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Livro traz história de Roberto Marinho e da Globo durante a ditadura

Biografia escrita por Leonencio Nossa será lançada no fim do mês

Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 13/04/2025 — 11:04
Rio de Janeiro
Brasília-DF- 12/04/2025 - Livro traz história de Roberto Marinho e da Globo durante a ditadura Biografia escrita por Leonencio Nossa será lançada no fim do mês. Foto Arquivo pessoal.
Repro­dução: © Foto Arqui­vo pes­soal.

Em meio à cen­sura, repressão e vio­lên­cia da ditadu­ra mil­i­tar, um grupo de comu­ni­cação gan­ha força e começa a se tornar hegemôni­co nacional­mente. Soa con­tra­ditório, mas é parte da história com­plexa da Rede Globo, que tem como prin­ci­pal nome Rober­to Mar­in­ho.

Empre­sa e jor­nal­ista são pro­tag­o­nistas da biografia Rober­to Mar­in­ho: A Globo na Ditadu­ra — Dos Fes­ti­vais às Bom­bas no Rio­cen­tro, que vai ser lança­da no dia 24 de abril pela edi­to­ra Nova Fron­teira. É o segun­do vol­ume de uma trilo­gia escri­ta pelo jor­nal­ista e doutor em História Leo­nen­cio Nos­sa.

O autor é con­heci­do por reporta­gens espe­ci­ais sobre Amazô­nia, dire­itos humanos e políti­ca. Venceu duas vezes o Prêmio Esso e cin­co vezes o Vladimir Her­zog de Anis­tia e Dire­itos Humanos.

Enquan­to o primeiro vol­ume, lança­do em 2019, cobria o perío­do do nasci­men­to de Rober­to Mar­in­ho, em 1904, até a cri­ação do Jor­nal Nacional, em 1967, o segun­do vol­ume con­tin­ua a par­tir desse pon­to, com destaque para o perío­do da ditadu­ra mil­i­tar, até o aten­ta­do no Rio­cen­tro, em 1981.

A reportagem da Agên­cia Brasil entre­vis­tou Leo­nen­cio Nos­sa por tele­fone sobre os prin­ci­pais temas do novo livro que, segun­do o autor, abrange o perío­do mais inten­so da vida pes­soal e profis­sion­al de Rober­to Mar­in­ho.

Para além dos recortes especí­fi­cos da mídia brasileira, Leo­nen­cio espera que o livro ajude os leitores com mais uma reflexão críti­ca sobre tem­pos e pen­sa­men­tos autoritários.

Agên­cia Brasil: Por que você escol­heu o Rober­to Mar­in­ho como obje­to de pesquisa?

Leo­nen­cio Nos­sa: A min­ha prin­ci­pal for­mação é em jor­nal­is­mo e a min­ha esco­la é Brasília. Foi lá que eu me formei como profis­sion­al. O meu olhar de mun­do é um olhar de jor­nal­is­mo políti­co. É o olhar de quem vê um dis­cur­so de uma autori­dade e pincela em uma frase ou em uma palavra a men­sagem que está por trás. Escr­ev­er livros sem­pre foi uma con­tinuidade do meu tra­bal­ho como jor­nal­ista. É como se fos­se uma exten­são da reportagem, daqui­lo que eu mais gos­to no jor­nal­is­mo. É a for­ma de ter um olhar mais apro­fun­da­do, de faz­er um mer­gul­ho em cer­tos temas. Eu escrevi sobre o Rio Ama­zonas, eu escrevi sobre a guer­ril­ha do Aragua­ia, temas de Brasil. E teve um momen­to que eu lem­brei de um vel­ho pro­je­to, que era escr­ev­er uma biografia de Rober­to Mar­in­ho. Quan­do eu estu­da­va na Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Espíri­to San­to, tin­ha acaba­do de ser lança­do o livro Chatô: o rei do Brasil, do Fer­nan­do Morais. É uma biografia que vai mar­car a história das biografias no país. Ela ter­mi­na jus­ta­mente com o declínio do Assis Chateaubriand e a ascen­são de Rober­to Mar­in­ho. E na fac­ul­dade, eu fala­va assim: “Olha, alguém vai escr­ev­er essa biografia, que é uma con­tinuidade do novo dono da mídia. E o tem­po foi pas­san­do, desen­volvi min­ha car­reira em Brasília e essa história nun­ca foi con­ta­da em uma biografia. Em 2013, eu deci­di me aven­tu­rar. Era uma for­ma tam­bém de dis­cu­tir min­ha profis­são, de dis­cu­tir o país. Emb­o­ra ele seja um per­son­agem car­i­o­ca que rara­mente saía do Rio de Janeiro, a história dele e do grupo dele con­ta um pouco a história do país. E como tin­ha um grande vol­ume de infor­mações, resolvi faz­er três livros.

Agên­cia Brasil: Por que você acha que ninguém escreveu essa biografia antes?

Leo­nen­cio Nos­sa: É uma per­gun­ta muito com­plexa de ser respon­di­da. Con­si­go pen­sar em algu­mas questões. Primeiro, que nós não temos uma cul­tura de biografia no Brasil. Muitos dos nos­sos pres­i­dentes não têm biografia. Se a gente pegar os últi­mos pres­i­dentes, tem livro do Fer­nan­do Morais sobre o Lula, teve uma biografia da Dil­ma antes dela ser pres­i­dente. Michel Temer, Jair Bol­sonaro, Ita­mar Fran­co, nen­hum deles têm biografia. Não temos uma tradição biográ­fi­ca. Out­ro pon­to é que a história da Globo parece ser uma história fada­da ao debate políti­co do pre­sente. As pes­soas sem­pre estão dis­cutin­do a Globo, seja na críti­ca ou seja na exal­tação. E, de cer­ta for­ma, é como se a história do Rober­to Mar­in­ho fizesse parte ape­nas do nos­so debate do pre­sente. Todos os pon­tos polêmi­cos, por exem­p­lo, da história da Globo são con­ta­dos à exaustão, des­de 67, quan­do João Cal­mon [então pres­i­dente da Asso­ci­ação Brasileira de Empre­sas de Rádio e Tele­visão], que era um adver­sário do Rober­to Mar­in­ho, pub­li­cou um livro. É uma história muito con­ta­da, mas não como biografia. Out­ra questão é que os per­son­agens das elites brasileiras não cos­tu­mam ter a prefer­ên­cia dos bió­grafos e dos escritores no ger­al. A própria acad­e­mia teve difi­cul­dades de con­tar a história das nos­sas elites econômi­cas ou políti­cas, ou mes­mo das elites da comu­ni­cação, da indús­tria de mas­sa.

Agên­cia Brasil: Como foi o proces­so de pesquisa para a biografia e com quais fontes você tra­bal­hou?

Leo­nen­cio Nos­sa: Eu levo em con­ta três ver­tentes no meu proces­so de pesquisa. A primeira é o tra­bal­ho doc­u­men­tal, os acer­vos escritos. Eu pro­curei no Arqui­vo Nacional, bib­liote­cas e arquiv­os nos Esta­dos Unidos, arquiv­os do Rio de Janeiro, como o do Palá­cio do Catete, da bib­liote­ca do Sena­do, e arquiv­os pri­va­dos. E aí, eu destacaria o acer­vo do Rober­to Mar­in­ho que está den­tro do Grupo Globo. Solicitei muitas infor­mações e eles têm uma equipe coor­de­na­da pela Sil­via Fiuza que faz esse tra­bal­ho com uma equipe de his­to­ri­adores. Out­ra frente é a dos teste­munhos orais. Pro­curei a família, os três fil­hos, alguns sobrin­hos dele e mui­ta gente que tra­bal­hou e viveu com o Rober­to. E tem a min­ha própria impressão visu­al de história. Vou em ambi­entes e os descre­vo tam­bém, como as pes­soas vivem neles. Acho que o ambi­ente físi­co con­ta muito da história das pes­soas. E aí, vale tudo, as impressões da história macro, da história do país. E são muitos doc­u­men­tos. Chegou um momen­to em que eu não con­seguia mais con­tar tan­tos doc­u­men­tos que eu pesqui­sei. E por isso que às vezes é até difí­cil a gente chegar a uma con­clusão sobre o per­son­agem que esta­mos escreven­do. Como bió­grafo, o maior medo é con­stru­ir um per­son­agem que se afaste do real. E aí, você está crian­do um mon­stro, seja ele bonz­in­ho ou mal­va­do. Você tem que con­stru­ir um per­son­agem que este­ja mais próx­i­mo da real­i­dade. Out­ra com­pli­cação, nesse sen­ti­do, é que o Rober­to Mar­in­ho viveu muitos anos. Existe o Rober­to Mar­in­ho da juven­tude, por exem­p­lo, que é com­ple­ta­mente descon­heci­do até pelos próprios fil­hos. Eu tra­bal­hei com camadas de ger­ações para escr­ev­er sobre ele.

Agên­cia Brasil: Nesse sen­ti­do, como você pro­je­tou uma trilo­gia, é pos­sív­el falar que cada livro apre­sen­ta um Rober­to Mar­in­ho difer­ente? Seri­am, pelo menos, três ao lon­go da vida?

Leo­nen­cio Nos­sa: Eu diria que não. Rober­to Mar­in­ho é um per­son­agem sem mui­ta con­tradição, que segue uma lin­ha muito pré-esta­b­ele­ci­da de vida. Mas a sua per­gun­ta me faz pen­sar, porque ele foi um per­son­agem muito envolvi­do com o próprio grupo de comu­ni­cação. Sou ten­ta­do a avaliar se ele se difer­en­ciou muito ness­es perío­dos. Porque, primeiro ele era o jor­nal anti­go, que exis­tia no Rio de Janeiro, e que con­ta­va a história da vida das pes­soas. Depois, ele vai ser a rádio. Assim como vai ser tam­bém a TV. Essa tele­visão, que vai ser o mar­co de um país, deixou de ser rur­al para se tornar mais urbano. Com todos os prob­le­mas, maze­las e vio­lên­cia. Acho que os pro­du­tos que ele criou aju­dam a enten­der o per­son­agem. Por isso, eu fugi um pouco até da for­ma clás­si­ca de biografia para con­tar a história do jor­nal e depois a história da TV. Porque con­tar a história da Globo é con­tar a história do per­son­agem, é enten­der a alma de um per­son­agem. Ain­da que seja uma empre­sa com uma poli­fo­nia, com pes­soas que mili­tam em vários cam­pos políti­cos. Só que nes­sa var­iedade de vozes, dá para enten­der mel­hor o per­son­agem.

Agên­cia Brasil: Falam­os aqui do Assis Chateaubriand, dono dos Diários Asso­ci­a­dos, e de como o Rober­to Mar­in­ho o sub­sti­tu­iu como o prin­ci­pal empresário de mídia. Se pen­sar­mos em um rank­ing dos prin­ci­pais nomes da comu­ni­cação brasileira, em que posição estaria o Rober­to Mar­in­ho?

Leo­nen­cio Nos­sa: Até a morte do Chatô, o Rober­to Mar­in­ho era o quin­to maior nome da comu­ni­cação brasileira. A empre­sa dele era a quin­ta. E depois, em uma déca­da, ela vai se tornar a primeira. E vai ser uma lid­er­ança hegemôni­ca. O alcance da TV Globo país afo­ra, não há nada pare­ci­do na história do jor­nal­is­mo no nos­so país. E, de lá para cá, não apare­ceu out­ro per­son­agem com a força que Rober­to Mar­in­ho atinge em ter­mos de força políti­ca e força cul­tur­al. A Globo vai ser o grande veícu­lo a atin­gir o país inteiro. O Chatô con­seguiu faz­er a Tupi, teve uma grande revista que foi O Cruzeiro, de alcance nacional. Ele foi real­mente um pio­neiro. Mas a Globo tornou o Rober­to Mar­in­ho um suces­sor maior na história da indús­tria da comu­ni­cação.

Agên­cia Brasil: E o que expli­ca ele ter se tor­na­do esse homem tão poderoso e influ­ente?

Leo­nen­cio Nos­sa: Primeiro, havia uma base muito forte. O pai, Irineu, con­seguiu con­stru­ir um veícu­lo ino­vador no Rio de Janeiro [O Globo]. Por mais que Irineu seja um per­son­agem con­sid­er­a­do menor na his­to­ri­ografia da impren­sa, nos clás­si­cos de jor­nal­is­mo, ele vai mudar rad­i­cal­mente o mod­e­lo de faz­er jor­nal, por ser volta­do para as pes­soas do sub­úr­bio. Tin­ha uma lin­guagem difer­ente dos jor­nais que exis­ti­am na cidade do Rio de Janeiro, como a própria Gaze­ta de Notí­cias em que ele tra­bal­hou. E esse olhar, que não era para uma elite políti­ca nem int­elec­tu­al, vai mar­car a lin­guagem da Rádio Globo e depois da TV Globo. Até hoje você vê a Globo como um veícu­lo que atinge um públi­co maior. No iní­cio dos anos 1960, há a con­strução de um arcabouço jurídi­co na área de tele­co­mu­ni­cações. E de reg­u­la­men­tação tam­bém. Isso foi nos gov­er­nos do Jusceli­no [Kubitschek] e do Jan­go [João Goulart]. No iní­cio da ditadu­ra, esse sis­tema vai ser implan­ta­do, tem a cri­ação da Embra­tel, tem a vin­da da tec­nolo­gia do sis­tema de satélite. Diria que hou­ve um golpe de sorte, porque o Chatô já tin­ha feito todo um inves­ti­men­to na tec­nolo­gia anti­ga. Para faz­er uma pro­gra­mação nacional, você tin­ha que ter pro­dução no Recife, em São Paulo, no Rio. Com a nova tec­nolo­gia por satélite, dava para faz­er só no Rio de Janeiro e fica­va mais bara­to. E o Rober­to Mar­in­ho começa a inve­stir na nova tec­nolo­gia. E quan­do veio o golpe de 1964, há uma adesão do Rober­to Mar­in­ho ao golpe. E a ditadu­ra que é implan­ta­da não vai quer­er uma empre­sa hegemôni­ca nes­sa área, dom­i­nan­do o mer­ca­do. Você tam­bém tem uma explosão do mer­ca­do pub­lic­itário no Rio e em São Paulo. E aí vem uma TV Globo que é total­mente tro­ca­da por pub­li­ci­dade, para o mer­ca­do. A par­tir dos anos 1980, quan­do chega a pressão pela reaber­tu­ra democráti­ca, a Globo já se tor­na hegemôni­ca.

Agên­cia Brasil: Esta­mos falan­do da ditadu­ra mil­i­tar, e esse é um dos pon­tos de maior críti­ca à tra­jetória do Rober­to Mar­in­ho e da Globo. Como você vê essa relação?

Leo­nen­cio Nos­sa: Na época da ditadu­ra, havia mui­ta ambivalên­cia. Ao mes­mo tem­po que o Rober­to Mar­in­ho se colo­ca como apoiador do regime, ele tem um pro­du­to, uma empre­sa, que pre­cisa aten­der out­ro patrão, que é o mer­ca­do. No Brasil, o mer­ca­do con­sum­i­dor surge e tem um boom real­mente nos anos 1970. Nesse pon­to, entra o con­fli­to com o regime. Há cen­sura de nov­e­las, cen­sura de pro­gra­mas jor­nalís­ti­cos. E a Globo vai viv­er essa ambivalên­cia. É uma empre­sa que tem que crescer, mas ao mes­mo tem­po tem um regime e todas as dis­cussões políti­cas. O que rep­re­sen­tou a Globo nesse perío­do autoritário? Eu pro­curei nes­sa pesquisa mostrar como era viv­er den­tro das redações. Como era o tra­bal­ho para nós, jor­nal­is­tas. Enten­der como era a vida dess­es profis­sion­ais que fiz­er­am a Globo e fiz­er­am o jor­nal, ten­do de lidar com um pro­je­to autoritário de país. Nesse sen­ti­do, eu con­ver­sei com muitos profis­sion­ais das anti­gas e eles falavam que enfrentavam o maior dra­ma para pub­licar matérias, a ditadu­ra cen­sura­va, e eles brigavam para escr­ev­er o que era pos­sív­el. Às vezes, tem um edi­to­r­i­al que abre com o títu­lo “rev­olução vito­riosa”. Mas tem o dra­ma daque­les profis­sion­ais que tra­bal­havam ali. Exis­ti­am social­is­tas e comu­nistas.

Agên­cia Brasil: Que tipo de reflexões você espera que o livro provoque nos leitores?

Leo­nen­cio Nos­sa: Eu que­ria que o leitor tivesse con­hec­i­men­to da história de um país, que viveu nos anos 1970 um dos seus perío­dos mais difí­ceis, que foi o perío­do autoritário. Há vio­lên­cia políti­ca, exer­ci­da pelo Esta­do, com mortes e tor­tu­ra. Muitas ger­ações de artis­tas e jor­nal­is­tas atu­aram para revert­er isso, em cir­cun­stân­cias muito lim­i­tadas. Eles ten­taram resi­s­tir ou revert­er o jogo den­tro das suas pos­si­bil­i­dades. E essa batal­ha, essa resistên­cia que se deu, ela foi pos­sív­el den­tro de uma estru­tu­ra rígi­da, como era a Rede Globo e den­tro de um país dom­i­na­do por pes­soas que mataram seus adver­sários políti­cos. A questão mil­i­tar é uma coisa que não foi bem resolvi­da den­tro da história brasileira. E o que vimos recen­te­mente no 8 de janeiro mostra que pre­cisamos ficar sem­pre muito aten­tos. Acho que o livro aju­da a enten­der um pouco o que foi esse Brasil dos anos 1970 e a cri­ação da Rede Globo, empre­sa que vai se tornar hegemôni­ca na vida brasileira.

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