...
terça-feira ,11 fevereiro 2025
Home / Entretenimento / Livros que dão samba: as histórias que vão agitar a Sapucaí em 2024

Livros que dão samba: as histórias que vão agitar a Sapucaí em 2024

Repro­dução: © Arte/Agência Brasil

Obras de temas indígenas, afro-brasileiros e regionais inspiram enredo


Pub­li­ca­do em 12/02/2024 — 09:02 Por Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

ouvir:

banner carnaval 2024

Uma boa história pode ser con­ta­da em difer­entes for­mas, lin­gua­gens e rit­mos. Nos livros, ela se desen­volve de for­ma mais lenta, min­u­ciosa e cos­tu­ma agi­tar mais os olhos e pen­sa­men­tos. Quan­do trans­mi­ti­da por meio da músi­ca, prin­ci­pal­mente em um sam­ba-enre­do, vem em fras­es cur­tas, rimadas e movi­men­ta todo o cor­po num com­pas­so rápi­do. É esse tipo de exper­iên­cia sen­so­r­i­al e int­elec­tu­al que pode ser esper­a­da de quem acom­pan­har os des­files da Mar­quês de Sapu­caí, no Rio de Janeiro, no car­naval deste ano. Pelo menos cin­co esco­las se inspi­raram em obras da lit­er­atu­ra na hora de mon­tar as com­posições.

O escritor Alber­to Mus­sa vai ser um dos autores priv­i­le­gia­dos por ter um livro dele como refer­ên­cia no Sam­bó­dro­mo. Apaixon­a­do por car­naval, ele foi cri­a­do em uma família que sem­pre teve laços fortes com as agremi­ações car­i­o­cas.

O tio, con­heci­do como Didi, foi com­pos­i­tor da União da Ilha e do Salgueiro. Escreveu sam­bas pop­u­lares como É Hoje e O Aman­hã. O escritor torce para as duas agremi­ações des­de pequeno, mas vai acres­cen­tar uma ter­ceira tor­ci­da em 2024 para a Grande Rio, esco­la de Duque de Cax­i­as, na região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro, que tem o livro dele, Meu des­ti­no é ser onça, lança­do em 2009, como prin­ci­pal refer­ên­cia do sam­ba-enre­do.

“Fiquei felicís­si­mo. Talvez seja o maior prêmio da min­ha car­reira de escritor. Algu­mas obras literárias viraram enre­do e der­am origem a sam­bas antológi­cos. Como Macu­naí­maOs Sertões, A invenção de Orfeu. Há uma série de clás­si­cos da lit­er­atu­ra brasileira que fig­u­raram nesse uni­ver­so e, de repente, me ver den­tro desse rol, é um orgul­ho muito grande, uma feli­ci­dade enorme”, disse Mus­sa.

O livro do escritor parte de reg­istros da cul­tura tupinam­bá feitos pelo frade André Thevet, em 1550, e out­ras fontes dos sécu­los 16 e 17 para recon­sti­tuir o que teria sido o tex­to orig­i­nal de uma nar­ra­ti­va indí­ge­na. Ele con­ta que ficou sat­is­feito ao ver as ideias do livro trans­portadas para o enre­do de sam­ba.

“Eu achei muito bem feito. O sam­ba evi­den­te­mente não vai dar con­ta do livro todo. E o enre­do tam­bém não é ape­nas sobre o livro. Ele vai além. Eles ampli­aram essa visão da onça, extrap­o­laram o uni­ver­so tupinam­bá e troux­er­am out­ras cul­turas orig­inárias da Améri­ca do Sul. E tiver­am uma solução muito inteligente no enre­do. No iní­cio, fala do mito de cri­ação do mun­do. O final do sam­ba é exata­mente o fim do livro, que é a pos­si­bil­i­dade de destru­ição final, quan­do a onça come a lua”.

Para Mus­sa, o número expres­si­vo de esco­las de sam­ba que usaram livros como fontes dos enre­dos deste ano reforça que o car­naval sem­pre esteve pre­ocu­pa­do em traz­er dis­cussões soci­ais impor­tantes para a Aveni­da. A fes­ta é folia, diver­são, mas tam­bém um espaço de con­hec­i­men­to.

“Se a gente pen­sar bem, his­tori­ca­mente fig­uras emblemáti­cas, que hoje são sím­bo­los nacionais vão apare­cer nos sam­bas. Caso do Zumbi dos Pal­mares, no Salgueiro em 1960, a Tere­sa de Benguela, mul­her escrav­iza­da com vida de rebe­lião e con­tes­tação, que era descon­heci­da e virou enre­do da Viradouro nos anos 90. Esse espaço das esco­las de sam­ba sem­pre foi de van­guar­da, de mui­ta dis­cussão sobre a cul­tura pop­u­lar e povos brasileiros de origem não europeia que sem­pre ficaram rel­e­ga­dos e con­sid­er­a­dos cul­tural­mente infe­ri­ores”, diz o escritor.

Outros enredos

Out­ras esco­las de sam­ba encon­traram inspi­ração na lit­er­atu­ra. A Portela tem o enre­do basea­do no livro Um defeito de cor, lança­do em 2006 pela escrito­ra Ana Maria Gonçalves. A obra con­ta a saga de Kehinde, mul­her negra que é sequestra­da no Reino do Daomé, atu­al Benin, na África, quan­do tin­ha oito anos de idade, e trazi­da para a Bahia, onde é escrav­iza­da.

A par­tir dessa história indi­vid­ual, são trata­dos temas impor­tantes como a explo­ração de africanos e descen­dentes na diás­po­ra, assim como proces­sos de luta e resistên­cia durante oito décadas no Brasil. A pro­tag­o­nista, Kehinde, é inspi­ra­da em Luísa Mahin, que teria sido mãe do poeta Luís Gama e par­tic­i­pa­do da céle­bre Revol­ta dos Malês, movi­men­to lid­er­a­do por escrav­iza­dos muçul­manos a favor da abolição.

A que­da do céu, livro do yanoma­mi Davi Kope­nawa e do antropól­o­go Bruce Alberts, é a prin­ci­pal refer­ên­cia para o des­file do Salgueiro. A par­tir dele, a esco­la con­stru­iu um sam­ba ded­i­ca­do a exal­tar a mitolo­gia yanoma­mi e defend­er a Amazô­nia. O enre­do é apre­sen­ta­do pelo títu­lo Hutukara, que na lín­gua yanoma­mi sig­nifi­ca “o céu orig­i­nal a par­tir do qual se for­mou a ter­ra”.

Temas como o aque­c­i­men­to glob­al e o des­mata­men­to tam­bém vão ser abor­da­dos. Assim como a história de mais de mil anos dos yanoma­mi na maior Ter­ra Indí­ge­na (TI) do país, ao norte do Brasil e sul da Venezuela, nos esta­dos do Ama­zonas e Roraima, nas bacias do Rio Negro e do Rio Bran­co.

A Por­to da Pedra, de São Gonça­lo, vai apre­sen­tar o des­file sobre inti­t­u­la­do Lunário Per­pé­tuo: A Proféti­ca do Saber Pop­u­lar. A refer­ên­cia é ao almanaque do perío­do medieval, escrito na Espan­ha por vol­ta do sécu­lo 14, que chega 200 anos depois ao Brasil. E pas­sa a servir de guia para a med­i­c­i­na, agri­cul­tura e pecuária locais. Além de cir­cu­lar pelas class­es mais ric­as, pas­sa a ter algum alcance entre os mais pobres, prin­ci­pal­mente no Nordeste.

A Imper­a­triz Leopoldinense, campeã do car­naval em 2023, vai traz­er para a Aveni­da o enre­do Com a sorte vira­da pra lua segun­do o tes­ta­men­to da cigana Esmer­al­da. A letra é basea­da em um cordel escrito há mais de 100 anos pelo poeta paraibano Lean­dro Gomes de Bar­ros. Na história, uma mul­her cigana deixa um tes­ta­men­to, que serve como um man­u­al da sorte para indicar o des­ti­no das pes­soas, inter­pre­tar son­hos, decifrar a astrolo­gia e o futuro.

Edição: Car­oli­na Pimentel

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Opas emite alerta para risco de surtos de dengue 3 nas Américas

Aviso inclui Brasil, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México e Peru Paula Labois­sière – Repórter da …