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Maior presença de negros no país reflete reconhecimento racial

Repro­dução: © Paulo Pinto/Agência Brasil

Avaliação é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil


Pub­li­ca­do em 24/12/2023 — 16:13 Por Bruno de Fre­itas Moura — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A pop­u­lação brasileira está ten­do mais orgul­ho em se recon­hecer mais “escure­ci­da”. Essa é uma con­statação de espe­cial­is­tas ouvi­dos pela Agên­cia Brasil após os mais recentes resul­ta­dos do Cen­so 2022, que rev­e­laram que 55,5% da pop­u­lação se iden­ti­fi­ca como pre­ta ou par­da. 

O lev­an­ta­men­to divul­ga­do na sex­ta-feira (22) pelo Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE) apon­tou que os par­dos são 45,3% da pop­u­lação e super­aram a quan­ti­dade de bran­cos pela primeira vez des­de 1872, quan­do foi real­iza­do o primeiro recensea­men­to do país. Além dis­so, a pro­porção de pre­tos mais que dobrou entre 1991 e 2022, alcançan­do 10,2% da pop­u­lação.

O IBGE expli­ca que a mudança no per­fil étni­co-racial do país não reflete ape­nas a questão demográ­fi­ca, ou seja, nasci­men­to ou morte de pes­soas, mas tam­bém out­ros fenô­menos soci­ais.

“Essas vari­ações têm a ver com a per­cepção. Cor ou raça é uma per­cepção que as pes­soas têm de si mes­mas. Tem a ver com con­tex­to socioe­conômi­cos, con­tex­tos das relações inter­ra­ci­ais”, disse o pesquisador Leonar­do Athias.

Reconhecimento

Brasília (DF) 21/12/2023 –Censo 2022 Por cor ou Raça.Arte Agência Brasil
Repro­dução: Arte Agên­cia Brasil

Para a his­to­ri­ado­ra Wania Sant’Anna, con­sel­heira do Cen­tro de Estu­dos e Dados sobre Desigual­dade Raci­ais (Cedra), o Brasil pas­sa por “um momen­to de recon­hec­i­men­to de per­tenci­men­to étni­co-racial no ter­reno da negri­tude e da afrode­scendên­cia”.

Segun­do ela, o resul­ta­do con­sol­i­da uma tra­jetória que já vin­ha des­de o recensea­men­to de 1991 e que “não tem vol­ta”.

“O que com­pro­va isso [recon­hec­i­men­to com a afrode­scendên­cia] é essa mudança expres­si­va dos pre­tos, que mais que dobraram entre os anos 80 e os dias atu­ais”, apon­ta Wania, que tam­bém é pres­i­dente de gov­er­nança do Insti­tu­to Brasileiro de Anális­es Soci­ais e Econômi­cas (Ibase) e inte­grante da Coal­izão Negra por Dire­itos.

A pesquisado­ra do Insti­tu­to de Pesquisa Econômi­ca Apli­ca­da (Ipea) Tatiana Dias Sil­va con­verge com a expli­cação de que não é ape­nas a questão demográ­fi­ca que cau­sou o aumen­to de negros na pop­u­lação.

“Tem alguns estu­dos da com­posição de com­po­nentes demográ­fi­cos para iden­ti­ficar se tem mais taxa de natal­i­dade e fecun­di­dade da comu­nidade negra, e não con­seguem jus­ti­ficar demografi­ca­mente essa mudança”, expli­ca.

Brasília (DF) 24/12/2023 – Na foto Wania Sant'Anna - Censo 2022: maior presença de negros reflete reconhecimento racialFoto: Wania Sant'Anna/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Con­sel­heira do Cedra Wania San­t’An­na — Foto: Arqui­vo Pes­soal

Debates

Wania Sant’Anna cita dois grandes fatores que expli­cam, na visão dela, o recon­hec­i­men­to das pes­soas com a negri­tude. Um são os debates públi­cos mais aber­tos sobre desigual­dades raci­ais, racis­mo e pre­con­ceito.

“As pes­soas são dis­crim­i­nadas por causa da sua cor. À medi­da que esse debate se tor­na públi­co, os sujeitos pen­sam ‘isso pode­ria ter acon­te­ci­do comi­go porque essa é a min­ha cor, esse é o meu cabe­lo, esse é o meu ter­ritório’. Então o debate sobre racis­mo tem con­tribuí­do muito”, avalia.

Out­ro fator, apon­ta Wania, são as man­i­fes­tações cul­tur­ais pop­u­lares que falam sobre racis­mo, como músi­ca e lit­er­atu­ra.

“A gente não pode esque­cer o impacto que o hip-hop e o funk estão pro­duzin­do na pop­u­lação jovem e não tão jovem tam­bém. Esse debate fala de raça, racis­mo e cor de pele. Isso infor­ma as pes­soas. As pes­soas não estão sendo infor­madas ape­nas pela bran­qui­tude”, disse.

O efeito dessa con­sci­en­ti­za­ção, acred­i­ta Wania Sant’Anna, aparece quan­do o recenseador per­gun­ta às pes­soas com qual raça se iden­ti­fi­cam.

A inte­grante da Coal­izão Negra por Dire­itos ressalta que ess­es debates públi­cos não exis­ti­am com a mes­ma força décadas atrás.

Visão com­par­til­ha­da com Tatiana, do Ipea. “A gente está ten­do ao lon­go dessas últi­mas duas décadas muito mais dis­cussão sobre a questão racial. Isso deixa de ser encar­a­do como um tabu, e as pes­soas falam sobre isso e acabam tam­bém se recon­hecen­do mais a par­tir das suas ori­gens como negras”, diz a pesquisado­ra cedi­da ao Min­istério da Igual­dade Racial (MIR).

Cor e raça

Brasília (DF) 21/12/2023 – Distribuição da População Por cor Ou Raça.Arte Agência Brasil
Repro­dução: Arte Agên­cia Brasil

O IBGE expli­ca que o Cen­so 2022 col­he as respostas com base na autode­clar­ação dos indi­ví­du­os. Além dis­so, uti­liza o con­ceito de raça como cat­e­go­ria social­mente con­struí­da na inter­ação social e não como con­ceito biológi­co. As clas­si­fi­cações do insti­tu­to são bran­ca, pre­ta, par­da, amarela (origem asiáti­ca) e indí­ge­na.

Ape­sar de o IBGE não agru­par ofi­cial­mente, ativis­tas e o Estatu­to da Igual­dade Racial con­sid­er­am negros o con­jun­to de pes­soas pre­tas e par­das.

Campanha em 1980

Os resul­ta­dos vis­tos no Cen­so 2022 são, segun­do Wania Sant’Anna, uma tendên­cia tam­bém de uma cam­pan­ha orga­ni­za­da no começo da déca­da de 80, da qual ela foi uma das coor­de­nado­ras. Foi um chama­men­to públi­co para as pes­soas se recon­hecerem com pre­tas ou par­das. “Sabíamos que tin­ha um prob­le­ma na autode­clar­ação das pes­soas”, lem­bra.

A cam­pan­ha criou o lema “Não deixe sua cor pas­sar em bran­co – Respon­da com bom c/senso”, fazen­do ambigu­idade com as palavras bran­co, cen­so e sen­so.

Vozes negras

A cofun­dado­ra e con­sel­heira do Cen­tro de Estu­dos das Relações de Tra­bal­ho e Desigual­dades (Ceert) Cida Ben­to inter­pre­ta os resul­ta­dos do Cen­so 2022 com um encon­tro do Brasil.

“O cresci­men­to de pre­tos e par­dos tem a ver com o quan­to o Brasil vai se encon­tran­do con­si­go, como uma nação onde a pre­sença negra, não bran­ca, é grande em ter­mos de fenótipo [car­ac­terís­ti­cas genéti­cas e pro­por­cionadas pelo ambi­ente no qual se vive], de cul­tura, de reli­giosi­dade”.

Brasília (DF) 24/12/2023 – Na foto Cida Bneto - Censo 2022: maior presença de negros reflete reconhecimento racialFoto: Cida Bento/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Con­sel­heira do Cen­tro de Estu­dos das Relações de Tra­bal­ho e Desigual­dades Cida Ben­to — Foto: Arqui­vo Pes­soal

Cida Ben­to con­sid­era ain­da que hou­ve uma ressig­nifi­cação do que rep­re­sen­ta ser negro.

“Antes era [um sig­nifi­ca­do] neg­a­ti­vo e hoje vem asso­ci­a­do a uma cul­tura plur­al, diver­sa, que acol­he out­ras. Ago­ra é pos­sív­el se recon­hecer negro como uma coisa boa. A dis­cussão dis­so tem vin­do das vozes negras sacud­in­do a sociedade para olhar para aqui­lo que o país é”.

Out­ra ressig­nifi­cação, segun­do Cida, é enten­der que o bran­co con­tou com priv­ilé­gios da col­o­niza­ção e escravidão e, por isso, ocu­pa atual­mente os pos­tos de mais destaques, mel­hores remu­ner­ações e com mais poderes.

“É um lugar não mais vis­to como méri­to, mas como resul­tante de uma história de atos anti-human­itários”, diz.

Estatística como evidência

São Paulo (SP) 20/11//2023 - Marcha da Consciência Negra na avenida Paulista defendem projetos de vida para população negra no Brasil. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Repro­dução: Resul­ta­dos vis­tos no Cen­so 2022 são uma tendên­cia tam­bém de uma cam­pan­ha orga­ni­za­da no começo da déca­da de 80 — Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Os números do Cen­so 2022 são vis­tos por espe­cial­is­tas e ativis­tas como uma fer­ra­men­ta estatís­ti­ca e tam­bém uma evidên­cia para a bus­ca por mais rep­re­sen­ta­tivi­dade e políti­cas públi­cas. Wania Sant’Anna dá como exem­p­lo a cam­pan­ha de movi­men­tos negros pela indi­cação de uma mul­her negra para o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF).

“É como se fos­sem 55% da pop­u­lação pedin­do essa vaga”, diz, fazen­do refer­ên­cia à pro­porção de pre­tos e par­dos no país.

Além dis­so, ela acred­i­ta que políti­cas afir­ma­ti­vas bem avali­adas, como cotas para negros nas uni­ver­si­dades, sejam esten­di­das para out­ros ambi­entes de rep­re­sen­tação, como min­istérios e par­la­men­tos.

“Temos que olhar para as rep­re­sen­ta­tivi­dades que estão aí e ques­tioná-las”, defende.

Out­ra util­i­dade dos dados na visão de espe­cial­is­tas é anal­is­ar recortes das infor­mações demográ­fi­cas com indi­cadores de tra­bal­ho, edu­cação e expec­ta­ti­va de vida, por exem­p­lo. À frente da Dire­to­ria de Avali­ação, Mon­i­tora­men­to e Gestão da Infor­mação do MIR, Tatiana Dias Sil­va defende o uso de infor­mações qual­i­fi­cadas, pro­duzi­das por vários órgãos, como embasa­men­to para dis­cussões e elab­o­ração de políti­cas públi­cas sobre desigual­dades raci­ais. O MIR, por exem­p­lo, man­tém o HUB da Igual­dade Racial.

Brasília (DF) 24/12/2023 – Na foto Tatiana Silva - Censo 2022: maior presença de negros reflete reconhecimento racialFoto: Helio Montferre/Ipea
Repro­dução: Dire­to­ra de Avali­ação, Mon­i­tora­men­to e Gestão da Infor­mação do MIR, Tatiana Sil­va — Foto: Helio Montferre/Ipea

Cida Ben­to chama atenção para um cuida­do especí­fi­co que deve haver na hora de se exe­cutarem políti­cas de ações afir­ma­ti­vas. Ela lem­bra que câmaras de ver­i­fi­cação de cotas em uni­ver­si­dades já mostraram casos de pes­soas bran­cas se clas­si­f­i­can­do como par­das para poderem usufruir de ações afir­ma­ti­vas.

“É um assun­to que pre­cisa estar sem­pre em debate. As políti­cas públi­cas focadas em negros, indí­ge­nas e quilom­bo­las têm que ser dirigi­das a ess­es seg­men­tos a sociedade”, diz.

Mão dupla

Tatiana Dias Sil­va, do Ipea e do MIR, espera que o país e a sociedade brasileira viven­ciem uma espé­cie de cír­cu­lo vir­tu­oso envol­ven­do debates sobre questões raci­ais, recon­hec­i­men­to e políti­cas públi­cas.

Ela faz uma primeira relação lig­an­do a ampli­ação da dis­cussão nas últi­mas duas décadas, a cri­ação de órgãos como a Sec­re­taria de Políti­cas de Pro­moção da Igual­dade Racial (Sep­pir) pelo gov­er­no fed­er­al, em 2023, e o MIR, em 2023, e o autor­recon­hec­i­men­to da pop­u­lação negra nos ques­tionários de recensea­men­to.

Para ela, um próx­i­mo pas­so necessário é que haja uma mão dupla, com ampli­ação e aper­feiçoa­men­to de políti­cas públi­cas e ações da sociedade para enfrenta­men­to das desigual­dades.

“Para a con­strução de uma sociedade com mais justiça racial, sem tan­tos abis­mos entre os gru­pos por con­ta de sua cor ou raça. O enfrenta­men­to ao racis­mo como um val­or cada vez mais impor­tante na nos­sa sociedade. É um cam­in­ho que nos for­t­alece como sociedade, como país, como democ­ra­cia”, dese­ja.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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