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Incêndio no Edifício Joelma mudou regras de segurança predial

Repro­dução: © Bombeiro Mato Grosso do Sul/Divulgação

Hidrantes estavam vazios na hora quando o fogo tomou conta do prédio


Pub­li­ca­do em 01/02/2024 — 07:13 Por Elaine Patri­cia Cruz e Thi­a­go Padovan – Repórteres da Agên­cia Brasil e da TV Brasil — São Paulo

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O incên­dio no Edifí­cio Joel­ma, no cen­tro da cap­i­tal paulista, ocor­ri­do há exatos 50 anos, acabou sendo um grande divi­sor de águas na segu­rança pre­di­al em São Paulo e no Brasil.

O anti­go Edifí­cio Joel­ma, atual­mente chama­do de Edifí­cio Praça da Ban­deira, começou a ser con­struí­do em 1968, ten­do suas obras ter­mi­nadas entre 1971 e 1972, quan­do foi alu­ga­do pelo Ban­co Cre­fisul. A con­strução mod­er­na tem duas tor­res: uma volta­da para a Aveni­da Nove de Jul­ho e out­ra para a Rua San­to Antônio, no cen­tro da cap­i­tal paulista. Entre elas, uma esca­da cen­tral

Do primeiro ao séti­mo andar (que em altura cor­re­sponde ao déci­mo andar) estão os esta­ciona­men­tos. Entre os 11º e 25º andares se encon­tram as salas de escritórios.

Naque­le mês de fevereiro de 1974, quan­do um cur­to-cir­cuito no ar-condi­ciona­do teve iní­cio no 12º andar, o ban­co ain­da esta­va ter­mi­nan­do de se trans­ferir para o local.

“O iní­cio da con­strução do Joel­ma foi em 1968 e ter­mi­nou em 1972. O arquite­to foi o Sal­vador Can­dia, que era muito con­heci­do aqui na cidade de São Paulo. Era um pré­dio que pas­sou por toda questão de alvarás: alvará da prefeitu­ra, alvará do Cor­po de Bombeiros, habite-se. O pré­dio foi entregue em per­fei­ta ordem para a incor­po­ração do Cre­fisul, para que o ban­co pudesse se insta­lar no local”, disse o jor­nal­ista Adri­ano Dolph, autor do livro Fevereiro em Chamas, que con­ta a história de três grandes incên­dios ocor­ri­dos em São Paulo entre os anos 70 e 80, todos, coin­ci­den­te­mente no mês de fevereiro: o Andraus, o Joel­ma e o Grande Aveni­da.

As salas e escritórios no Joel­ma eram peque­nas e sep­a­radas por divisórias, com móveis de madeira, pisos acar­peta­dos e corti­nas. Os andares não tin­ham iso­la­men­to, e na cober­tu­ra havia tel­has de amianto sobre uma estru­tu­ra de madeira.

O Joel­ma não con­ta­va com escadas de emergên­cia ou plano de evac­uação. As lig­ações elétri­c­as foram feitas de for­ma impro­visa­da, por pes­soas que não eram cer­ti­fi­cadas. Todos ess­es fatores asso­ci­a­dos acabaram con­tribuin­do para que, naque­le dia 1º de fevereiro de 1974, o Brasil enfrentasse uma das maiores tragé­dias de sua história: um incên­dio que ter­mi­nou com 181 mor­tos e mais de 300 feri­dos.

“Era uma sex­ta-feira. São Paulo tin­ha uma garoa peque­na, mas fortes ven­tos. E esse foi um dos fatores pre­pon­der­antes para a propa­gação do incên­dio. Os ven­tos propa­garam o incên­dio para os andares supe­ri­ores. Ele se propagou de maneira ver­ti­cal”, expli­cou Dolph.

Para com­ple­tar, o pré­dio não tin­ha briga­da de incên­dio e os hidrantes, naque­le dia, estavam sem água.

“As duas caixas d’água estavam com o reg­istro ger­al fecha­do, ou seja, a água das duas caixas d’água não chegou aos hidrantes. Depois do rescal­do, muitas mangueiras foram vis­tas no pré­dio. As pes­soas ten­taram uti­lizá-las [para con­tro­lar o incên­dio], mas não saiu uma gota de água”, falou Dolph.

Chaminé

A úni­ca esca­da cen­tral trans­for­mou-se em uma cham­iné no dia do incên­dio, o que tornou impos­sív­el que as pes­soas deix­as­sem o pré­dio ou pas­sas­sem de um andar a out­ro. Sem citar que, por ser úni­ca, hou­ve muito tumul­to entre os que subi­am e desci­am os andares , o que difi­cul­tou que a saí­da do pré­dio fos­se fei­ta de for­ma ráp­i­da.

“Não havia pre­ocu­pação nen­hu­ma para situ­ação de emergên­cia. Só havia pre­ocu­pação para o uso da esca­da no dia a dia. Era uma esca­da aber­ta, sem nen­hu­ma pro­teção e sem por­tas cor­ta-fogo, onde as pes­soas pode­ri­am se refu­giar”, disse Rosaria Ono, pro­fes­so­ra da Fac­ul­dade de Arquite­tu­ra e Urban­is­mo da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) e dire­to­ra do Museu Paulista da USP (o Museu do Ipi­ran­ga). Rosaria Ono é tam­bém espe­cial­ista em segu­rança con­tra incên­dios em edifí­cios.

“Out­ra car­ac­terís­ti­ca de edifí­cios desse perío­do eram as fachadas com grandes janelas, que per­mi­ti­am que o incên­dio pas­sasse de um andar para o out­ro pela facha­da. O incên­dio se propagou tan­to pela esca­da quan­to pela facha­da”, acres­cen­tou Rosaria.

O ide­al, segun­do a arquite­ta, era que o edifí­cio con­tasse com uma série de sis­temas de segu­rança como hidrantes, extin­tores, mangueiras com reser­vatório de água, sprin­klers (chu­veiros automáti­cos), alarmes de incên­dio, saí­da de emergên­cia e escadas por­ta-fogo, por exem­p­lo. “Tem uma série de medi­das que hoje são exigi­das nas con­struções. Por isso não há [atual­mente] tan­ta fre­quên­cia de incên­dios em edifí­cios altos”, expli­ca a arquite­ta.

São Paulo (SP), 11/01/2024 - A arquiteta Rosaria Ono, especializada em segurança contra incêndio, fala com a Agência Brasil sobre os 50 anos do incêndio do Edifício Joelma. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: Arquite­ta Rosaria Ono, espe­cial­iza­da em segu­rança con­tra incên­dio, — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Mudanças

Há cinquen­ta anos, o Códi­go de Obras vigente em São Paulo era de 1934 e não havia acom­pan­hado a cres­cente urban­iza­ção e mod­ern­iza­ção da cidade. Foi somente após as duas grandes tragé­dias que ger­aram comoção na cidade — o incên­dio no Edifí­cio Andraus (em 1972) e o do Joel­ma (em 1974) – que começaram a ser feitas mudanças na segu­rança pre­di­al na cap­i­tal paulista.

Seis dias após o incên­dio do Joel­ma, por exem­p­lo, o prefeito de São Paulo, Miguel Colas­suon­no, pub­li­cou o decre­to 10.878 com nor­mas especí­fi­cas para a segu­rança dos edifí­cios na cap­i­tal paulista. O decre­to leg­isla­va sobre rotas de fuga, supri­men­to de água para o com­bate ao fogo, lotação máx­i­ma e uso de mate­r­i­al resistente ao fogo nas escadas. O decre­to tam­bém deter­mi­na­va que os edifí­cios da cap­i­tal dev­e­ri­am implan­tar um sis­tema de chu­veiros automáti­cos con­tra incên­dios (sprinkers). “Na noite do incên­dio, o prefeito de São Paulo botou um decre­to-lei para mudar o códi­go de obras da cidade. Hou­ve mudanças tam­bém den­tro do Cor­po de Bombeiros para treina­men­to, oper­ação e sal­va­men­to após ofi­ci­ais da cor­po­ração terem lit­eral­mente colo­ca­do a boca no trom­bone para recla­mar que o órgão era mal apar­el­ha­do”, rela­ta Dolph.

Naque­le mes­mo ano, foram retoma­dos os debates para revis­ar o Códi­go de Obras de São Paulo e foi cri­a­da a Coor­de­nado­ria de Con­t­role e Uso de Imóveis (Con­tru), órgão que atua na pre­venção e fis­cal­iza­ção de insta­lações e sis­temas de segu­rança de edi­fi­cações do municí­pio de São Paulo.

“Mes­mo assim, o Códi­go de Obras não impediu que out­ra tragé­dia acon­te­cesse [na cidade]: o incên­dio no Edifí­cio Grande Aveni­da [ocor­ri­do em 1981, na Aveni­da Paulista]”, acres­cen­tou o jor­nal­ista.

Atual­mente, além de uma leg­is­lação local, a Asso­ci­ação Brasileira de Nor­mas Téc­ni­cas (ABNT) e o Códi­go de Defe­sa do Con­sum­i­dor tam­bém pre­veem nor­mas de pre­venção a incên­dio em edifí­cios.

Essas mudanças, mais tarde, pas­saram a ser ado­tadas no próprio Edifí­cio Joel­ma. Após o incên­dio e já refor­ma­do e nomea­do Edifí­cio Praça da Ban­deira, o pré­dio pas­sou a ter nor­mas de segu­rança e de ocu­pação mais rígi­das. “Uma esca­da exclu­si­va de incên­dio foi con­struí­da. Ele tam­bém tem uma equipe de briga­da de incên­dio. O reser­vatório das caixas d’água estão com reg­istro aber­to e há sis­tema de evac­uação. Ele ago­ra atende as nor­mas gerais”, desta­ca Dolph.

Cultura de prevenção

Ape­sar dessas tragé­dias terem muda­do a reg­u­la­men­tação pre­di­al e tam­bém aper­feiçoa­do e mod­ern­iza­do os sis­temas de segu­rança exis­tentes, o Brasil, infe­liz­mente, ain­da não tem uma cul­tura de pre­venção como se obser­va em país­es como o Japão, onde pas­sageiros con­seguiram deixar rap­i­da­mente e em segu­rança um avião em chamas.

“Os país­es mais desen­volvi­dos têm a cul­tura de faz­er treina­men­to de evac­uação de pré­dio tan­to nas esco­las quan­to nas empre­sas. Isso é feito duas, três, qua­tro vezes por ano. As pes­soas são um pouco já condi­cionadas [a rea­girem a situ­ações de emergên­cia]”, expli­ca Rosaria.

“Esta­mos há um tem­po ten­tan­do imple­men­tar isso nas esco­las brasileiras, só que depende de toda uma reg­u­la­men­tação. Temos que ter uma cul­tura de pre­venção, as pes­soas pre­cisam ter um mín­i­mo de treina­men­to [para enfrentar esse tipo de situ­ação]”, acres­cen­ta.

TV Brasil preparou um espe­cial sobre os 50 anos do incên­dio do Joel­ma, que vai ao ar no Cam­in­hos da Reportagem, no dia 4 de fevereiro, às 22h

Edição: Aline Leal

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