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Jornalista da TV Brasil Luciana Barreto é finalista do Prêmio Jabuti

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Tema do livro é o ódio nas redes sociais


Publicado em 19/07/2024 — 07:06 Por Mariana Tokarnia — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Foi com sur­pre­sa e feli­ci­dade que a jor­nal­ista Luciana Bar­reto rece­beu a notí­cia de que seu primeiro livro, Dis­cur­sos de Ódio con­tra Negros nas Redes Soci­ais, está entre os cin­co final­is­tas da cat­e­go­ria divul­gação cien­tí­fi­ca da primeira edição do Prêmio Jabu­ti Acadêmi­co.

“É a min­ha dis­ser­tação de mestra­do. E eu me dediquei muito a ela com um moti­vo genuíno: eu que­ria con­tribuir demais com algo que, para mim, inco­mo­da­va demais, que é o aumen­to do dis­cur­so de ódio na rede social”, diz.

Luciana Bar­reto é mestre em relações étni­co-raci­ais, palestrante, escrito­ra, pesquisado­ra e apre­sen­ta­do­ra da TV Brasil. Após con­hecer, nos Esta­dos Unidos, o pro­je­to Teach­ing Tol­er­ance, em tradução livre, Ensi­nan­do Tol­erân­cia, ela voltou para o Brasil com von­tade de cri­ar tam­bém por aqui uma ini­cia­ti­va semel­hante. O pro­je­to não ape­nas ofer­ece apoio a víti­mas de dis­cur­so de ódio, como pro­duz mate­ri­ais de apoio para ori­en­tar esco­las e a sociedade.

A cri­ação do pro­je­to ain­da está no radar, mas antes, Luciana lev­ou a ideia para o mestra­do que, no final do ano pas­sa­do, e virou tam­bém livro. Na obra, que ela enfa­ti­za, não é volta­da ape­nas para pes­soas negras, mas para toda a sociedade, ela traz, primeiro, uma con­tex­tu­al­iza­ção históri­ca brasileira, de con­strução da sociedade e de como o racis­mo é estru­tu­ra­do. Em segui­da, anal­isa pub­li­cações com dis­cur­sos de ódio nas redes soci­ais.

“Acho que esse é o aler­ta maior do livro, as pes­soas acham que são só garo­tos nas redes soci­ais falan­do. Não. O dis­cur­so de hoje está inter­ferindo na sociedade brasileira”, diz.

Segun­do ela, são necessárias medi­das urgentes, como a respon­s­abi­liza­ção e cobrança de medi­das por parte das grandes empre­sas de tec­nolo­gia, as chamadas big techs, respon­sáveis pelas redes soci­ais.

“O dis­cur­so de ódio mata. E o dis­cur­so de ódio faz mor­rer. Porque as pes­soas estão come­tendo suicí­dio por con­ta de questões nas redes soci­ais. As pes­soas estão vici­adas. As pes­soas estão com sérios prob­le­mas lig­a­dos à rede social”, enfa­ti­za a jor­nal­ista.

Os final­is­tas de cada uma das cat­e­go­rias do prêmio foram divul­ga­dos nes­ta quin­ta-feira (18). O Prêmio Jabu­ti é o prin­ci­pal recon­hec­i­men­to literário do Brasil, é ide­al­iza­do pela Câmara Brasileira do Livro e ocorre des­de 1958. Neste ano, para chamar atenção às con­tribuições sig­ni­fica­ti­vas à ciên­cia no país, foi lança­da uma nova modal­i­dade, o Prêmio Jabu­ti Acadêmi­co, que con­ta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Pro­gres­so da Ciên­cia (SBPC) e da Acad­e­mia Brasileira de Ciên­cias (ABC).

Horas depois de saber o resul­ta­do, Bar­reto con­ver­sou com a Agên­cia Brasil. Con­fi­ra os prin­ci­pais tre­chos da entre­vista:

Agên­cia Brasil – Como você recebe esse resul­ta­do, esse recon­hec­i­men­to?

Luciana Bar­reto – Primeiro, claro que eu estou muito feliz. Mas muito sur­pre­sa, porque às vezes eu acho que a gente tra­bal­ha tão inten­sa­mente e real­mente sem pre­ten­sões. Eu não tin­ha nen­hu­ma pre­ten­são nem dis­so virar livro. É a min­ha dis­ser­tação de mestra­do. E eu me dediquei muito a ela com um moti­vo genuíno: eu que­ria con­tribuir demais com algo que, para mim, inco­mo­da­va demais, que é o aumen­to do dis­cur­so de ódio na rede social. Eu real­mente via as min­has ami­gas lig­arem choran­do. E eu estou falan­do de pes­soas extrema­mente empoder­adas. Pes­soas que têm car­gos, que têm din­heiro, que têm recon­hec­i­men­to e que estavam frag­ilizadas diante de dis­cur­sos de ódio.

Eu já tin­ha a intenção de estu­dar isso. Quan­do fui para os Esta­dos Unidos, con­heci esse pro­je­to, que é o Teach­ing Tol­er­ance, ensi­nan­do a tol­erân­cia. Era um pro­je­to que dava todo o apoio às víti­mas de dis­cur­so de ódio, des­de apoio jurídi­co, mate­r­i­al a apoio para os pro­fes­sores, para ensinarem esse con­tradis­cur­so. Quan­do eu vi tudo isso, aí eu falei, vamos levar para o Brasil. Mas então eu tive uma intenção genuí­na, a min­ha intenção era apre­sen­tar para as pes­soas uma pro­pos­ta de se pro­te­ger do dis­cur­so de ódio, o que eu chamo de con­tradis­cur­so. Perce­ber que isso virou um livro, ou seja, tem uma dis­tribuição maior entre as pes­soas. E depois perce­ber que esse livro tem um recon­hec­i­men­to. Para mim, é incrív­el.

Rio de Janeiro (RJ), 18/07/2024 - A jornalista da TV Brasil Luciana Barreto é uma das 10 semifinalistas da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico, com a obra
Repro­dução: Luciana Bar­reto é uma das 5 semi­fi­nal­is­tas da primeira edição do Prêmio Jabu­ti Acadêmi­co — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Agên­cia Brasil – Con­ta um pouquin­ho o que é o livro e como ele está estru­tu­ra­do.

Luciana Bar­reto – O livro é um resul­ta­do de dis­ser­tação de mestra­do, só que ele é escrito por uma jor­nal­ista. Então, isso faz toda a difer­ença. Na primeira eta­pa do livro — eu falo que esse é um livro volta­do não só para pes­soas negras, ape­sar de ser um livro sobre dis­cur­so de ódio con­tra pes­soas negras, ele é volta­do para que todos leiam — e para isso, eu ten­ho aí uma primeira parte do livro ambi­en­tan­do o leitor com ter­mos, ambi­en­tan­do o leitor com a história do movi­men­to negro.

Em um segun­do momen­to, eu entro nes­sa parte mais acadêmi­ca. O livro é numa área de análise do dis­cur­so. Eu pego expressões de dis­cur­so de ódio que são muito recor­rentes nas redes socais e faço uma análise dessas expressões. E aí eu enten­do por que o hater [em tradução livre, odi­ador. É um ter­mo usa­do na inter­net para clas­si­ficar pes­soas que post­am comen­tários de ódio] uti­liza essa expressão, que tipo de obje­ti­vo o hater quer ao uti­lizar essa expressão. Quan­do o leitor já chega nes­sa parte, ele já entende que existe toda uma questão social e econômi­ca envolvi­da com a questão racial. Ele percebe, por exem­p­lo, por que se uti­lizam expressões como o “mim­i­mi”, por que eles focam mul­heres negras, por exem­p­lo, com uma condição econômi­ca, social um pouco mais van­ta­josa.

O leitor já está enten­den­do que a condição da mul­her negra na opinião do hater, e às vezes em parte sig­ni­fica­ti­va do Brasil, infe­liz­mente, é uma condição em que ela está numa posição do servir. Então, se ela aparece numa posição de poder, ela sofre dis­cur­so de ódio. Se ela aparece numa condição de beleza que é muito lig­a­da às pes­soas bran­cas, ela sofre dis­cur­so de ódio. Então, o leitor vai enten­den­do todo esse mecan­is­mo de opressão pelo qual pas­sam as víti­mas de dis­cur­so de ódio.

Agên­cia Brasil – Pode nos dar um exem­p­lo?

Luciana Bar­reto – Um exem­p­lo, a expressão “mim­i­mi”, que eu anal­iso nesse livro. O “mim­i­mi” é sem­pre uma dor. Brin­cam que “mim­i­mi” é a dor que dá no out­ro. O pon­to de par­ti­da é diz­er que a sua reivin­di­cação é uma reivin­di­cação menor. Essa é a ideia do “mim­i­mi”. O hater quer sem­pre traz­er uma ideia supremacista, eu diria, dizen­do que existe um grupo que não recla­ma, que vive a vida, tra­bal­ha. Essa ideia de que tem esse grupo — e a gente sabe esse grupo ide­al­iza­do qual é – e, por out­ro lado, tem um grupo que recla­ma. Então, a análise do dis­cur­so é para isso. A min­ha ideia era faz­er com que as pes­soas enten­dessem, as min­has ami­gas tam­bém, é mostrar: ele está usan­do esse ter­mo para te par­al­is­ar, para te faz­er regredir, voltar, te deixar estáti­ca, e isso não vale a pena, porque tem uma ideia supremacista aqui envolvi­da quan­do ele usa cer­tas expressões com você.

Eu uti­li­zo, inclu­sive, um estu­do do pesquisador Luiz Valério Trindade. Ele quan­tifi­cou os dis­cur­sos de ódio no Face­book. Tem uma por­cent­agem bem grande de mul­heres negras como prin­ci­pal alvo. Os haters são nor­mal­mente meni­nos jovens que perseguem essas mul­heres negras. E ele traz dez itens em que elas são perseguidas: quan­do elas estão fazen­do uma viagem ao exte­ri­or, por exem­p­lo, uma viagem de férias, se ela estiv­er no Hem­is­fério Norte, se for aos Esta­dos Unidos e Europa; se tiv­er um casa­men­to inter­ra­cial; se uti­lizar o cabe­lo black como um sinal de beleza; se estiv­er numa posição de profis­sion­al lib­er­al, como advo­ga­da, jor­nal­ista, apre­sen­ta­do­ra; se gan­ha um con­cur­so de beleza. Ele vai elen­can­do alguns tópi­cos em que essas mul­heres, que são o prin­ci­pal alvo, apare­cem com mais fre­quên­cia como alvo dos haters.

Eu não faço uma análise quan­ti­ta­ti­va, como eu disse, eu faço uma análise do dis­cur­so. Então, eu faço análise das palavras, das expressões e como elas são colo­cadas, como elas apare­cem e por qual obje­ti­vo.

Agên­cia Brasil – Qual o papel das redes soci­ais na dis­sem­i­nação de dis­cur­sos de ódio e como é pos­sív­el com­bat­er a dis­sem­i­nação desse tipo de con­teú­do?

Luciana Bar­reto – A dis­cussão de reg­u­lação é uma dis­cussão, acho, muito lenta e a gente pre­cisa mes­mo de uma cobrança maior às big techs. E é isso que os out­ros país­es estão fazen­do, estão indo dire­to nelas. Eu acho que é isso que a gente vai con­seguir de mais ime­di­a­to. Por que eu falo de ime­di­a­to? Porque, o dis­cur­so de ódio mata. E o dis­cur­so de ódio mata. E o dis­cur­so de ódio faz mor­rer. Porque as pes­soas estão come­tendo suicí­dio por con­ta de questões nas redes soci­ais. As pes­soas estão vici­adas. As pes­soas estão com sérios prob­le­mas lig­a­dos à rede social. Não dá para a gente ficar esperan­do anos e anos de dis­cussão sobre isso.

Agên­cia Brasil – No livro você cita o Teach­ing Tol­er­ance. Exis­tem ini­cia­ti­vas semel­hantes no Brasil?

Luciana Bar­reto – A gente não tem nada pare­ci­do. Eles são um pro­je­to do Alaba­ma, um lugar que tem muito dis­cur­so de ódio, que é no berço do movi­men­to dos dire­itos civis. Ali onde teve ataque con­tra a pop­u­lação negra, onde teve bom­ba em igre­ja, onde teve assas­si­natos, enfor­ca­men­tos, e que tem uma feri­da aber­ta ain­da. Eu esta­va lá no últi­mo ano do gov­er­no de Barack Oba­ma. Eles já perce­bi­am o aumen­to do dis­cur­so da extrema-dire­i­ta que acabou levan­do Don­ald Trump ao poder logo em segui­da. Mas já se perce­bia um aumen­to do dis­cur­so de ódio. Dis­cur­so de ódio con­tra estrangeiros, aumen­to da xeno­fo­bia, con­tra os lati­nos, dis­cur­so de ódio con­tra negros, o dis­cur­so mer­i­tocráti­co que muitas vezes pas­sa por dis­cur­so de ódio, dis­cur­so con­tra pop­u­lação LGBT. Isso era 2016. Então, eles estavam ten­tan­do algo, uma platafor­ma que desse todo o suporte e apoio, não só ao com­bate ao dis­cur­so de ódio, mas tam­bém à víti­ma. Eu achei aqui­lo incrív­el. Pen­sei que pre­cisa­va voltar e pro­por algo aqui. Surgiu, então, a ideia de me matric­u­lar no mestra­do.

Agên­cia Brasil – Em um dos resumos do seu livro me chamou atenção uma frase que diz que o ódio é uma for­ma de exclusão.

Luciana Bar­reto – Isso, exa­to. Acho que esse é o aler­ta maior do livro, as pes­soas acham que são só garo­tos nas redes soci­ais falan­do. Não. O dis­cur­so de hoje está inter­ferindo na sociedade brasileira E as grandes platafor­mas [redes soci­ais] dis­tribuem esse dis­cur­so pref­er­en­cial­mente. Essa é a questão.

Edição: Aline Leal

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