...
terça-feira ,29 abril 2025
Home / Noticias / Iphan apresenta propostas para recuperar o Cais do Valongo

Iphan apresenta propostas para recuperar o Cais do Valongo

Repro­dução: © 28 16:58:46

Sítio arqueológico pode perder título de Patrimônio Mundial


Pub­li­ca­do em 11/02/2023 — 16:22 Por Rafael Car­doso – Repórter da TV Brasil — Rio de Janeiro

ouvir:

O Insti­tu­to do Patrimônio Históri­co e Artís­ti­co Nacional (Iphan) pre­tende retomar os tra­bal­hos de recu­per­ação do Cais do Val­on­go, no Rio de Janeiro (RJ), local que detém o títu­lo de Patrimônio Mundi­al aprova­do pela Orga­ni­za­ção das Nações Unidas para a Edu­cação, a Ciên­cia e a Cul­tura (Unesco). O insti­tu­to apre­sen­tou uma série de pro­postas para a preser­vação e val­oriza­ção do sítio arque­ológi­co e uma das pri­or­i­dades, segun­do nota envi­a­da à reportagem da Agên­cia Brasil, é resta­b­ele­cer o Comitê Gestor Par­tic­i­pa­ti­vo do Sítio Arque­ológi­co Cais do Val­on­go, que foi extin­to em 2019. 

“O obje­ti­vo é mapear novos atores e desen­har a estru­tu­ra de opera­cional­i­dade, visan­do maior rep­re­sen­ta­tivi­dade e garan­tia de proces­sos de escu­ta e diál­o­go com a sociedade civ­il. A recri­ação do comitê é um com­pro­mis­so fir­ma­do pelo Brasil per­ante a Unesco. Emb­o­ra ofi­cial­mente o comitê ain­da não ten­ha sido resta­b­ele­ci­do, a nova Dire­to­ria Cole­gia­da do Iphan já ini­ciou as trata­ti­vas para retomar suas ativi­dades”, diz a nota.

Out­ra medi­da pro­pos­ta pelo Iphan é a implan­tação do Cen­tro de Refer­ên­cia da Cel­e­bração da Her­ança Africana, no pré­dio das Docas Pedro II. O pro­je­to visa empreen­der a cri­ação de um cen­tro de acol­hi­men­to turís­ti­co e espaço de reflexão sobre a importân­cia do lega­do do povo afrode­scen­dente na cul­tura das Améri­c­as.

Para con­cluir essa pro­pos­ta, o Iphan con­sid­era fun­da­men­tais as parce­rias com a Fun­dação Cul­tur­al Pal­mares e o Ban­co Nacional de Desen­volvi­men­to Econômi­co e Social (BNDES). No iní­cio da sem­ana, o novo pres­i­dente do ban­co, Aloizio Mer­cadante, anun­ciou que vai apoiar a con­strução de um museu sobre a história da escravidão no local. No pro­je­to ini­cial, esta­va pre­vista tam­bém a insta­lação no pré­dio do Lab­o­ratório Aber­to de Arque­olo­gia Urbana (LAAU), que abri­ga cer­ca de 1,3 mil­hão de peças arque­ológ­i­cas res­gatadas durante as obras de revi­tal­iza­ção da zona por­tuária. As peças estão sob guar­da da prefeitu­ra, mas o pré­dio requer obras da Fun­dação Pal­mares para que o cen­tro seja implan­ta­do, as peças cat­a­lo­gadas e expostas.

Cais do Valongo

No dia 10 de março vai com­ple­tar 6 anos que o Cais do Val­on­go, na região por­tuária do Rio de Janeiro, teve o relatório de inscrição à cat­e­go­ria de Patrimônio Mundi­al aprova­do pela Unesco. O títu­lo foi ofi­cial­iza­do em 9 de jul­ho do mes­mo ano. Mas o recon­hec­i­men­to inter­na­cional do sítio arque­ológi­co, con­sid­er­a­do o prin­ci­pal por­to de entra­da de africanos escrav­iza­dos no Brasil e nas Améri­c­as, não foi sufi­ciente para sen­si­bi­lizar o poder públi­co nos anos seguintes. O local hoje pre­cisa de obras de revi­tal­iza­ção, con­ser­vação e sinal­iza­ção.

Caso a situ­ação não mude, há o risco de o Cais do Val­on­go perder o títu­lo obti­do em 2017. Na época, o gov­er­no fed­er­al assum­iu uma série de com­pro­mis­sos com a Unesco para preser­var o bem cul­tur­al e o entorno dele em até três anos: além das mel­ho­rias estru­tu­rais, estavam pre­vis­tas a exposição do acer­vo encon­tra­do no local em um memo­r­i­al e a cri­ação de um Comitê Gestor, com par­tic­i­pação da sociedade civ­il.

“A apre­sen­tação da can­di­datu­ra do sítio arque­ológi­co do Cais do Val­on­go a Patrimônio Mundi­al foi o mais impor­tante gesto feito pelo Esta­do brasileiro para recon­hecer a sua dívi­da com os povos africanos e para val­orizar a matriz africana da pop­u­lação”, disse o antropól­o­go Mil­ton Guran, um dos respon­sáveis pelo dos­siê entregue à Unesco, desta­can­do a importân­cia históri­ca do ato.

Guran entende que o aban­dono da região, espe­cial­mente nos últi­mos qua­tro anos, fez parte de um pro­je­to políti­co bem definido. “Não foi só o aban­don­a­do. O Cais foi delib­er­ada­mente sab­o­ta­do no seu poder trans­for­mador de val­oriza­ção da matriz africana. Foi inten­cional, com­ple­ta­mente plane­ja­do, uma políti­ca de esta­do. Ela está explíci­ta no dis­cur­so do gov­er­no fed­er­al ante­ri­or”.

Denúncias

O Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF) começou a atu­ar no caso para pres­sion­ar o cumpri­men­to das ações acor­dadas com a Unesco. Audiên­cias públi­cas foram real­izadas anual­mente para dis­cu­tir o assun­to. O pas­so seguinte foi entrar com ações judi­ci­ais. Duas delas ain­da estão em anda­men­to e focam em dois espaços: o sítio arque­ológi­co Cais do Val­on­go e o pré­dio Docas Pedro II/André Rebouças.

O primeiro está sob respon­s­abil­i­dade do Iphan. No proces­so ini­ci­a­do em 2021, o MPF pede a insta­lação e o fun­ciona­men­to do Comitê Gestor do Sítio Arque­ológi­co do Cais do Val­on­go e a elab­o­ração do plano de gestão do sítio, extin­to por decre­to pres­i­den­cial em 2019.

O Docas Pedro II/André Rebouças esta­va sob admin­is­tração da ONG Ação da Cidada­nia até 2018. Naque­le ano, o MPF entrou com uma ação pedin­do a rein­te­gração de posse do pré­dio pela União. A jus­ti­fica­ti­va era a de que ele esta­va sendo alu­ga­do ile­gal­mente pela ONG para fes­tas e fil­ma­gens, com o patrocínio de mar­cas com­er­ci­ais. A Justiça acol­heu a denún­cia.

A guar­da pro­visória do pré­dio pas­sou para a Fun­dação Cul­tur­al Pal­mares em agos­to de 2021. O con­tra­to de uso defin­i­ti­vo foi assi­na­do em novem­bro de 2022. No proces­so aber­to em 2018 pelo MPF, tam­bém con­s­ta o pedi­do para que seja insta­l­a­do no local o Cen­tro de Inter­pre­tação do Cais do Val­on­go, um espaço que reú­na infor­mações educa­ti­vas e turís­ti­cas sobre a história do anti­go por­to escrav­ista.

Rio de Janeiro - O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravos nas Américas é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Repro­dução: O Cais do Val­on­go, prin­ci­pal por­to de entra­da de escravos nas Améri­c­as é recon­heci­do como Patrimônio da Humanidade pela Unesco  — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Mudanças

Com as mudanças no coman­do das duas insti­tu­ições vin­cu­ladas ao Min­istério da Cul­tura, novas con­ver­sas foram ini­ci­adas para ten­tar resolver os prob­le­mas. Na sem­ana pas­sa­da, rep­re­sen­tantes do MPF se reuni­ram com o pres­i­dente do Iphan, Lean­dro Grass, para retomar as ações de recu­per­ação e refor­ma do Cais do Val­on­go. O procu­rador da Repúbli­ca Ser­gio Gar­denghi Suia­ma, que acom­pan­ha o caso des­de o iní­cio, avaliou o encon­tro como pos­i­ti­vo.

“Con­seguimos dialog­ar com o Iphan, de fato, pela primeira vez em qua­tro anos. Na reunião, pudemos debater os prob­le­mas e as urgên­cias rela­cionadas ao Cais do Val­on­go. Ago­ra, é pre­ciso ir além das boas intenções e tirar do papel os pro­je­tos de refor­ma e de estru­tu­ração do local”, disse o procu­rador.

A Fun­dação Pal­mares infor­mou que pas­sa por um proces­so de tran­sição, com uma dire­to­ria inte­ri­na. A nomeação do novo pres­i­dente, João Jorge Rodrigues, é aguarda­da para os próx­i­mos dias. Sobre o uso do imóv­el Docas Pedro II, a fun­dação diz que está em fase de trata­ti­vas com todos os envolvi­dos, como o Iphan, a prefeitu­ra do Rio e o Min­istério Públi­co Fed­er­al. Em relação às ações do MPF, a Pal­mares afir­ma que respei­ta as deter­mi­nações da Justiça e que há diver­sos proces­sos admin­is­tra­tivos em trami­tação no âmbito inter­no.

História

O Cais do Val­on­go foi con­struí­do em 1811 para rece­ber africanos escrav­iza­dos, que entravam no Brasil pelo por­to do Rio de Janeiro. His­to­ri­adores esti­mam que, por ali, pode ter desem­bar­ca­do 1 mil­hão de africanos até 1831, perío­do em que o trá­fi­co transatlân­ti­co de pes­soas foi ofi­cial­mente proibido.

His­tori­ca­mente, pode-se falar em suces­si­vas ten­ta­ti­vas de apaga­men­to dessa memória. As primeiras, de caráter dire­to, com inter­venções urbanas que soter­raram o lugar. Em 1843, o cais de pedra deu lugar a um novo lugar de desem­bar­que, plane­ja­do para rece­ber a prince­sa napoli­tana Tereza Cristi­na de Bour­bon, esposa do Imper­ador Dom Pedro II. Em 1911, no perío­do repub­li­cano, refor­mas acres­cen­taram um novo nív­el de calça­men­to para abri­gar a Praça Jor­nal do Com­mer­cio.

A redescober­ta do Cais do Val­on­go acon­te­ceu em 2011, durante o pro­je­to Por­to Mar­avil­ha, desen­volvi­do pela Prefeitu­ra do Rio para revi­talizar a região. Entre 2013 e 2014, foi elab­o­ra­do o dos­siê de can­di­datu­ra do sítio arque­ológi­co a Patrimônio Mundi­al da Humanidade. O recon­hec­i­men­to veio em 2017, com a con­fir­mação do títu­lo pela Orga­ni­za­ção das Nações Unidas para a Edu­cação, a Ciên­cia e a Cul­tura (Unesco). O Cais foi descrito como “a mais impor­tante evidên­cia físi­ca asso­ci­a­da à chega­da históri­ca de africanos escrav­iza­dos no con­ti­nente amer­i­cano”.

Edição: Fábio Mas­sal­li

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Mendonça diverge em julgamento e vota pela soltura de Collor

Placar está em 6 a 1 pela manutenção da prisão André Richter — Repórter da …