque­c­i­men­to de suas iden­ti­dades.

“Vários usuários dos CAPs que entre­vis­tei se sen­ti­am à margem deste mod­e­lo. O Jere­mias, por exem­p­lo, disse: ‘Estou desse jeito porque não sou homem. E não sou homem porque estou deixan­do fal­tar coisas. Min­ha esposa falou: ‘Jere­mias, não ten­ho mais fral­das para os meus fil­hos’. O que eu faço? Aqui [no CAPs], eu [Jere­mias] vejo muito cara batal­hador que se sente menos porque não con­segue ban­car a família; não con­segue ser aqui­lo que esper­avam que a gente fos­se. E aí a gente começa a se perder’”, relem­brou Pes­soa, repro­duzin­do a declar­ação de Jere­mias que reg­istrou na sua dis­ser­tação.

O psicól­o­go con­tou o caso nes­ta sex­ta-feira (14), durante um sem­i­nário que o Min­istério da Saúde real­i­zou para pro­mover o debate acer­ca dos efeitos do machis­mo sobre a saúde da pop­u­lação em ger­al. Volta­do prin­ci­pal­mente para gestores públi­cos e profis­sion­ais de saúde, o even­to tam­bém abor­dou as for­mas como as políti­cas públi­cas podem pro­mover maneiras mais saudáveis de as pes­soas viven­cia­rem as diver­sas man­i­fes­tações de mas­culin­idade e fem­i­nil­i­dade.

Atual­mente tra­bal­han­do na Coor­de­nação de Atenção à Saúde do Homem, do Min­istério da Saúde, Pes­soa lem­brou que as pesquisas acadêmi­cas e a práti­ca profis­sion­al são unân­imes ao apon­tar os male­fí­cios da fal­sa ideia de que home­ns devem ser viris, com­pet­i­tivos, prove­dores e aspi­rar a uma rel­a­ti­va invul­ner­a­bil­i­dade.

“Con­forme demon­stram as evidên­cias cien­tí­fi­cas, os home­ns que ado­tam os padrões tradi­cionais de mas­culin­idade têm mais transtornos men­tais, bus­cam menos os serviços de saúde, têm maiores taxas de suicí­dio, se envolvem mais em situ­ações de vio­lên­cia – espe­cial­mente de vio­lên­cia auto­provo­ca­da [autoa­gressões, ten­ta­ti­vas de suicí­dio e suicí­dios]. Eles tam­bém fazem mais uso prej­u­di­cial de álcool e apre­sen­tam maior resistên­cia ao uso de preser­v­a­tivos. Con­se­quente­mente, apre­sen­tam maior incidên­cia de doenças sex­ual­mente trans­mis­síveis. E tam­bém vão ter menor adesão a pro­gra­mas de imu­niza­ção”, elen­cou o psicól­o­go.

A própria Políti­ca Nacional de Atenção Inte­gral à Saúde do Homem, em vig­or des­de 2009, cor­rob­o­ra a opinião de Pes­soa ao esta­b­ele­cer a neces­si­dade de o Poder Públi­co “pro­mover a mudança de par­a­dig­mas no que con­cerne à per­cepção da pop­u­lação mas­culi­na em relação ao cuida­do com a sua saúde e a saúde de sua família”.

Além dis­so, há anos a Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde (OMS) e a Orga­ni­za­ção Pan-Amer­i­cana da Saúde (Opas) vêm apon­tan­do a neces­si­dade de as sociedades dis­cu­tirem a mas­culin­idade, já que, segun­do a Orga­ni­za­ção das Nações Unidas (ONU), “expec­ta­ti­vas soci­ais em relação aos home­ns — de serem prove­dores de suas famílias; terem con­du­tas de risco; serem sex­ual­mente dom­i­nantes e evitarem dis­cu­tir suas emoções ou procu­rar aju­da — estão con­tribuin­do para maiores taxas de suicí­dio, homicí­dio, vícios e aci­dentes de trân­si­to, bem como para o surg­i­men­to de doenças crôni­cas não trans­mis­síveis”.

Pro­fes­so­ra do Depar­ta­men­to de Med­i­c­i­na Pre­ven­ti­va da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP), Már­cia Thereza Couto desta­cou que a con­strução de políti­cas públi­cas deve levar em con­ta a pos­si­bil­i­dade de influ­en­ciar na con­strução de mod­e­los de mas­culin­idades que tragam bene­fí­cios para a saúde e bem-estar não só dos home­ns, mas tam­bém de mul­heres e cri­anças.

“Aqui [no Min­istério da Saúde] é um espaço de gestão muito forte, muito pre­cioso para isso. E já temos, no Brasil e na Améri­ca Lati­na, uma pro­dução de pelo menos duas décadas sobre a com­plex­i­dade do debate em torno do para­doxo dos home­ns que não se respon­s­abi­lizam por sua saúde, não procu­ran­do aju­da, e que são os que mais mor­rem por causas evitáveis.”

Coor­de­nador de Atenção à Saúde do Homem, do Min­istério da Saúde, Celmário Brandão garan­tiu que a pas­ta está empen­ha­da em “prob­lema­ti­zar a condição destes home­ns e das mas­culin­idades apreen­di­das pela sociedade, bem como os reflex­os da questão para o cam­po das políti­cas soci­ais”. Já a coor­de­nado­ra-ger­al de Artic­u­lação do Cuida­do Inte­gral do min­istério, a tam­bém psicólo­ga Grace Fáti­ma de Souza Rosa, desta­cou, ao abrir o sem­i­nário, que “olhar­mos para as diver­sas expressões das mas­culin­idades na nos­sa sociedade é uma for­ma de cuidar­mos da saúde do homem e, através dele, da saúde de toda a sociedade”.

A ínte­gra do vídeo do sem­i­nário está disponív­el no canal do Data­SUS no YouTube.

*Nome fic­tí­cio

Edição: Juliana Andrade

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