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Influenciadores faturam alto com vídeos misóginos no YouTube

Pesquisadores do NetLab analisaram 76,3 mil vídeos

Alex Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 13/12/2024 — 17:59
Brasília
Fraude, golpe, cibercrime, telefone celular- Idec aponta fragilidades na segurança de aplicativos de bancos. Foto: rawpixel.com / Chanikarn Thongsupa
Repro­dução: © rawpixel.com / Chanikarn Thong­su

O dis­cur­so mis­ógi­no se tornou um negó­cio lucra­ti­vo para alguns influ­en­ci­adores dig­i­tais. A con­clusão é do grupo de pesquisadores do Obser­vatório da Indús­tria da Desin­for­mação e Vio­lên­cia de Gênero nas Platafor­mas Dig­i­tais, do Net­Lab da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (UFRJ). Os estu­diosos anal­is­aram mil­hares de vídeos com con­teú­dos mis­ógi­nos pub­li­ca­dos no YouTube e ates­taram: ali­men­tadas por um dis­cur­so vitimista con­trário à luta por igual­dade de gênero, as chamadas redes mas­culin­istas não só estim­u­lam e nat­u­ral­izam a vio­lên­cia de gênero, como fat­u­ram com a divul­gação do ódio às mul­heres.

Com o apoio do Min­istério das Mul­heres e empre­gan­do recur­sos com­puta­cionais, os pesquisadores do Net­Lab anal­is­aram 76,3 mil vídeos que, jun­tos, total­izam quase 4 bil­hões de visu­al­iza­ções e 23 mil­hões de comen­tários. Deste total, os estu­diosos sele­cionaram 137 canais do YouTube cujo con­teú­do clas­si­ficaram como “explici­ta­mente mis­ógi­no” para ver­i­ficar, em ter­mos qual­i­ta­tivos, as estraté­gias de dis­cur­so e de mon­e­ti­za­ção usadas pelos respon­sáveis por estes canais que, em con­jun­to, pub­licaram mais de 105 mil vídeos nos últi­mos seis anos. O resul­ta­do con­s­ta do relatório “Apren­da a evi­tar ‘este tipo’ de mul­her: estraté­gias dis­cur­si­vas e mon­e­ti­za­ção da mis­oginia no YouTube”, divul­ga­do nes­ta sex­ta-feira (13).

“Um dos grandes desafios é definir o que é mis­oginia. Inclu­sive para a toma­da de qual­quer ati­tude para bar­rar a dis­sem­i­nação dess­es dis­cur­sos”, disse Luciane Belin, uma das coor­de­nado­ras da pesquisa, ao apre­sen­tar aos jor­nal­is­tas os prin­ci­pais resul­ta­dos do relatório. No relatório, mis­oginia com­preende não só o ódio man­i­festo con­tra mul­heres, mas toda for­ma de despre­zo, aver­são e ten­ta­ti­va de con­t­role por meio do estí­mu­lo de sujeição e jus­ti­fi­cação da vio­lên­cia con­tra a mul­her.

“Ten­ta­mos olhar para esse con­ceito de for­ma mais ampla para abar­car todas essas expressões”, acres­cen­tou Luciane, admitin­do que as próprias platafor­mas dig­i­tais podem, em algu­mas situ­ações, ter difi­cul­dades para iden­ti­ficar con­teú­dos mis­ógi­nos, já que este pode ser vela­do ou dis­farça­do com o emprego de out­ros recur­sos dis­cur­sivos, como um pre­ten­so humor. “Há difer­entes tipos de dis­cur­sos [mis­ógi­nos]. Des­de aque­les em que os home­ns pregam que out­ros home­ns não se rela­cionem com mul­heres em hipótese algu­ma, àque­les que [recomen­dam que] destru­am o ego das mul­heres, explo­ran­do as vul­ner­a­bil­i­dades resul­tantes da redução da autoes­ti­ma etc”,

“O que nos­sa pesquisa mostra é que, no YouTube, os influ­en­ci­adores mis­ógi­nos fazem gen­er­al­iza­ções a par­tir de deter­mi­na­dos per­fis de mul­heres […] como profis­sões, gru­pos soci­ais e raci­ais. Um exem­p­lo: há muitos vídeos ata­can­do mães solteiras, falan­do que [os home­ns] não devem se rela­cionar com estas mul­heres porque, em ger­al, elas estari­am ape­nas bus­can­do pais para os fil­hos de out­ros home­ns”, acres­cen­tou Luciane, expli­can­do que muitas dessas men­sagens são dis­farçadas de “desen­volvi­men­to pes­soal mas­culi­no”.

Os pesquisadores decidi­ram con­cen­trar seus esforços no YouTube dev­i­do à pop­u­lar­i­dade da platafor­ma no Brasil, onde tem cer­ca de 142 mil­hões de usuários e responde por cer­ca de 15% de toda a pro­dução audio­vi­su­al con­sum­i­da pelos brasileiros, per­den­do ape­nas para a Globo. Para a dire­to­ra do Net­Lab, Marie San­ti­ni, a divul­gação de men­sagens de ódio con­tra as mul­heres e a mon­e­ti­za­ção deste tipo de con­teú­do não se limi­ta à platafor­ma.

“Não fize­mos um estu­do, mas imag­i­no que seja pos­sív­el encon­trar um cenário equiv­a­lente, ou não muito difer­ente, em out­ras platafor­mas, já que todas elas têm o mes­mo mod­e­lo de negó­cios [basea­do] na ten­ta­ti­va de atrair e reter o usuário pelo máx­i­mo de tem­po pos­sív­el, mon­e­ti­zan­do [fat­u­ran­do] com [a ven­da de] anún­cios”, comen­tou Marie, asse­gu­ran­do que o vol­ume deste tipo de men­sagens vem aumen­tan­do nos últi­mos anos – os vídeos anal­isa­dos com­preen­dem o perío­do entre 2018 e 2024, sendo que 88% deles foram pub­li­ca­dos a par­tir de 2021 – o que coin­cide com a cres­cente vio­lên­cia con­tra as mul­heres.

Neste con­jun­to, a temáti­ca antifem­i­nista respon­deu por 62 mil visu­al­iza­ções. Os pesquisadores iden­ti­ficaram estraté­gias asso­ci­adas à defe­sa da tese de que mul­heres pre­cisam ser con­tro­ladas e ter sua atu­ação públi­ca lim­i­ta­da. E cal­cu­laram que 66% dos canais anal­isa­dos defen­d­em que o sexo biológi­co é definidor do com­por­ta­men­to das pes­soas, enquan­to 15% enco­ra­jam, rel­a­tivizam ou jus­ti­fi­cam abu­sos e vio­lên­cias con­tra as mul­heres. Ao se apro­fun­dar na análise qual­i­ta­ti­va, os pesquisadores se depararam com vídeos que, a pre­tex­to de “ensi­nar téc­ni­cas de sedução” para out­ros home­ns, divul­gam estraté­gias de manip­u­lação e vio­lên­cia psi­cológ­i­ca e estim­u­lam o uso de aplica­tivos de espi­onagem para o mon­i­tora­men­to de mul­heres.

“As platafor­mas dizem nos seus ter­mos de uso que não per­mitem este tipo de con­teú­do, mas, na práti­ca, esta­mos ven­do que este con­teú­do flo­resce e é mon­e­ti­za­do, haven­do todo um ecos­sis­tema que se autossus­ten­ta, geran­do din­heiro, lucro, não só para os cri­adores de con­teú­do, como para as próprias platafor­mas”, acres­cen­tou a dire­to­ra do Net­Lab, afir­man­do que cer­ca de 80% dos canais anal­isa­dos recebem, do YouTube, din­heiro obti­do com a divul­gação de pub­li­ci­dade.

“Fora isso, ess­es pro­du­tores de con­teú­do cri­aram novas for­mas alter­na­ti­vas de mon­e­ti­za­ção, como os pedi­dos de doação e trans­fer­ên­cia bancária, espe­cial­mente por PIX e crip­to­moedas – e aí deve haver uma série de fraudes e com­pli­cações; divul­gação de sites para a ven­da de pro­du­tos e serviços como e‑books, cur­sos, con­sul­to­ria, crian­do uma deman­da pela mis­oginia enquan­to pro­du­to a ser com­er­cial­iza­do”, comen­tou Marie, acres­cen­tan­do que 28% dos canais tam­bém uti­lizam platafor­mas de finan­cia­men­to cole­ti­vo (crowd­fund­ing).

Para preser­var a inte­gri­dade dos mem­bros do Net­Lab e não dar pub­li­ci­dade aos canais de con­teú­do mis­ógi­no, os pesquisadores decidi­ram não iden­ti­ficar vídeos e os nomes dos influ­en­ci­adores anal­isa­dos.

Pre­sente à divul­gação do relatório da pesquisa, a min­is­tra das Mul­heres, Cida Gonçalves, voltou a defend­er a urgên­cia da neces­si­dade da reg­u­la­men­tação das redes soci­ais. “Pre­tendemos faz­er um diál­o­go para den­tro do Par­la­men­to e for­t­ale­cer o debate que está ten­do no STF [Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al], para a questão da reg­u­la­men­tação. Pre­cisamos reg­u­lar ao máx­i­mo o dis­cur­so de ódio. Por out­ro lado, pre­cisamos debater com a sociedade, faz­er com que out­ros atores [soci­ais] que não estão [par­tic­i­pan­do] do debate do enfrenta­men­to da vio­lên­cia con­tra as mul­heres e que [muitas vezes] sequer percebem o que está acon­te­cen­do este­jam ao nos­so lado. Tam­bém pre­cisamos dis­putar os con­teú­dos nes­tas redes soci­ais, con­stru­in­do out­ros tipos de con­teú­do. Tam­bém quer­e­mos dis­cu­tir com o YouTube e com as redes soci­ais que estão favore­cen­do este tipo de dis­cur­so, prin­ci­pal­mente a questão de remu­ner­arem a divul­gação do con­teú­do de ódio”.

Em nota à Agên­cia Brasil, o YouTube infor­mou que não foi procu­ra­do pelo Net­Lab durante a pesquisa e que “o relatório pub­li­ca­do não apre­sen­ta quais canais e vídeos foram uti­liza­dos como base para o estu­do, o que impos­si­bili­ta o YouTube de avaliar os con­teú­dos à luz de suas políti­cas e de comen­tar sobre os resul­ta­dos”.

“Todos os con­teú­dos no YouTube pre­cisam seguir nos­sas Dire­trizes de Comu­nidade, con­jun­to de regras que descrevem o que é per­mi­ti­do ou não na platafor­ma. Con­ta­mos com uma com­bi­nação de inteligên­cia de máquina, revi­sores humanos e denún­cias de usuários para iden­ti­ficar mate­r­i­al sus­peito”, diz a empre­sa, ressaltan­do que o dis­cur­so de ódio é proibido. “Remove­mos con­teú­do que pro­mo­va a vio­lên­cia ou o ódio con­tra indi­ví­du­os ou gru­pos com base em algu­mas car­ac­terís­ti­cas, entre elas a iden­ti­dade e expressão de gênero e ori­en­tação sex­u­al”, desta­ca.

Segun­do a empre­sa, de janeiro a setem­bro deste ano, mais de 511 mil vídeos foram removi­dos por des­cumprirem as dire­trizes da platafor­ma e incitarem o dis­cur­so de ódio.

* Tex­to atu­al­iza­do às 21h01 para inclusão do posi­ciona­men­to do YouTube

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