...
quarta-feira ,26 março 2025
Home / Justiça / Irmão de sem-terra desaparecido quer justiça via Corte Internacional

Irmão de sem-terra desaparecido quer justiça via Corte Internacional

Repro­dução: © CPT Nordeste/Divulgação

Tribunal julga hoje se o Brasil é culpado no desaparecimento de Almir


Pub­li­ca­do em 09/02/2024 — 06:43 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

ouvir:

Esper­ança. Esse é o sen­ti­men­to do agricul­tou Nober­to Muniz, de 60 anos, diante do jul­ga­men­to des­ta sex­ta-feira (9) na Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (Corte IDH), na Cos­ta Rica. O tri­bunal vai anal­is­ar se o Esta­do brasileiro foi omis­so por, suposta­mente, não inves­ti­gar cor­re­ta­mente o desa­parec­i­men­to força­do, em 2002, do irmão de Nober­to, o agricul­tor sem-ter­ra Almir Muniz da Sil­va, na Paraí­ba.

“Eu me sin­to esper­ançoso de que o mun­do ven­ha a recon­hecer que o Esta­do foi omis­so no caso do Almir. Me sin­to seguro que ven­ha acon­te­cer justiça depois de tan­to tem­po”, afir­mou o irmão da lid­er­ança rur­al desa­pare­ci­da, que tam­bém era defen­sor de dire­itos humanos.

Nober­to via­jou para San José, a cap­i­tal da Cos­ta Rica, para acom­pan­har o jul­ga­men­to. Ele diz acred­i­tar que o irmão desa­pare­ceu porque luta­va para que o Esta­do desapro­pri­asse uma ter­ra em Itaba­iana (PB), que já era tra­bal­ha­da por 57 famílias, mas que tam­bém era cobiça­da por fazen­deiros da região.

“Almir pagou um preço tão caro pelo fato de que ele esta­va procu­ran­do um meio de sobre­vivên­cia, que era luta pela ter­ra onde a gente já tra­bal­ha­va há muitos anos”, expli­cou.

O irmão de Almir Muniz espera que, com o jul­ga­men­to, o Esta­do passe a enx­er­gar mais os tra­bal­hadores rurais que lutam pela ter­ra.

“Que eles [o Esta­do] vejam mais esse lado do pobre que luta para a sobre­vivên­cia quan­do acon­te­cer um caso como o nos­so. Tan­tos anos que acon­te­ceu conosco, tan­tos anos, e eles não nos der­am ouvi­dos, nen­hu­ma respos­ta chegou para nós da família”, desta­cou.

O caso foi parar na Corte IDH, lig­a­da à Orga­ni­za­ção dos Esta­dos Amer­i­canos (OEA), depois que orga­ni­za­ções como a Comis­são Pas­toral da Ter­ra da Paraí­ba e a Justiça Glob­al apelaram ao tri­bunal inter­na­cional para cobrar a respon­s­abil­i­dade do Esta­do brasileiro.

Desaparecimento Forçado

O advo­ga­do da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal Justiça Glob­al Eduar­do Bak­er desta­ca que esse jul­ga­men­to é o primeiro caso do Brasil envol­ven­do desa­parec­i­men­to força­do no con­tex­to da refor­ma agrária.

“Esper­amos que a Corte trate da per­sistên­cia dessa práti­ca no perío­do pós-ditadu­ra, conectando‑a com o con­tex­to da real­i­dade fundiária no Brasil. Tam­bém será uma opor­tu­nidade de o tri­bunal avançar na sua jurisprudên­cia sobre o desa­parec­i­men­to força­do em casos que envolvem a omis­são e conivên­cia estatal, ao invés de atu­ação dire­ta de seus agentes”, afir­mou.

Entre as medi­das que a Justiça Glob­al pede para a Corte IDH tomar, está a deter­mi­nação para o Brasil incluir na leg­is­lação nacional o crime de desa­parec­i­men­to força­do, que não é tip­i­fi­ca­do ain­da no Brasil.

O des­parec­i­men­to força­do tem con­se­quên­cias adi­cionais para a família que, sem encon­trar o cor­po do famil­iar, vive com a expec­ta­ti­va de encon­trá-lo, como rela­tou o irmão de Almir.

“Min­ha mãe, que hoje tem 85 anos, ain­da cho­ra quan­do se toca nesse assun­to. Ela son­ha com ele chegan­do em casa e fica se per­gun­tan­do se ele está vivo e se está em algum lugar”, con­tou Nober­to Muniz.

Segun­do o Anuário Brasileiro de Segu­rança Públi­ca, o país reg­istrou 74.061 desa­pare­ci­dos em 2023, uma média de 203 desa­parec­i­men­tos diários.

Caso Almir Muniz

Almir Muniz da Sil­va desa­pare­ceu em 29 de jun­ho de 2002 enquan­to lid­er­a­va a asso­ci­ação de tra­bal­hadores rurais de Itaba­iana (PB). Ele denun­ciou à polí­cia ameaças de morte que vin­ha sofren­do. Denun­ciou tam­bém, diante da Assem­bleia Estad­ual da Paraí­ba, a for­mação de milí­cias pri­vadas no esta­do.

Antes de a Corte IDH jul­gar o caso, ele foi inves­ti­ga­do pela Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (CIDH). Ao con­cluir o pare­cer, a CIDH apon­tou para o envolvi­men­to de poli­ci­ais civis no desa­parec­i­men­to do tra­bal­hador, além de indicar que fal­taram diligên­cias para inves­ti­gar o caso.

“A lid­er­ança foi assas­si­na­da por um agente da polí­cia, com o desa­parec­i­men­to dos seus restos, e que as autori­dades atu­aram com o con­sen­ti­men­to ao não levar a cabo uma inves­ti­gação com bus­cas ime­di­atas e diligên­cias”, afir­mou o pare­cer.

Para a Comis­são, a impunidade pela morte de Almir Muniz teve o efeito de ame­drontar o movi­men­to de tra­bal­hadores rurais e, por isso, “o Esta­do brasileiro é respon­sáv­el pela vio­lação do dire­ito à liber­dade de asso­ci­ação” dos tra­bal­hadores da região.

Corte IDH

A Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (Corte IDH) é um dos tri­bunais region­ais de pro­teção dos dire­itos humanos. É uma insti­tu­ição judi­cial autôno­ma, com obje­ti­vo de aplicar a Con­venção Amer­i­cana Sobre Dire­ito Humanos. O Brasil, enquan­to inte­grante da Orga­ni­za­ção dos Esta­dos Amer­i­canos (OEA) recon­hece a com­petên­cia da Corte para jul­gar vio­lações de dire­itos humanos nos Esta­dos-mem­bros sob sua juris­dição.

Se o Esta­do brasileiro for con­sid­er­a­do cul­pa­do, a Corte IDH pode deter­mi­na que o país tome medi­das para reparar as famílias afe­tadas e capazes de evi­tar que novos crimes como esse ocor­ram no país.

Edição: Aline Leal

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

STF decide se Bolsonaro e aliados se tornarão réus por tramar golpe

Núcleo 1 é formado pelo ex-presidente e mais sete aliados André Richter – Repórter da …