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LGBTQIA+ reivindicam direitos básicos para existir de forma plena

Repro­dução: © TV Brasil

Ativistas defendem o nome como direito fundamental para dignidade


Pub­li­ca­do em 14/12/2023 — 06:43 Por Eliane Gonçalves e Thi­a­go Padovan — Repórteres da Rádio Nacional e da TV Brasil — São Paulo

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“Você con­hece algu­ma coisa humana não nomea­da?”. Quem lança a per­gun­ta é uma ativista pelos dire­itos LGBTQIA+ e que está a frente de uma casa de acol­hi­men­to em São Bernar­do Cam­po. “A importân­cia de ter um nome? A importân­cia de ter uma vida. O nome define sua vida. Eu sou Neon Cun­ha, mul­her negra, amerín­dia e trans­gên­era. Nes­sa ordem de importân­cia.”

Ter um nome é um dire­ito tão bási­co que sequer há uma refer­ên­cia a isso na Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos, que com­ple­tou 75 anos no últi­mo dia 10 de dezem­bro. Mas o dire­ito de exi­s­tir e viv­er com dig­nidade já aparece de cara no primeiro arti­go. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dig­nidade e dire­itos. São dota­dos de razão e con­sciên­cia e devem agir em relação uns aos out­ros com espíri­to de frater­nidade”, diz o tex­to.

Neon apren­deu bem jovem que pre­cis­aria lidar com o racis­mo, a dis­crim­i­nação, a vio­lên­cia de gênero e a trans­fo­bia. Ao faz­er parte de um grupo que tem uma expec­ta­ti­va média de vida de 35 anos, Neon tam­bém apren­deu com a morte.

“Uma coisa que me mar­cou muito ao lon­go da vida foi que todas as min­has ami­gas foram enter­radas de uma for­ma que eu nun­ca recon­heci. Se eu tivesse que procu­rar hoje essas pes­soas em uma lápi­de, eu jamais teria aces­so. Porque as famílias requer­eram, porque o Esta­do requereu. Algu­mas foram como indi­gentes, out­ras as famílias ‘limparam essa sujeira’ que elas fiz­er­am. Limparam seus nomes enter­ran­do o mor­to. Não a mor­ta”, rela­ta.

Foi assim que Neon pediu para mor­rer. Ela entrou com um proces­so na Orga­ni­za­ção dos Esta­dos Amer­i­canos (OEA), em 2014, para ter o dire­ito de ser recon­heci­da como mul­her. Foi ao lim­ite. Pediu que, caso a sua existên­cia, expres­sa no gênero e no nome, não fos­se recon­heci­da, que­ria a autor­iza­ção para uma morte assis­ti­da.

“Quan­do é que você percebe que não dá mais para viv­er sobre a condição do out­ro, sobre a condição impos­ta? Qual era a estraté­gia de sobre­vivên­cia? Porque eu nun­ca fui lida como homem. Eu me dei con­ta que eu não tin­ha nada mes­mo”, con­ta a ativista sobre a decisão de levar a frente o proces­so.

Neon rela­ta que foi expul­sa de casa em 1992. “Acon­te­ceu tudo o que tin­ha que acon­te­cer com uma pes­soa trans. Mas eu per­di mais o quê? O que não vai ter é esse nome [mas­culi­no] na lápi­de. Eu abri o proces­so, pedi uma morte assis­ti­da e denun­cian­do tam­bém, mais uma vez, o Brasil nesse crime que ninguém con­seguia nomear, que ninguém con­seguia expor. Eu não falo nem de trans­fo­bia, eu falo de cis­sex­is­mo. Essa ideia de que o gênero da pes­soa cis é mais legí­ti­mo do que a pes­soa trans”, expli­ca.

Com a vitória, reti­fi­cou o nome e o sexo sem pre­cis­ar faz­er cirur­gias de redes­ig­nação de sexo. A decisão do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) é de 2018 e abriu cam­in­ho para que home­ns e mul­heres trans tivessem aces­so ao mes­mo dire­ito.

“Tran­sição? Todo mun­do está em tran­sição. A pes­soa sai de feto, de feto para bebê, de bebê para cri­ança e olha que estou só usan­do os ter­mos neu­tros que cabem à primeira infân­cia. E depois que se desen­volve para ado­les­cente e depois para uma idade adul­ta. Eu não estou falan­do nem de gênero. Eu estou falan­do de uma tran­sição humana. Tran­sição está pos­ta o tem­po todo. Mas só essa deter­mi­na­da cat­e­go­ria de pes­soas que reivin­dicam out­ro proces­so humano que é exigi­do o recon­hec­i­men­to.”

Conquistas

A pop­u­lação LGBTQIA+ tem con­quis­ta­do avanços na sociedade brasileira: o dire­ito à união entre pes­soas do mes­mo sexo, o dire­ito à reti­fi­cação de sexo e o dire­ito de adoção de fil­hos. No Brasil, essas decisões estão vin­cu­ladas, geral­mente, ao Poder Judi­ciário. Na políti­ca, o Brasil elegeu, em 2022, as duas primeiras dep­utadas fed­erais trans.

Para Mar­cos Tolenti­no, his­to­ri­ador e ativista, a Con­sti­tu­ição de 1988 abriu o cam­in­ho. “A inspi­ração da Con­sti­tu­ição de 88 em relação à Car­ta da Declar­ação Uni­ver­sal de Dire­itos Humanos é jus­ta­mente bus­car essa ideia de uma cidada­nia que é de todas as pes­soas, de todos os setores soci­ais que estão no Brasil e, a par­tir dis­so, pre­v­er algu­mas especi­fi­ci­dades”, apon­ta.

O his­to­ri­ador acres­cen­ta que com a Con­sti­tu­ição brasileira começam a ser pre­vis­tas algu­mas especi­fi­ci­dades, como dire­ito de gênero, dire­ito de povos indí­ge­nas e dire­ito de pes­soas negras. “Por enten­der que são gru­pos, são pes­soas, são setores soci­ais que já vin­ham desse proces­so de exclusão de dire­itos.”

Mas ain­da há muito a avançar. Há 14 anos o Brasil lid­era o rank­ing dos país­es que mais matam pes­soas trans. Em 2022, foram 131 pes­soas assas­si­nadas, de acor­do com a Asso­ci­ação Nacional de Trav­es­tis e Tran­sex­u­ais (Antra). Vinte pes­soas tiraram a própria vida em razão da dis­crim­i­nação e do pre­con­ceito.

“Toda vez que eu aces­so esse lugar do dire­ito humano, eu fico per­gun­tan­do quan­do ele vai ser pleno para nós. E essa plen­i­tude é jus­ta­mente pelo que vou lutar. Eu vou lutar por políti­cas públi­cas, vou lutar enquan­to ativista, vou dis­putar a políti­ca insti­tu­cional, vou. Mas vai ser pleno? Toda vez que eu pen­so nis­so, nes­sa questão de dire­ito à humanidade ple­na, eu espero que um dia essa humanidade enten­da que trans é um códi­go de liber­dade”, propõe.

Edição: Aline Leal

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