...
sexta-feira ,14 fevereiro 2025
Home / Direitos Humanos / “Luto pela memória do meu pai há 40 anos”, diz filha de indígena morto

“Luto pela memória do meu pai há 40 anos”, diz filha de indígena morto

Repro­dução: © Foto: Paulo Suess/Cimi/Divulgação

Marçal de Souza Tupã defendia direitos dos indígenas à terra


Pub­li­ca­do em 25/11/2023 — 09:36 Por Luiz Cláu­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

ouvir:

A pro­fes­so­ra de história Edna Sil­va de Souza com­ple­ta­va 33 anos de idade no dia 22 de novem­bro de 1983, mas a casa, na cidade de Doura­dos (MS), esta­va sem cli­ma de comem­o­ração. O pai, Marçal de Souza Tupã, de 63, esta­va ten­so. 

“Ele esta­va apreen­si­vo e disse pra gente que esta­va se sentin­do persegui­do pelos dis­cur­sos que vin­ha fazen­do em defe­sa dos dire­itos dos indí­ge­nas à ter­ra. Ele denun­ci­a­va tudo o que via de erra­do. Mas a gente vivia numa ditadu­ra. Não exis­tia liber­dade de expressão”, pon­dera a fil­ha.

Cinco tiros

Lid­er­ança Guarani Kaiowá, o aux­il­iar de enfer­magem do efe­ti­vo da Funai, Marçal de Souza  foi assas­si­na­do em sua casa, na aldeia Campestre, no municí­pio de Antônio João (MS), com cin­co tiros, no dia 25 de novem­bro há exatos 40 anos. Como havia sido trans­feri­do, só volta­va para casa uma vez por mês.

A família só foi avisa­da no dia seguinte. Não bas­tasse isso, o crime nun­ca foi esclare­ci­do. “Des­de aque­le dia, bus­camos por justiça. Luto pela memória do meu pai há 40 anos”, diz a fil­ha, hoje aos 73 anos de idade.

Edna atu­ou por 35 anos como pro­fes­so­ra de história em esco­las indí­ge­nas na região. “Por onde fui, con­tei a história dele. Era um rev­olu­cionário. Onde ia, as pes­soas par­avam para ouvir”.

Isso ger­ou os prob­le­mas. “Ele procu­ra­va esclare­cer os dire­itos para as pes­soas. Na época, era chama­do de agi­ta­dor”, con­sid­era a pro­fes­so­ra. Ela recor­da que a con­vivên­cia com o pai havia fica­do restri­ta com a função dele na Funai, mas Marçal não deix­a­va de voltar para casa des­de que foi trans­feri­do de cidade, três anos antes.  “Meu pai rece­bia o paga­men­to dele como aux­il­iar de enfer­magem e volta­va para Doura­dos todo mês para faz­er com­pras para casa”.

Manaus (AM) 25/11/2023 Edna Silva de Souza filha de Marçal de Souza, que em Manaus, fez um discurso para o Papa João Paulo II. “Este é o país que nos foi tomado. Dizem que o Brasil foi descoberto. Foto: Arquivo pessoal
Repro­dução: Man­aus — Edna Sil­va de Souza, fil­ha de Marçal, fala sobre a luta do pai pelos dire­itos indí­ge­nas — Foto: arqui­vo pes­soal

Resistência

Em casa, havia deix­a­do os sete fil­hos. Mas não dava um pas­so atrás. Fazia dis­cur­sos, palestras, cobra­va enti­dades públi­cas. Não se con­for­ma­va ao ter con­hec­i­men­to de indí­ge­nas em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade. “Ele dizia: ‘sou uma pes­soa mar­ca­da para mor­rer’”.

No tra­bal­ho como enfer­meiro, bus­ca­va remé­dio para as comu­nidades mais vul­neráveis. Ouvia da família que dev­e­ria se cuidar e evi­tar sair à noite. Out­ra pre­ocu­pação é que fazen­deiros ten­tavam ali­ciá-lo para que deix­as­se de protes­tar.

“Ofer­e­ce­r­am muito din­heiro para ele. E garan­tia que a hon­esti­dade não tin­ha preço”. Na últi­ma vol­ta para casa, disse para a família que pre­cisa­va arru­mar mais remé­dios para a comu­nidade e que fal­tavam des­de os medica­men­tos mais sim­ples.

Papa

Três anos antes do assas­si­na­to, Marçal de Souza, em Man­aus, fez um dis­cur­so para o papa João Paulo II.  “Este é o país que nos foi toma­do. Dizem que o Brasil foi descober­to. O Brasil não foi descober­to não, San­to Padre, o Brasil foi inva­di­do e toma­do dos indí­ge­nas. Esta é a ver­dadeira história”, disse ao papa.

Naque­le ano do encon­tro com João Paulo II, Marçal Tupã foi trans­feri­do de cidade, onde acabou mor­ren­do. Con­forme reg­is­tra o arqui­vo do MIn­istério Públi­co Fed­er­al em Mato Grosso do Sul, os acu­sa­dos Libero Mon­teiro de Lima e Rômu­lo Gamar­ra foram absolvi­dos por fal­ta de provas. “Lem­bro que nos falaram que o local do crime não foi preser­va­do e, por isso, ninguém foi punido”

Após o assas­si­na­to, a família ficou com medo. Mas procurou hon­rar a ter­ra do pai. “Ele fala­va que não ia desi­s­tir da mis­são”. Para hon­rar a memória de Marçal, enti­dades como o Cen­tro Indi­genista Mis­sionário (Cimi), a Aty Gua­su – Grande Assem­bleia dos Povos Kaiowá e Guarani, a  Uni­ver­si­dade Fed­er­al da Grande Doura­dos e o Min­istério Públi­co Fed­er­al real­izam atos de hom­e­nagem à memória do indí­ge­na assas­si­na­do há 40 anos.

Edição: Graça Adju­to

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Observatório vai monitorar violência contra jornalistas

Instituição foi criada por portaria do Ministério da Justiça Pedro Peduzzi — Repórter da Agên­cia …