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Livro sobre Barbosa mostra racismo enraizado no futebol brasileiro

Repro­dução: © Arqui­vo Nacional

Negro, goleiro da Copa de 50 foi apontado como vilão de vice Mundial


Pub­li­ca­do em 17/06/2023 — 08:00 Por Lin­coln Chaves — Repórter da EBC — São Paulo

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O ata­cante Viní­cius Júnior, astro do Real Madrid (Espan­ha) e da seleção brasileira que enfrenta Guiné neste sába­do (17), a par­tir das 16h30 (horário de Brasília), no Está­dio Cor­nel­là-El Prat, em Barcelona (Espan­ha), tem reagi­do às ofen­sas racis­tas das quais é víti­ma no país europeu des­de 2021, pelo menos. Con­tu­do, não foram pou­cas as opor­tu­nidades nas quais o jogador foi apon­ta­do como respon­sáv­el pelas man­i­fes­tações a ele dire­cionadas, seja pelas danças ao comem­o­rar gols ou suposta­mente provo­car adver­sários em cam­po.

Cul­par a pes­soa negra, porém, não é um fenô­meno inédi­to no fute­bol ou na sociedade (inclu­sive a brasileira). Em 1950, quan­do a seleção brasileira perdeu o títu­lo da Copa do Mun­do, ao ser super­a­da pelo Uruguai por 2 a 1, de vira­da, no Mara­canã, não demor­ou para o goleiro Moa­cyr Bar­bosa Nasci­men­to ser escol­hi­do como vilão do vice-campe­ona­to. O episó­dio é res­gata­do no livro “Des­cul­pas, Meu Ído­lo Bar­bosa”, de auto­ria do his­to­ri­ador e doutor em Ciên­cias Soci­ais Jorge San­tana, e que foi lança­do em Brasília no fim de maio.

“O Bar­bosa foi víti­ma de um grande can­ce­la­men­to, antes mes­mo de sur­gir o ter­mo, mas tam­bém víti­ma de racis­mo. Não só ele, mas o Juve­nal e o Bigode, toda a parte esquer­da da defe­sa brasileira, que era negra. O livro é um pouco da ten­ta­ti­va de se pedir des­cul­pas ao Bar­bosa, porque ele não foi cul­pa­do pela der­ro­ta, mas sen­tiu na pele essa cul­pa, que foi muito deletéria a ele e aos goleiros negros que vier­am depois”, disse San­tana à Agên­cia Brasil.

Segun­do o his­to­ri­ador, o trata­men­to des­ti­na­do a Bar­bosa pode ser con­sid­er­a­do um mar­co de que, sim, havia pre­con­ceito racial no Brasil. Condição salien­ta­da com a cri­ação da Lei Afon­so Ari­nos, a primeira a crim­i­nalizar o racis­mo no Brasil, aprova­da após o caso, tam­bém em 1950, envol­ven­do a artista norte-amer­i­cana Kather­ine Dun­ham, negra, que teve a hospedagem nega­da em um hotel cin­co estre­las de São Paulo. Na lit­er­atu­ra, o jor­nal­ista Mário Fil­ho (que dá nome ao Mara­canã) viria a pub­licar, em 1964, uma segun­da edição de “O Negro no Fute­bol Brasileiro”, livro cuja ver­são orig­i­nal é de 1947, três anos antes da fatídi­ca decisão.

“Esse livro [do Mário Fil­ho] traz todo o racis­mo no fute­bol brasileiro até as décadas de 1930 e 1940, quan­do ele fala que há uma vira­da, na qual, a par­tir de negros como Leônidas da Sil­va e Domin­gos da Guia, você teria a paci­fi­cação do racis­mo no fute­bol. Só que, quan­do vem a tragé­dia de 1950, ele tem a neces­si­dade de faz­er uma nova edição, na qual fala: há racis­mo aqui, de for­ma muito evi­dente”, anal­isa o pesquisador.

Seten­ta e três anos se pas­saram des­de o Mara­cana­zo (como ficou con­heci­da a der­ro­ta brasileira na Copa de 1950), mas o pre­con­ceito racial não aban­do­nou a modal­i­dade mais pop­u­lar do país. Segun­do o Obser­vatório da Dis­crim­i­nação Racial no Fute­bol, foram com­pro­vadas 90 situ­ações de racis­mo em arquiban­cadas e gra­ma­dos brasileiros no ano pas­sa­do, 40% a mais que os 64 episó­dios de 2021.

O caso recente mais emblemáti­co ocor­reu em 2014, quan­do o hoje ex-goleiro Aran­ha, então no San­tos, foi chama­do de maca­co por torce­dores do Grêmio na par­ti­da de ida entre as duas equipes, em Por­to Ale­gre, pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Em decisão inédi­ta, o Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça Desporti­va (STJD) excluiu o Tri­col­or gaú­cho da com­petição, mes­mo com o jogo de vol­ta por faz­er.

Reg­u­la­men­to Ger­al de Com­petições da Con­fed­er­ação Brasileira de Fute­bol (CBF) pas­sou a indicar, para este ano, punição a casos de dis­crim­i­nação, que pode vari­ar de advertên­cia a per­da de pon­tos. Além dis­so, a nova Lei Ger­al do Esporte, san­ciona­da na últi­ma quar­ta-feira (14) pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, pre­vê mul­ta de R$ 500 a R$ 2 mil­hões em episó­dios de racis­mo, homo­fo­bia, sex­is­mo e xeno­fo­bia em even­tos esportivos.

“O racis­mo é um prob­le­ma con­tem­porâ­neo e atu­al no Brasil e o fute­bol não é uma área iso­la­da. Tive­mos avanços impor­tantes nos últi­mos anos. Primeiro, pela CBF assumir que há racis­mo no fute­bol, cri­ar mecan­is­mos para com­batê-lo em cam­po. Infe­liz­mente, o racis­mo é tão estru­tur­al na sociedade que, mes­mo com ações, o caso do Aran­ha mostra o taman­ho deste desafio”, afir­ma San­tana.

“Punição é impor­tante, mas tam­bém a con­sci­en­ti­za­ção das novas ger­ações, de uma ped­a­gogia que, de fato, seja antir­racista, que leve infor­mação aos jogadores da base, com palestras sobre racis­mo, e que os clubes atuem jun­to aos torce­dores. Pre­cisamos de políti­cas per­ma­nentes de luta con­tra o racis­mo, o machis­mo e a LGBT­fo­bia”, com­ple­tou o his­to­ri­ador.

Mas, afi­nal, Bar­bosa rece­beu um pedi­do de des­cul­pas? Para San­tana, o recon­hec­i­men­to em vida foi menor do que mere­cia o goleiro, ído­lo do Vas­co, que fale­ceu em 7 de abril de 2000, aos 79 anos, em Pra­ia Grande (SP), por con­ta de uma para­da car­dior­res­pi­ratória.

“Acred­i­to que um dia ele teve fig­uras, teve pes­soas, que bus­caram traz­er um out­ro olhar sobre 1950, mas acho que [ficou aquém] no sen­ti­do macro, de insti­tu­ições que pode­ri­am cumprir esse papel, e aí falo da CBF, do Gov­er­no brasileiro, de insti­tu­ições que pode­ri­am faz­er ações com o Bar­bosa e todos os vice-campeões, de val­orizar a primeira vez que o Brasil esteve per­to de con­quis­tar uma Copa do Mun­do. [O Mundi­al de] 2014, talvez, seja o que chegou mais per­to [de um pedi­do de des­cul­pas]. O Diário de Per­nam­bu­co fez uma capa [com a manchete ‘Des­canse em paz, Bar­bosa’] depois de o Brasil tomar de 7 a 1 da Ale­man­ha”, con­cluiu o escritor.

Edição: Fábio Lis­boa

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