...
segunda-feira ,9 setembro 2024
Home / Cultura / “Jorge Amado mudou a vida de muita gente por seus livros”, diz neto

“Jorge Amado mudou a vida de muita gente por seus livros”, diz neto

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Flipelô celebra há oito anos memória e legado do escritor


Publicado em 12/08/2024 — 06:29 Por Elaine Patrícia Cruz — Enviada especial — Salvador

ouvir:

No últi­mo sába­do (10), o escritor Jorge Ama­do (1912–2001) com­ple­taria 112 anos de nasci­men­to. Há oito anos, como for­ma de cel­e­brar a sua memória e o seu lega­do, a Fun­dação Casa de Jorge Ama­do real­iza a Fes­ta Literária Inter­na­cional do Pelour­in­ho (Flipelô), sem­pre em seu aniver­sário.

Autor de livros como Dona Flor e Seus Dois Mari­dosTen­da dos Mila­gres, Tieta do AgresteGabriela, Cra­vo e Canela e Tereza Batista Cansa­da de Guer­ra, Jorge Ama­do é a tradução da Bahia. “Meu avô sem­pre dizia que não tin­ha cri­a­do os per­son­agens que lhe der­am fama e noto­riedade. Ele ape­nas tin­ha recon­heci­do aque­les per­son­agens pron­tos no povo da Bahia”, con­tou o neto do escritor, Jorge Ama­do Neto.

Os romances escritos por Jorge Ama­do apre­sen­tam as ruas, os casar­ios, o povo, os cheiros e os cos­tumes baianos, mas em sua obra tam­bém sem­pre esteve muito pre­sente a reflexão sobre os prob­le­mas soci­ais brasileiros. “A par­tir do momen­to em que Jorge Ama­do começa a escr­ev­er e à medi­da em que vai desen­vol­ven­do sua lit­er­atu­ra, ele vai demon­stran­do que é necessário, sim, por meio da cul­tura e da lit­er­atu­ra, enfrentar questões soci­ais. Ele colo­ca ess­es prob­le­mas em uma situ­ação de evidên­cia para chamar as pes­soas a repen­sar e a cri­ar uma con­sciên­cia social”, acres­cen­tou Neto.

Salvador (BA), 09/08/2024 - Piscina no quintal da Casa do Rio Vermelho, onde viveram os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: Sal­vador (BA), 09/08/2024 — Pisci­na no quin­tal da Casa do Rio Ver­mel­ho, onde viver­am os escritores Jorge Ama­do e Zélia Gat­tai. Foto Rove­na Rosa/Agência Brasil

“Ele fez parte de uma ger­ação de notáveis, que foi respon­sáv­el pela própria con­strução da iden­ti­dade do baiano. Aqui­lo que a gente hoje chama de baian­idade — da for­ma de falar, de resolver questões, de se posi­cionar, a for­ma de se comu­nicar, de se vestir e de externar a cul­tura por meio da ale­gria, da dança, da músi­ca e das artes — ele, jun­ta­mente com out­ras pes­soas da época, como Calasans Neto, Cary­bé, João Ubal­do Ribeiro e Dori­val Caym­mi, foi respon­sáv­el por dar uma iden­ti­dade ou con­sol­i­dar essa iden­ti­dade muito mar­ca­da da Bahia”, afir­mou.

Memórias de família

Jorge Ama­do Neto tin­ha 16 anos quan­do seu avô mor­reu. “Eu tin­ha uma lig­ação muito grande com ele, que me chama­va de meu com­padre. Ele fala­va: ‘meu com­padre, vem aqui para eu con­ver­sar com você’. Aí eu ia lá, eu devia ter uns cin­co para seis anos. Min­ha avó vin­ha atrás de mim e ele fala­va: ‘Zélia, isso aqui é uma con­ver­sa de home­ns. Aqui sou eu e meu com­padre aqui’. E eu fica­va todo chique, me achan­do”, con­tou.

“Tem uma história que é famosa, que eu já con­tei até algu­mas vezes, que foi quan­do eu saí pra col­her uns jam­bos aqui [na casa do Rio Ver­mel­ho]. No jardim, col­hi um ces­to de jam­bos. Cheguei com ess­es jam­bos pra ele, que esta­va assistin­do tele­visão. Eu falei: ‘tudo bom, meu amor? Quer com­prar uns jam­bos aqui na min­ha mão?’ Aí ele respon­deu: ‘mas, vem cá, você vai no meu jardim, pega meus jam­bos, e vem aqui pra me vender?’. E eu respon­di: ‘mas tive tra­bal­ho de col­her, subi no jam­beiro poden­do cair, tá tudo lavad­in­ho aqui pra você’. Ele acha­va o máx­i­mo essas coisas e dizia: ‘Pegue lá min­ha carteira. Qual é o preço dessa ces­ta aqui de jam­bos?’. Eu dizia um val­or e depois chega­va nele e fala­va: ‘me dá um dess­es jam­bos aí?’. E ele respon­dia: ‘mas você acabou de vender!’. E eu acres­cen­ta­va: ‘Pois é, ago­ra são seus. Estou lhe pedin­do um porque não comi antes de lhe vender’. E ele então me deix­a­va pegar os jam­bos”.

Legado

Em entre­vista à Agên­cia Brasil na Casa do Rio Ver­mel­ho, em Sal­vador, onde seu avô e sua avó Zélia Gat­tai viver­am, Jorge Ama­do Neto refletiu sobre o lega­do deix­a­do por ele. “Repare que muitas pes­soas que não con­heci­am o Brasil, que nun­ca tin­ham vin­do à Bahia, vier­am nos vis­i­tar a exem­p­lo de [Jean-Paul] Sartre, de Simone de Beau­voir, de Nico­las Guil­lén e tan­tas out­ras per­son­al­i­dades, porque ler­am Jorge Ama­do. Como foi muito divul­ga­do e pub­li­ca­do em out­ros país­es, ele deu a opor­tu­nidade de as pes­soas do out­ro lado do mun­do exper­i­menta­rem um pouco dos cheiros e dos sabores da nos­sa ter­ra. Ninguém mais do que Jorge Ama­do trouxe mais gente de out­ros país­es pra cá, a fim de con­hecer aqui­lo que só esta­va nas fol­has dos livros”.

Salvador (BA), 09/08/2024 - O advogado Jorge Amado Neto mostra a Casa do Rio Vermelho onde viveram os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: Sal­vador (BA), 09/08/2024 — O advo­ga­do Jorge Ama­do Neto mostra a Casa do Rio Ver­mel­ho onde viver­am os escritores Jorge Ama­do e Zélia Gat­tai. Foto Rove­na Rosa/Agência Brasil

Esse lega­do, con­tou Neto, per­pas­sa os romances escritos pelo avô e sua importân­cia para a cul­tura brasileira. Há tam­bém, muito fortes, as memórias que ele deixou den­tro da família. “Meu avô foi uma das mel­hores pes­soas que con­heci porque era amoroso, brin­cal­hão, pre­sente. Ele fazia tudo que um avô faz com seus netos: lev­a­va pra passear, brin­ca­va, toma­va sorvete. Sin­to mui­ta saudade dele e digo que as pes­soas que recon­hecem Jorge Ama­do como um grande escritor, muitas vezes não o con­hecem na sua intim­i­dade”.

Para a família, o escritor deixou val­ores como hon­esti­dade, hom­bri­dade e justiça. “Eu ten­ho certeza que esse foi o maior patrimônio que ele deixou pra gente”, disse. Já para o Brasil, anal­isou o neto, ficou como her­ança o exem­p­lo de escu­tar os mar­gin­al­iza­dos pela sociedade.

“Meu avô foi um dos maiores escritores do Brasil e o respon­sáv­el por uma mudança de par­a­dig­ma na lit­er­atu­ra brasileira, porque começou a dar voz a vários seg­men­tos soci­ais que eram total­mente colo­ca­dos à margem como a figu­ra da mul­her, do negro, do pobre e dos desvali­dos”, disse o neto. “Em um perío­do em que você não tin­ha os dire­itos recon­heci­dos para essas pes­soas, ele teve papel muito impor­tante em dar voz e visão para elas. Acho que ele foi um grande mestre de lit­er­atu­ra, mas teve tam­bém importân­cia social muito grande. Mudou a vida de mui­ta gente por meio de seus livros”.

*A repórter e a fotó­grafa via­jaram a con­vite do Insti­tu­to CCR, patroci­nador da Flipelô.

Edição: Graça Adju­to

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

A menos de 30 dias do 1º turno, eleitores devem atualizar e‑Título

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal Jr / Agên­cia Brasil É para garantir tranquilidade e facilidade ao …