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Invisibilidade feminina persiste na literatura, afirma escritora

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Vestibular da Fuvest terá lista obrigatória com obras de mulheres


Publicado em 12/08/2024 — 08:23 Por Elaine Patrícia Cruz — Enviada especial — Salvador

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A par­tir de 2026, a Fun­dação Uni­ver­sitária para o Vestibu­lar (Fuvest), respon­sáv­el pela seleção para ingres­so na Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP), vai ter pela primeira vez na história uma lista de leitu­ra obri­gatória só com obras escritas por mul­heres autoras da lín­gua por­tugue­sa. Essa ini­cia­ti­va, diz a USP, se jus­ti­fi­ca pela neces­si­dade de val­orizar o papel das mul­heres na lit­er­atu­ra, não ape­nas como per­son­agens, mas como autoras.

Na ocasião do anún­cio, ocor­ri­do no ano pas­sa­do, a pres­i­dente do Con­sel­ho Curador da Fuvest e vice-reito­ra da USP, Maria Armin­da do Nasci­men­to Arru­da, jus­ti­fi­cou a decisão dizen­do que muitas dessas escritoras “foram alvo de décadas de invis­i­bil­i­dade pelo fato de serem mul­heres”.

Para a fun­dado­ra e coor­de­nado­ra do Escre­va, garo­ta!, um grupo de apoio, enga­ja­men­to e capac­i­tação para mul­heres que escrevem, Lel­la Mal­ta, a invis­i­bil­i­dade fem­i­ni­na na lit­er­atu­ra ain­da é muito pre­sente na sociedade brasileira. “O apaga­men­to da escri­ta de mul­heres é um fenô­meno que ain­da existe”, disse ela, em entre­vista à Agên­cia Brasil durante a Fes­ta Literária Inter­na­cional do Pelour­in­ho (Flipelô), em Sal­vador.

“Achamos que acabou, mas é só olhar nas prateleiras para ver que a gente ain­da lê mais home­ns. Os próprios even­tos do mer­ca­do edi­to­r­i­al fazem isso [val­orizam mais a escri­ta fei­ta por home­ns]. E nós, mul­heres, temos uma coisa ali da autoss­ab­o­tagem, achan­do que nun­ca somos o bas­tante. Acho que temos que tra­bal­har essa mul­her, essa futu­ra escrito­ra, para que ela ten­ha cor­agem, mais autoes­ti­ma e que chegue nesse mer­ca­do mais profis­sion­al. A escri­ta é um instru­men­to de empodera­men­to fem­i­ni­no e essa é a ban­deira que a gente lev­an­ta den­tro do pro­je­to”, expli­cou.

Para ela, o ato de escr­ev­er car­rega muitos sim­bolis­mos e sig­nifi­ca­dos para a mul­her. “A escri­ta estende nos­sa existên­cia. Acho isso tão boni­to — a gente deixar algo para essas mul­heres que estão vin­do depois, como tan­tas já deixaram pra gente. E tam­bém traz autoes­ti­ma. Muitas vezes, a mul­her gan­ha uma profis­são den­tro desse mer­ca­do edi­to­r­i­al, não só como escrito­ra, mas às vezes como revi­so­ra, preparado­ra de tex­to, edi­to­ra. Além dis­so, colo­car a nos­sa visão de mun­do é impor­tante. Durante tan­to tem­po a gente viu os home­ns falan­do como nós somos e o que nós sen­ti­mos. Mas acho que ago­ra é a nos­sa vez de diz­er: bom, não é aqui­lo ali não, a gente é um pouquin­ho difer­ente do que vocês viram”, acres­cen­tou.

Salvador (BA), 08-08-2024 - Programação infantil do espaço Mabel Velloso durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho - Flipelô, no Largo das Artes. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: Sal­vador (BA), 8–8‑2024 — Pro­gra­mação infan­til do espaço Mabel Vel­loso durante a Fes­ta Literária Inter­na­cional do Pelour­in­ho — Flipelô — Foto Rove­na Rosa/Agência Brasil

Durante a Flipelô, encer­ra­da nesse domin­go (11), o grupo Escre­va, garo­ta! criou um espaço para dis­cu­tir a lit­er­atu­ra fem­i­ni­na e pro­mover os tra­bal­hos que estão sendo desen­volvi­dos por escritoras que fazem parte do cole­ti­vo. Entre elas está Anto­nia Maria da Sil­va, auto­ra de Sobre Ven­tos Pas­sa­dos. Em entre­vista à reportagem, ela con­tou que escreve des­de os 17 anos, mas que somente há dois anos se lançou no mer­ca­do literário, com a aju­da da fil­ha, que desco­briu alguns de seus escritos escon­di­dos pela casa.

“A liber­dade de escr­ev­er é uma coisa que foi nega­da a muitas mul­heres até bem pouco tem­po. Então, essa foi uma difi­cul­dade [que encon­trei]. Mas min­ha avó foi min­ha grande fonte de inspi­ração e hoje eu, na condição de mul­her negra, baiana e com cabe­los grisal­hos, come­cei nes­sa nova seara”, con­tou. “Esse é um desafio que escu­ta­mos ao lon­go da vida: de que o lugar da mul­her é ficar em casa, cuidan­do de fil­ho e de mari­do. E, na ver­dade, eu me con­sidero uma exce­lente mãe, mas a min­ha mater­nidade não me impediu de eu ser pro­tag­o­nista da min­ha própria história”, disse a auto­ra baiana.

Para Anto­nia, a lit­er­atu­ra fem­i­ni­na é impor­tante para dar voz às mul­heres. “No pas­sa­do, era proibido a gente falar, inclu­sive de sen­ti­men­tos e do próprio praz­er. A gente tin­ha que escon­der tudo para não ser con­sid­er­a­da mul­her da vida, uma mul­her, entre aspas, vadia, sem val­or. E, no momen­to em que eu me sin­to aber­ta e me foi dada essa opor­tu­nidade de colo­car as emoções para fora e de com­par­til­har sen­ti­men­tos e pen­sa­men­tos com a sociedade, vejo como grande tri­un­fo. É como se eu estivesse, de cer­ta for­ma, brin­dan­do o que os meus antepas­sa­dos começaram e não con­seguiram. É como se eu estivesse tam­bém dan­do voz aos meus antepas­sa­dos”, afir­mou.

A escrito­ra Gil Lourenço, auto­ra de O Sal do Amor, seu primeiro livro solo, diz que escr­ev­er tam­bém é uma for­ma de empodera­men­to. “Escr­ev­er me real­i­zou. Sou edu­cado­ra e não me imag­i­na­va nesse uni­ver­so, mas uma vez que a por­ta se abriu, desco­bri tan­ta beleza e apren­diza­do que cada vez mais me apaixono. Isso mudou a min­ha vida com­ple­ta­mente. Hoje, falo pra todos de como eu enx­er­go o mun­do, como eu me sin­to no mun­do, como eu me rep­re­sen­to e como sou rep­re­sen­ta­da por out­ras mul­heres. Escr­ev­er empodera e, pub­licar, mais ain­da”.

Para Gil, não bas­ta que a mul­her escre­va. Tam­bém é impor­tante que mul­heres leiam out­ras mul­heres. “Ler a mul­her é cri­ar uma rede de apoio, Temos que nos for­t­ale­cer enquan­to gênero, porque esta­mos nes­sa luta sem­pre históri­ca e não seria difer­ente no mer­ca­do edi­to­r­i­al. Se nós nos for­t­ale­cer­mos vai ser muito mel­hor”.

Pesquisa

Nathalia de Oliveira escreveu o livro [i] de Injúria com base em sua pesquisa de mestra­do chama­da “Cor­pos injuri­a­dos na esco­la, prob­lema­ti­za­ções para o ensi­no de Filosofia”, desen­volvi­da na Uni­ver­si­dade Fed­er­al do ABC (UFABC) e que rece­beu menção hon­rosa no Prêmio Capes de Teses e Dis­ser­tações de 2022.

Por meio desse tra­bal­ho, desen­volvi­do na comu­nidade esco­lar de insti­tu­ições públi­cas da per­ife­ria de São Bernar­do do Cam­po (SP), ela foi perceben­do as difi­cul­dades que as mul­heres encon­tram no dia a dia e que acabam transcor­ren­do tam­bém pelo mun­do literário. “Como estou em sala de aula, em princí­pio a pesquisa aparece com as meni­nas ques­tio­nan­do algu­mas pos­turas no espaço e aí a gente começa a enten­der que pos­turas são essas e a escri­ta per­pas­sa todo o tra­bal­ho”, expli­cou.

Entre as difi­cul­dades encon­tradas por essas mul­heres, disse ela, está a fal­ta de espaço. “Muitas vezes, a gente é menospreza­da, a escri­ta talvez não é aqui­lo que alguns esper­am. A escri­ta das mul­heres sem­pre foi vista como algo menor e temos tra­bal­ha­do isso, sobre­tu­do em sala de aula, para mostrar a potên­cia e a importân­cia dessas escritas, como car­tas e diários, e como isso trans­for­ma real­i­dades, espaços e o mun­do, de cer­to modo”.

Para enfrentar essas difi­cul­dades, afir­mou Nathalia, é pre­ciso que as mul­heres encon­trem espaços ou pes­soas aber­tas a esse diál­o­go. “É pre­ciso encon­trar espaço como esse aqui [o Escre­va, garo­ta!] que é um cole­ti­vo de mul­heres. Encon­tre ess­es espaços, out­ras mul­heres ou pes­soas que te incen­ti­vam. Incen­tive uns aos out­ros, escrevam jun­tas, par­ticipem dess­es cole­tivos, porque são espaços para a gente poder ser quem somos e con­stru­ir”, con­cluiu.

A dis­ser­tação de mestra­do Cor­pos Injuri­a­dos na Esco­la: prob­lema­ti­za­ções para o ensi­no de Filosofia pode ser aces­sa­da aqui.

*A repórter e a fotó­grafa via­jaram a con­vite do Insti­tu­to CCR, patroci­nador da Flipelô.

Edição: Graça Adju­to

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