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Justiça impede Funai de distribuir lona a indígenas de ocupação no PR

Repro­dução: © Eloy Terena/Instagram

Juiz diz que entrega de material contraria o propósito de desocupação


Publicado em 25/07/2024 — 14:39 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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A Justiça Fed­er­al no Paraná deter­mi­nou que a Fun­dação Nacional do Índio (Funai) se absten­ha de entre­gar lonas, madeira­men­to, fer­ra­men­tas e out­ros mate­ri­ais que pos­sam ser usa­dos para con­strução de abrigos/moradias às comu­nidades indí­ge­nas que ocu­param imóveis rurais das cidades de Guaíra e Ter­ra Roxa, no oeste paranaense. Con­sul­ta­da, a fun­dação infor­mou à Agên­cia Brasil que recor­rerá da decisão.

A sen­tença foi pro­feri­da nes­ta terça-feira (23), pelo juiz fed­er­al João Paulo Nery dos Pas­sos Mar­tins, da 2ª Vara Fed­er­al de Umuara­ma — o mes­mo que, na últi­ma sex­ta-feira (19), autor­i­zou a rein­te­gração de posse de áreas rurais que gru­pos avá guarani ocu­param a fim de cobrar a con­clusão do proces­so demar­catório do ter­ritório já delim­i­ta­do pela Funai e em dis­pu­ta, na Justiça, des­de 2018.

Na decisão, o juiz fed­er­al afir­ma que a entre­ga dos mate­ri­ais de con­strução pela Funai con­traria “o propósi­to de des­ocu­pação do imóv­el” man­i­festo nas “ordens judi­ci­ais vigentes”, que deter­mi­nam “expres­sa­mente a des­ocu­pação dos imóveis pelos indí­ge­nas”.

“Em que pese a mis­são insti­tu­cional da Funai de prestar assistên­cia às comu­nidades indí­ge­nas e se garan­tir o mín­i­mo exis­ten­cial, cumpre obser­var que a fun­dação, que inclu­sive inte­gra o polo pas­si­vo, e os demais órgãos públi­cos que atu­am no lití­gio têm o dev­er de colab­o­rar com a exe­cução das decisões judi­ci­ais e, em espe­cial, estim­u­lar o cumpri­men­to vol­un­tário como for­ma de pre­venir a des­ocu­pação força­da e os pos­síveis con­fli­tos daí decor­rentes”, sus­ten­ta o mag­istra­do.

A man­i­fes­tação judi­cial ocor­reu após a coor­de­nação region­al da Funai solic­i­tar o apoio da Polí­cia Fed­er­al (PF) para entre­gar kits de supri­men­tos aos avá guarani que par­tic­i­pam do que os indí­ge­nas clas­si­fi­cam como um proces­so de retoma­da de seus ter­ritórios orig­inários, que visa per­mi­tir a expan­são de suas aldeias e a preser­vação das prin­ci­pais car­ac­terís­ti­cas de seu modo de vida tradi­cional.

“Vale destacar que o recente movi­men­to de ocu­pação instau­ra­do a par­tir de dezem­bro de 2023 e retoma­do com mais inten­si­dade nos últi­mos dias tra­ta-se essen­cial­mente de ampli­ação de áreas, pois as comu­nidades da etnia indí­ge­na avá guarani já estavam insta­l­adas em out­ras áreas na região, há tem­pos”, acres­cen­tou o juiz fed­er­al, men­cio­nan­do que, no pedi­do de apoio que fez à PF, a Funai infor­ma­va que pre­tendia dis­tribuir aos indí­ge­nas ali­men­tos, água, itens de higiene, além de sete rolos de 100 met­ros de lonas.

Mobilização

As ocu­pações ou retomadas de áreas do oeste paranaense reivin­di­cadas como ter­ritórios tradi­cionais se inserem em um con­tex­to mais amp­lo de mobi­liza­ções indí­ge­nas que acabaram acir­ran­do a dis­pu­ta com pro­pri­etários rurais em difer­entes unidades da fed­er­ação. E que cul­mi­nou em ataques arma­dos con­tra os indí­ge­nas no Paraná, no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul.

Con­forme o Min­istério dos Povos Indí­ge­nas (MPI) já tin­ha infor­ma­do ante­ri­or­mente, no iní­cio de jul­ho, 22 famílias avá guarani que ocu­pam parte do ter­ritório já delim­i­ta­do para dar lugar à futu­ra Ter­ra Indí­ge­na Gua­su Guavirá se espal­haram, amplian­do a ocu­pação. De acor­do com a pas­ta, isso acon­te­ceu “porque a comu­nidade em que vivem já não com­por­ta mais habi­tantes.”

“As famílias foram, então, alvo de ataques de rural­is­tas”, rela­tou o MPI, desta­can­do que nem mes­mo a pre­sença de agentes da Força Nacional de Segu­rança Públi­ca na região intimi­dou os agres­sores. “Entre os feri­dos, um indí­ge­na foi balea­do. Além da vio­lên­cia físi­ca sofri­da pelos avá guarani, doações e entre­ga de ali­men­tos foram impe­di­das de serem real­izadas no local por rural­is­tas”.

Em razão da vio­lên­cia, o gov­er­no fed­er­al orga­ni­zou um grupo com rep­re­sen­tantes de várias pas­tas e órgãos públi­cos, incluin­do MPI e Min­istério dos Dire­itos Humanos e Cidada­nia, para ten­tar medi­ar os con­fli­tos em Mato Grosso do Sul e no Paraná. Uma comi­ti­va esteve em Guaíra, na terça-feira (16). Além de vis­i­tar duas áreas ocu­padas por avás guarani, os inte­grantes do grupo fed­er­al se reuni­ram com rural­is­tas de Ter­ra Roxa e com rep­re­sen­tantes da coor­de­nação region­al da Funai e da Polí­cia Mil­i­tar do Paraná.

Além dis­so, a pedi­do do MPI e da Defen­so­ria Públi­ca da União (DPU), o Min­istério da Justiça e Segu­rança Públi­ca autor­i­zou o emprego de agentes da Força Nacional em ações estatais para preser­var a ordem e a inte­gri­dade em aldeias do Cone Sul do Mato Grosso do Sul e nas regiões fron­teir­iças do esta­do.

Marco temporal

Em nota, o Min­istério dos Povos Indí­ge­nas atribuiu o aumen­to da “insta­bil­i­dade” à aprovação da Lei 14.701/23, que, na práti­ca, esta­b­elece o chama­do mar­co tem­po­ral – tese segun­do a qual os povos indí­ge­nas só têm dire­ito aos ter­ritórios orig­inários que já ocu­pavam ou reivin­di­cavam até 5 de out­ubro de 1988, data da pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição Fed­er­al.

O Con­gres­so Nacional aprovou a lei em setem­bro do ano pas­sa­do, poucos dias após o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) apon­tar a incon­sti­tu­cional­i­dade da tese por enten­der que o dire­ito con­sti­tu­cional dos povos orig­inários aos ter­ritórios tradi­cionais inde­pen­dem da existên­cia de um mar­co tem­po­ral.

A decisão dos min­istros da Corte motivou o pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va a vetar parte da Lei 14.701. Em dezem­bro, con­tu­do, o Con­gres­so Nacional der­rubou  o veto de Lula, man­ten­do o mar­co tem­po­ral. A que­da de braço entre Exec­u­ti­vo e Leg­isla­ti­vo foi judi­cial­iza­da por setores favoráveis e con­trários à lei. Em abril, o min­istro Gilmar Mendes, do STF, deter­mi­nou a instau­ração de um proces­so de con­cil­i­ação, sus­penden­do o jul­ga­men­to de qual­quer ação que trate do tema. A pre­visão é que a comis­são cri­a­da para ten­tar esta­b­ele­cer um acor­do entre as partes comece a fun­cionar no próx­i­mo dia 5 de agos­to.

“O Min­istério dos Povos Indí­ge­nas enfa­ti­za que a insta­bil­i­dade ger­a­da pela lei do mar­co tem­po­ral, além de out­ras ten­ta­ti­vas de se avançar com a pau­ta [anti-indí­ge­na], tem como con­se­quên­cia não só a incerteza jurídi­ca sobre as definições ter­ri­to­ri­ais que afe­tam os povos indí­ge­nas, mas abre ocasião para atos de vio­lên­cia que têm os indí­ge­nas como as prin­ci­pais víti­mas”, sus­ten­ta o MPI.

Tam­bém em nota, a Fed­er­ação da Agri­cul­tura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Fama­sul) tam­bém men­cio­nou a “inse­gu­rança jurídi­ca”, atribuindo‑a à inação do poder Públi­co. De acor­do com a enti­dade que reúne 69 sindi­catos rurais sul-mato-grossens­es, há, atual­mente, 146 áreas “inva­di­das” em todo o esta­do.

“São ocor­rên­cias que evi­den­ci­am a inse­gu­rança jurídi­ca viven­ci­a­da há décadas em nos­so esta­do, resul­tante da fal­ta de uma respos­ta defin­i­ti­va por parte do Poder públi­co, que garan­ta a paci­fi­cação no cam­po.” A enti­dade tam­bém man­i­festou pre­ocu­pação com a escal­a­da da vio­lên­cia e com a segu­rança de “número expres­si­vo de pro­du­tores rurais que, mes­mo ten­do adquiri­do seus imóveis de for­ma legí­ti­ma e com posse pací­fi­ca exer­ci­da há mais de meio sécu­lo, têm seus títu­los ques­tion­a­dos e suas áreas inva­di­das”.

Edição: Aline Leal

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