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Luta de Chico Mendes permanece viva nos 80 anos de seu nascimento

Em 1988, uma semana após fazer 44 anos, ele foi assassinado

Fabío­la Sin­im­bú — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 15/12/2024 — 09:02
Brasília
Chico Mendes
Repro­dução: © Arte/Agência Brasil

Neste 15 de dezem­bro, Chico Mendes com­ple­taria 80 anos, se em 22 de dezem­bro de 1988, uma sem­ana depois de faz­er 44 anos de idade, não tivesse sido assas­si­na­do a tiros de escope­ta nos fun­dos da própria casa, em Xapuri, no Acre (AC), municí­pio crava­do na Amazô­nia, região onde o sindi­cal­ista e ativista trans­for­mou a vida de muitas pes­soas, que, como ele, nasce­r­am e viver­am na e da flo­res­ta.

“Se a gente for olhar pela tra­jetória de vida do meu pai, com seus 44 anos, jovem e atrav­es­sa­do por tan­tos desafios, ten­do tan­tas ideias e lid­eran­do proces­sos tão com­plex­os e ousa­dos para a época. Se estivesse vivo, eu veria hoje uma Amazô­nia um pouco mel­hor de se viv­er, uma Amazô­nia mais preser­va­da”, diz Ângela Mendes, a fil­ha de Chico Mendes com a primeira esposa, Eunice Feitosa Mendes.

Nasci­do no mes­mo local de sua morte, Fran­cis­co Alves Mendes Fil­ho traçou uma tra­jetória de vida cur­ta e inten­sa. Com iní­cio duro e de pou­cas opor­tu­nidades no Serin­gal Por­to Rico, onde tra­bal­hou des­de os 11 anos de idade, em vez de fre­quen­tar a esco­la.

Só viu opor­tu­nidade de trans­for­mar a própria real­i­dade nos seringais de condições análo­gas à escravidão. Até cas­ti­gos físi­cos sofreu. Aos 16 anos, foi alfa­bet­i­za­do por Euclides Távo­ra, um mil­i­tante comu­nista cearense, refu­gia­do políti­co do gov­er­no Getúlio Var­gas.  Com o con­hec­i­men­to que o letra­men­to lhe pos­si­bil­i­tou, Chico Mendes foi muito além, como recor­da o ami­go e tam­bém mil­i­tante, Gumercin­do Rodrigues, o Guma.

“O próprio Chico dizia, eu pen­sei primeiro que eu esta­va defend­en­do a seringueira, depois eu pen­sei que eu esta­va defend­en­do os seringueiros, que esta­va defend­en­do a flo­res­ta, de repente eu desco­bri que eu esta­va defend­en­do o plan­e­ta, esta­va lutan­do pelo plan­e­ta”, diz.

Uma luta mar­ca­da por inúmeros ‘empates’, uma das primeiras fer­ra­men­tas usadas por Chico Mendes em suas batal­has diante das con­stantes ameaças de expul­são. A estraté­gia, cri­a­da pelo tam­bém seringueiro, Wil­son Pin­heiro, garan­tia a pro­teção da flo­res­ta e das seringueiras, de for­ma pací­fi­ca, por meio da reunião da maior quan­ti­dade pos­sív­el de tra­bal­hadores e suas famílias para ‘empatar’ em número e argu­men­to com os des­mata­dores e, dessa for­ma, ‘empatar’, no sen­ti­do de impedir, o cumpri­men­to da ordem dada pelos lat­i­fundiários.

“Essa práti­ca se tornou bas­tante forte na região de Brasileia (AC) e foi con­duzi­da com bas­tante maes­tria pelo Wil­son Pin­heiro, a primeira grande lid­er­ança de tra­bal­hadores rurais, assas­si­na­do dia 21 de jul­ho de 1980. Exata­mente por causa de sua grande capaci­dade de mobi­liza­ção e de resistên­cia, ele fez parte dessa cri­ação do empate lá atrás”, con­ta Guma.

Resex

Brasília (DF), 04/09/2023 - Homenagem ao Dia da Amazônia: 35 Anos do Legado de Chico Mendes. Dep. Nilto Tatto (PT - SP) e a ativista Socioambiental, Ângela Mendes. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Repro­dução: Ativista Socioam­bi­en­tal Ângela Mendes. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Dep­uta­dos

Novas fer­ra­men­tas de mobi­liza­ção foram sendo con­struí­das por Chico Mendes, como a Aliança dos Povos da Flo­res­ta, um movi­men­to social que reuniu extra­tivis­tas, indí­ge­nas, ribeir­in­hos e out­ros povos tradi­cionais; na déca­da de 1980. A cri­ação do Con­sel­ho Nacional dos Seringueiros e do con­ceito das reser­vas extra­tivis­tas (Resex) foram out­ras for­mas de for­t­ale­cer a luta do ambi­en­tal­ista na cole­tivi­dade e no vín­cu­lo com os ter­ritórios.

Para Ângela, com a ideia de reg­u­lar­iza­ção das áreas onde os seringueiros moravam, em um proces­so onde o cuida­do com o ambi­ente era asso­ci­a­do ao modo de vida dos povos tradi­cionais, Chico Mendes “abre as por­tas para uma modal­i­dade que per­mite a pre­sença das pes­soas na flo­res­ta. E hoje já está mais do que prova­do que as pes­soas, as pop­u­lações tradi­cionais, têm uma relação har­mo­niosa com o seu ter­ritório, de guardião desse ter­ritório, de guardião de uma ances­tral­i­dade tam­bém. Então é uma out­ra relação”, desta­ca.

Inspiração

A chega­da das esco­las nos seringais, por meio do Pro­je­to Seringueiro, com metodolo­gia para adul­tos basea­da nas ideias de Paulo Freire, tam­bém teve, na sua origem, a exper­iên­cia de alfa­bet­i­za­ção tar­dia vivi­da por Chico Mendes. A ini­cia­ti­va implan­ta­da por uni­ver­sitários lid­er­a­dos pela antropólo­ga e ami­ga do ambi­en­tal­ista, Mary Alle­gret­ti, gan­hou fôlego e resistên­cia com o apoio do Cen­tro de Tra­bal­hadores da Amazô­nia, orga­ni­za­ção social estru­tu­ra­da no coop­er­a­tivis­mo e que teve, tam­bém, par­tic­i­pação do líder seringueiro.

Solidariedade

Segun­do Ângela, aque­les que con­viver­am com Chico Mendes o con­sid­er­am vivo através das ideias que ele deixou e que con­tin­u­am inspi­ran­do ini­cia­ti­vas de pro­teção às flo­restas e de quem vive nela. E foram muitas pes­soas, diz a fil­ha do ambi­en­tal­ista. “Ele era uma pes­soa inten­sa­mente caris­máti­ca e que inspi­ra­va a con­fi­ança dos seus com­pan­heiros, o quan­to ele era frater­no”.

A fil­ha recor­da que, em uma visi­ta que fez ao pai, encon­trou todas as roupas da casa e do seringueiro no chão, até o úni­co ter­no que tin­ha, que usou aos ser con­dec­o­ra­do, em Nova York, com a Medal­ha da Sociedade para um Mun­do Mel­hor.

“Eu estran­hei aqui­lo e per­gun­tei, e ele falou que teve uma assem­bleia no sindi­ca­to, nem todo mun­do con­seguiu ficar lá alo­ja­do, e alguns com­pan­heiros foram dormir na casa dele. Ele botou tudo que ele tin­ha no chão para que as pes­soas não pas­sas­sem frio”, disse Ângela.

Futuro

Brasília (DF), 13/12/2024 - Gomercindo Rodrigues, agrônomo e advogado, amigo de Chico Mendes. Foto: Gomercindo Rodrigues/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Gomercin­do Rodrigues, agrônomo e advo­ga­do, ami­go de Chico Mendes. Foto: Gomercin­do Rodrigues/Arquivo Pes­soal

Para o ami­go Guma, a Amazô­nia e todo o plan­e­ta pagam um preço alto pela par­ti­da pre­coce de Chico Mendes. “Nós tín­hamos um por­ta-voz que era extrema­mente efi­ciente, tran­qui­lo, con­ver­sa­va com todo mun­do, mas era extrema­mente firme nas suas posições. Eu acho que ele teria con­segui­do agluti­nar muito mais gente nes­sa resistên­cia”, afir­ma.

Guma, o agrônomo que virou advo­ga­do para apoiar os povos da flo­res­ta, entende que é necessário avançar na for­ma como se pen­sa o desen­volvi­men­to na Amazô­nia e, para isso, a mel­hor respos­ta está no modo de vida tradi­cional, que sem­pre pre­cisou da flo­res­ta em pé. Ele diz que o Brasil pre­cisa atin­gir o des­mata­men­to zero em todos os bio­mas e, para isso, é necessário punir de for­ma mais efe­ti­va quem des­ma­ta e causa queimadas.

“Eu acho que não é cadeia que resolve. Eu acho que, a respon­s­abi­liza­ção civ­il, a obri­gação de reparar o dano, é a mel­hor punição. Des­ma­tou mil hectares, tem que plan­tar dois mil hectares de flo­restas nati­vas, de espé­cies nati­vas, não de mono­cul­tura de eucalip­to, que é de deser­to verde”, ressalta.

Ângela com­ple­men­ta que tam­bém é pre­ciso cuidar do futuro, para que tudo que Chico Mendes con­stru­iu, per­maneça vivo. “O que ele deixa de lega­do foi tão forte, mas, ao mes­mo tem­po, pre­cisa de ser cuida­do. Então, por exem­p­lo, a gente tem olha­do com mui­ta pro­fun­di­dade para a juven­tude dess­es ter­ritórios, porque entende que o jovem é o pre­sente, mas tam­bém o futuro. Que a gente pre­cis­ar man­ter ess­es ter­ritórios ain­da pro­te­gi­dos, a gente tem que pro­te­ger e garan­tir o aces­so a dire­itos, as políti­cas públi­cas fortes para man­ter ess­es jovens no seu ter­ritório com uma sen­sação de bem-estar muito forte”, desta­ca a fil­ha de Chico Mendes.

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