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Livro Um Defeito de Cor inspira enredo da Portela de 2024

Repro­dução: © Divul­gação

Obra de Ana Maria Gonçalves conta a história de Luísa Mahin


Pub­li­ca­do em 23/04/2023 — 12:30 Por Cristi­na Índio do Brasil — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A Esco­la de Sam­ba Portela gos­ta de levar para a Pas­sarela do Sam­ba na Mar­quês de Sapu­caí, na região cen­tral do Rio de Janeiro, enre­dos literários. Para 2024, o tema é Um Defeito de Cor, nome da obra da escrito­ra Ana Maria Gonçalves, que rece­beu com entu­si­as­mo a notí­cia da escol­ha do seu livro.

Entre os des­files ante­ri­ores, em 1966 a azul e bran­ca foi para a aveni­da com o enre­do Memórias de um Sar­gen­to de Milí­cias, inspi­ra­do em livro de Manoel Antônio de Almei­da. Dois anos depois escol­heu O tron­co do Ipê, basea­do em romance de José de Alen­car. Em 1973, foi a vez de Pasár­ga­da, o ami­go do rei, com base no poe­ma de Manuel Ban­deira; e em 1975 se apre­sen­tou com Macu­naí­ma, herói de nos­sa gente no romance de Mário de Andrade.

A história do enre­do vai se desen­volver na aveni­da por meio de uma car­ta son­ha­da pelos car­navale­scos Antônio Gon­za­ga e André Rodrigues, na qual o baiano Luís Gama, advo­ga­do, abo­l­i­cionista, orador, jor­nal­ista, escritor e o patrono da Abolição da Escravidão do Brasil, se dirige a sua mãe Kehinde, chama­da no Brasil de Luísa Mahin, de quem foi sep­a­ra­do ain­da cri­ança. Nasci­do de mãe negra ex-escrav­iza­da livre e pai bran­co, Gama foi ven­di­do como escra­vo aos dez anos, pelo próprio pai, que esta­va com dívi­das acu­mu­ladas. Na car­ta, Gama val­oriza o lega­do que a mãe deixou, relata­do no livro.

“Lem­bran­do das histórias que me con­ta­va, estou tal qual um pás­saro, como se voasse, bus­can­do em min­ha cabeça cada lugar que pisou, capaz de ser você em cada encon­tro que tivess­es ness­es lon­gos anos. Até hoje quan­do repas­so tuas memórias, procuro ter olhos de Daomé, olhos de jeje, olhos de águia (que era o espíri­to preferi­do da mãe de vos­sa mãe)”, indi­cou o tex­to da sinopse.

“Hon­rar quem veio antes é o que faço. Eu sou porque tu fos­tes, min­ha mãe”, pon­tua a car­ta imag­i­na­da.

Proposta

O enre­do do próx­i­mo ano foi pro­pos­to pelos car­navale­scos Antônio Gon­za­ga e André Rodrigues, que pela primeira vez estão à frente do car­naval da azul e bran­ca de Oswal­do Cruz e Madureira, bair­ros da zona norte do Rio. Gon­za­ga disse que ape­sar de começarem a tra­bal­har jun­tos há pouco tem­po, os dois já tin­ham o dese­jo de desen­volver um enre­do basea­do no livro.

“O enre­do da Portela nasceu de den­tro da gente e da nos­sa von­tade de falar sobre o que nos une na arte, no sam­ba e nas nos­sas her­anças. Somos dois artis­tas negros fazen­do a cen­tenária Portela. A escol­ha do Um Defeito de Cor foi exata­mente esse encon­tro de tra­jetórias. É um enre­do que nós dois já tín­hamos von­tade de desen­volver, mas que só fomos desco­brir isso quan­do nos jun­ta­mos na Portela”, con­tou à Agên­cia Brasil.

Segun­do André Rodrigues, no ano pas­sa­do, quan­do era um dos car­navale­scos da Bei­ja-Flor de Nilópo­lis, chegou a apre­sen­tar uma pro­pos­ta de enre­do basea­do no livro e a mãe do Antônio já tin­ha indi­ca­do, para o fil­ho, que a obra seria um bom tema de enre­do, “Quan­do cheg­amos jun­tos na Portela, jun­tou a fome com a von­tade de com­er. Os dois tin­ham mui­ta von­tade de faz­er esse enre­do e a gente super mer­gul­hou de cabeça de que esta seria a mel­hor pro­pos­ta para o atu­al momen­to da Portela”, comen­tou à reportagem.

Gon­za­ga rev­el­ou ain­da que a par­tir da escol­ha do tema basea­do no livro, ele e André pen­saram em desen­volver o enre­do com um recorte, dan­do trata­men­to mais pes­soal para a história e pen­san­do em um reen­con­tro de Gama com a mãe. “Nós dois assum­i­mos a voz de Luís Gama hom­e­nage­an­do Kehinde como uma for­ma de hom­e­nagear­mos tam­bém nos­sas próprias mães e as mul­heres negras que ger­aram nos­sa história de luta. Con­ver­samos muito com a Ana Maria e esta­mos mer­gul­ha­dos nes­sa nar­ra­ti­va para faz­er a Portela voar alto”, afir­mou.

O tex­to da apre­sen­tação do enre­do, ou sinopse, pub­li­ca­do no site da azul e bran­co, indi­ca que para 2024, o son­ho da esco­la “está basea­do no prin­ci­pal fator sim­bóli­co que dá con­sistên­cia para ela ser o que é e chegar onde chegou: O Afe­to”. E é exata­mente esse, que André acha ser o destaque, tam­bém, no trata­men­to dado à esco­la.

“Nós decidi­mos que o afe­to seria a prin­ci­pal palavra da Portela este ano, seria o fio con­du­tor de tudo que faríamos para a Portela. Uma esco­la que está com­ple­tan­do 100 anos, pre­cisa de car­in­ho, de cuida­do, essa manutenção daqui­lo que, real­mente, move uma esco­la de sam­ba que são as pes­soas. Então a gente achou que o afe­to seria a mel­hor coisa”, rela­tou, desta­can­do ain­da que a história é rodea­da de afe­to na tra­jetória de Kehinde, reple­ta de out­ras mul­heres que lhe indicaram cam­in­hos.

Para Gon­za­ga, o sen­ti­men­to que os dois querem pas­sar com o enre­do é orgul­ho. “Orgul­ho de onde nós viemos, de quem nos tor­namos e por quem luta­mos. É uma história de luta e de momen­tos de dor pro­fun­da, mas o sen­ti­men­to que quer­e­mos trans­mi­tir é real­mente desse orgul­ho e desse amor que o fil­ho sente da história de sua mãe. Uma mãe que car­regou a África em seu peito e que aju­dou a con­stru­ir a liber­dade do povo pre­to no Brasil. Que pas­sou por tudo o que pas­sou e sobre­viveu graças ao amor e ao apego às suas crenças, sua fé e seu ímpeto por justiça e lib­er­tação”, acres­cen­tou.

Os dois car­navale­scos con­taram que não há divisão no tra­bal­ho, mes­mo sendo a primeira vez que tra­bal­ham jun­tos. Segun­do Gon­za­ga, eles já se con­heci­am e há muito tem­po se respeitavam como artis­tas.

“É muito boni­to viv­er esse momen­to ao lado do André. Sin­to que nos encon­tramos num momen­to muito impor­tante para nós dois e vamos hon­rar essa opor­tu­nidade lin­da de desen­volver o car­naval da Portela. O proces­so de tra­bal­ho não tem divisão exa­ta. Tra­bal­hamos dis­cutin­do tudo do proces­so. Cada um com sua téc­ni­ca. Nós somamos muito um ao out­ro e isso tem resul­ta­do num proces­so muito rico de car­naval. Temos muito cuida­do para que tudo fique exata­mente da for­ma que nós dois son­hamos e com uma coerên­cia visu­al e dis­cur­si­va”, resum­iu.

“Tudo é feito a qua­tro mãos. Aqui­lo que eu desen­ho vai para a mesa do Antônio para ele ver o que acha e vice-ver­sa. Não existe uma divisão de tra­bal­ho. Tudo é feito como se fos­se uma cabeça só e tem sido muito praze­roso. Ele é um pouco mais novo em exper­iên­cia de car­naval, sou um pouco mais vel­ho que ele, mas tem sido revig­o­rante”, con­tou André.

A sat­is­fação de estar à frente do car­naval da Portela é para os dois uma sen­sação de grande respon­s­abil­i­dade e a real­iza­ção de um son­ho. “É sobre­tu­do uma grande hon­ra. É uma grande responsabilidade.Tenho mui­ta con­sciên­cia do taman­ho da Portela e da paixão que move sua tor­ci­da, seus seg­men­tos e seus com­po­nentes. É uma feli­ci­dade enorme ser car­navale­sco da Portela e essa feli­ci­dade é com­bustív­el pro nos­so son­ho de car­naval. Quer­e­mos que toda a Portela son­he com a gente e que a gente faça essa história tão incrív­el tocar mais e mais pes­soas”, disse Gon­za­ga.

Para André, coman­dar o enre­do da Portela para 2024 é neste momen­to, tam­bém muito reflex­i­vo por se tratar de dois jovens car­navale­scos pre­tos à frente da mais anti­ga esco­la de sam­ba que com­ple­ta o cen­tenário este ano.”Significa mui­ta coisa. Sig­nifi­ca, talvez, o reen­con­tro da própria Portela com seus per­son­agens prin­ci­pais, que eram pes­soas pre­tas”, pon­tu­ou, acres­cen­tan­do que para eles o princí­pio é man­ter a essên­cia da Portela como esco­la de sam­ba.

“Esse tra­bal­ho não se sobrepõe à Portela. A gente não tem essa empá­fia, essa sober­ba de achar que nos­sa pro­dução artís­ti­ca é maior que a Portela”, con­cluiu.

Para a auto­ra Ana Maria Gonçalves, que defende a pop­u­lar­iza­ção da lit­er­atu­ra, diante do alcance da audiên­cia e da reper­cussão dos des­files das esco­las de sam­ba do Rio, o seu obje­ti­vo será alcança­do.

Mostra

Um Defeito de Cor tam­bém é tema da mostra de mes­mo nome no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, zona por­tuária da cidade, que pode ser vista até o dia 14 de maio. Ela traz uma inter­pre­tação do livro, lança­do há 17 anos e já con­sid­er­a­do um clás­si­co da lit­er­atu­ra afro­fem­i­nista brasileira. Tra­ta-se de uma “história real romancea­da”, expli­ca a auto­ra na intro­dução da obra, e traz a saga de Kehinde, nat­ur­al do Reino de Daomé e sequestra­da na cos­ta de onde é hoje a Repúbli­ca do Benin, aos seis anos de idade, e trazi­da para o Brasil como escra­va no iní­cio do sécu­lo 19.

A revisão his­to­ri­ográ­fi­ca da escravidão abor­da lutas, con­tex­tos soci­ais e cul­tur­ais do sécu­lo, com 400 obras como desen­hos, pin­turas, vídeos, escul­turas e insta­lações de mais de cem artis­tas brasileiros e africanos, incluin­do tra­bal­hos inédi­tos de Kwaku Ananse Kin­tê, Kika Car­val­ho, Anto­nio Oloxedê, Goya Lopes, pro­duzi­dos espe­cial­mente para a mostra.

Edição: Ake­mi Nita­hara

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