...
sábado ,9 novembro 2024
Home / Direitos Humanos / Mais de 100 afegãos continuam acampados no Aeroporto de Guarulhos

Mais de 100 afegãos continuam acampados no Aeroporto de Guarulhos

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Polícia Federal afirma ter autorizado a entrada de 2240 afegãos


Pub­li­ca­do em 26/10/2022 — 18:10 Por Elaine Patri­cia Cruz – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo
Atu­al­iza­do em 26/10/2022 — 19:43

Ouça a matéria:

Fug­in­do do poder dos rad­i­cais do Tal­ibã, dezenas de afegãos con­tin­u­am chegan­do diari­a­mente ao Aero­por­to Inter­na­cional de Guarul­hos, na região met­ro­pol­i­tana de São Paulo. Munidos com o vis­to human­itário, muitos deles entram no Brasil e, sem con­seguir aju­da para mora­dia ou tra­bal­ho, acabam mon­tan­do acam­pa­men­to no aero­por­to. 

Ontem (25), quan­do a reportagem da Agên­cia Brasil vis­i­tou nova­mente o aero­por­to, uma cen­te­na deles con­tin­u­a­va fazen­do do Ter­mi­nal 2 sua mora­dia. Segun­do a prefeitu­ra de Guarul­hos, até a man­hã de ontem havia 116 afegãos viven­do no aero­por­to, aguardan­do acol­hi­men­to.

Alguns deles estão no aero­por­to há quase 20 dias. Mas o movi­men­to por lá é sem­pre con­stante. Há quem fique muitas sem­anas. Há quem ten­ha chega­do há poucos dias. É o caso de uma afegã* de 27 anos que tra­bal­ha com redes soci­ais de um órgão públi­co e que veio com o mari­do para o Brasil. No país há cin­co dias, ela diz que deixou seu país natal porque, des­de que o Tal­ibã assum­iu o poder no Afe­gan­istão, ela não pode mais exercer uma profis­são. Por ser mul­her, ela tam­bém não pode mais estu­dar. “Eu espero encon­trar um bom lugar para viv­er no Brasil. Esse aero­por­to não é uma casa, não há camas, é prob­lemáti­co [viv­er aqui]”, disse.

Há tam­bém aque­les que con­seguem um lugar para morar. Esse é o caso de uma afegã* de 26 anos que chegou ao país com suas duas irmãs. Elas ficaram viven­do no aero­por­to por 14 dias, até que, com a aju­da de vol­un­tários que têm atu­a­do no aero­por­to des­de agos­to deste ano, con­seguiu uma casa para ficar. “Eu estou em uma casa e feliz”, disse à reportagem. Ago­ra, ela espera que o país pos­sa lhe abrir out­ras opor­tu­nidades. “Eu espero que o Brasil me ofer­eça opor­tu­nidades para ten­tar realizar meus son­hos. Meu son­ho é faz­er meu mestra­do e con­seguir meu emprego”, disse.

Refugiados afegãos que obtiveram visto humanitário para o Brasil acampam no Aeroporto de Guarulhos a espera de abrigo.
Repro­dução: Refu­gia­dos afegãos que obtiver­am vis­to human­itário para o Brasil acam­pam no Aero­por­to de Guarul­hos a espera de abri­go. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Razões humanitárias

O Brasil se tornou des­ti­no de muitos afegãos des­de que, em setem­bro do ano pas­sa­do, foi pub­li­ca­da uma por­taria inter­min­is­te­r­i­al autor­izan­do o vis­to tem­porário e a autor­iza­ção de residên­cia por razões human­itárias.

“A emis­são de vis­tos para cidadãos afegãos começou em setem­bro de 2021, por meio de uma Por­taria Inter­min­is­te­r­i­al que autor­i­zou o vis­to tem­porário e a autor­iza­ção de residên­cia por razões human­itárias para nacionais afegãos, apátri­das e pes­soas afe­tadas pela situ­ação de vio­lên­cia no Afe­gan­istão”, expli­cou o defen­sor públi­co fed­er­al Guiller­mo Rojas de Cerqueira César.

“Segun­do dados da ACNUR [Alto-comis­sari­a­do das Nações Unidas para os Refu­gia­dos], entre o começo de setem­bro do ano pas­sa­do e o iní­cio do mes­mo mês deste ano, 5.846 vis­tos human­itários foram autor­iza­dos por esta por­taria. Segun­do a Polí­cia Fed­er­al, 2.240 entradas de pes­soas afegãs no Brasil foram per­mi­ti­das”, acres­cen­tou o defen­sor.

Ao chegar ao Brasil, os afegãos recebem ali­men­tos, água, roupas e vaci­nas que são dis­tribuí­dos pela prefeitu­ra de Guarul­hos ou por vol­un­tários. Mas, pela Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), ess­es afegãos tam­bém dev­e­ri­am ter asse­gu­ra­dos seus dire­itos a mora­dia, tra­bal­ho, assistên­cia jurídi­ca, edu­cação e aces­so a pro­gra­mas e bene­fí­cios soci­ais.

“Esse é o grande gar­ga­lo da questão. Ao que parece, o gov­er­no sub­di­men­sio­nou a vin­da dess­es imi­grantes e não ofer­e­ceu um plano de inte­ri­or­iza­ção ade­qua­do, deixan­do ess­es cidadãos sem qual­quer amparo assis­ten­cial. Atual­mente, há um acol­hi­men­to emer­gen­cial, mas sem uma políti­ca públi­ca ade­qua­da de acol­hi­men­to para essas pes­soas”, expli­cou o defen­sor.

Segun­do ele, o que os afegãos mais neces­si­tam nesse momen­to é de um abri­go ade­qua­do. “De for­ma ime­di­a­ta, [eles pre­cisam de] abriga­men­to ade­qua­do, por meio de cen­tros de acol­hi­da com infraestru­tu­ra necessária para manutenção do vín­cu­lo famil­iar, além de assistên­cia social e assistên­cia psi­cológ­i­ca. Pos­te­ri­or­mente, um plano de inte­ri­or­iza­ção que val­orize as capaci­dades indi­vid­u­ais para inserção no mer­ca­do de tra­bal­ho e inserção social na comu­nidade que os recebe”, disse o defen­sor.

Refugiados afegãos que obtiveram visto humanitário para o Brasil acampam no Aeroporto de Guarulhos a espera de abrigo.
Repro­dução: Refu­gia­dos afegãos que obtiver­am vis­to human­itário para o Brasil acam­pam no Aero­por­to de Guarul­hos a espera de abri­go. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Voluntários

“Eles pre­cisam de tudo, eles não têm nada. Eles têm uma mala com 32 qui­los, que é a vida deles tod­in­ha”, disse a vol­un­tária Otília Chris­tiane Sil­va Afon­so, do Cole­ti­vo Frente Afegã.

“Eles vem para cá como refu­gia­dos. Então, a neces­si­dade que eles têm é de pro­teção humana, à vida, à saúde, ao nome e sobrenome. Eles estão aqui porque não podem per­manecer no país deles. Temos relatos de pes­soas que têm for­mação em diver­sos cur­sos e níveis supe­ri­ores. Eles querem tra­bal­har, mas não estão encon­tran­do aqui esta opor­tu­nidade que foi dito que seria dada nes­sa chega­da ao Brasil. Eles estão viven­do um refú­gio no aero­por­to — um lugar de pas­sagem – e não em um lugar de acol­hi­men­to. Isso é de uma desumanidade muito grande”, desta­cou Otília, uma das pes­soas que se vol­un­tar­i­ou para aju­dar os afegãos que chegam ao aero­por­to.

A pesquisado­ra e sociólo­ga Mar­i­ana Ger­bassi, 25 anos, tam­bém inte­gra o cole­ti­vo e vem tra­bal­han­do de for­ma vol­un­tária para acol­her os afegãos. “Eles pre­cisam de um emprego para con­seguir se man­ter. Mas sem mora­dia, eles não con­seguem emprego. Sem emprego, eles depen­dem da mora­dia públi­ca. E a mora­dia públi­ca tem o prob­le­ma de não aten­der a real­i­dade das famílias afegãs”, disse.

“Uma das questões com que temos lida­do é que os afegãos vão para os abri­gos e acabam voltan­do [ao aero­por­to]. A questão dos abri­gos públi­cos é que eles sep­a­ram home­ns e mul­heres, sep­a­ram as famílias. E para uma pes­soa que não fala nem o inglês, muito menos o por­tuguês, estar soz­in­ho e em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade e ain­da sep­a­rar as famílias, isso não é uma opção. Então eles pref­er­em ficar no aero­por­to, ain­da que em uma situ­ação infe­ri­or, do que ficar sep­a­ra­do de suas famílias. Tam­bém tem uma questão cul­tur­al que é especí­fi­ca dessa comu­nidade afegã e que os abri­gos não tem con­segui­do aten­der, como o modo deles de se socializar. Isso são coisas que pre­cisam de mui­ta atenção”, falou Mar­i­ana.

Des­de agos­to, os vol­un­tários vão diari­a­mente ao aero­por­to. São eles que têm cobra­do as autori­dades, arrecada­do doações e ofer­e­ci­do ali­men­tos, roupas, ban­hos, abri­gos e até atendi­men­to médi­co, psicól­o­go e aulas de por­tuguês para os afegãos que chegam ao país.

“Des­de o começo, reuni­mos o grupo para dar assistên­cia a essas pes­soas. Eles chegavam, não tin­ham as refeições dire­ito e ficá­va­mos pre­ocu­pa­dos. A par­tir desse momen­to, fomos reunin­do pes­soas, os gru­pos foram chegan­do e, hoje, os afegãos fazem as três refeições diárias, têm atendi­men­to médi­co e cober­tas”, disse Otília. “A prefeitu­ra [de Guarul­hos] tem aju­da­do com o almoço e as quentin­has. Mas o café da man­hã e as fru­tas eles só tem graças à sociedade civ­il”, acres­cen­tou Mar­i­ana.

Refugiados afegãos que obtiveram visto humanitário para o Brasil acampam no Aeroporto de Guarulhos a espera de abrigo.
Repro­dução: Refu­gia­dos afegãos que obtiver­am vis­to human­itário para o Brasil acam­pam no Aero­por­to de Guarul­hos a espera de abri­go. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Demanda crescente

Des­de janeiro, o Pos­to Avança­do de Atendi­men­to Human­iza­do ao Migrante, insta­l­a­do no aero­por­to, já havia aten­di­do 1.138 afegãos. Somente em out­ubro, 237 pas­saram pelo pos­to bus­can­do aju­da.

Por causa desse aumen­to na deman­da, a prefeitu­ra de Guarul­hos abriu uma residên­cia tran­sitória para migrantes e refu­gia­dos, com capaci­dade para abri­gar 27 pes­soas. No entan­to, o local está lota­do. No dia 7 de out­ubro, para acol­her emer­gen­cial­mente famílias afegãs com idosos, defi­cientes e grávi­das, foram aber­tas 20 novas vagas. Mas isso ain­da é insu­fi­ciente para aten­der a deman­da que cresce a cada dia.

Procu­ra­da pela Agên­cia Brasil, a Sec­re­taria estad­ual de Desen­volvi­men­to Social infor­mou que está investin­do R$ 2,8 mil­hões em 100 vagas de acol­hi­men­to e que metade desse val­or está sendo uti­liza­do para abrir 50 vagas até dezem­bro em uma Casa de Pas­sagem em Guarul­hos. O restante está finan­cian­do os 50 afegãos que estão viven­do atual­mente na Casa de Pas­sagem Ter­ra Nova.

Somente neste ano, infor­mou a sec­re­taria, 123 afegãos já foram aten­di­dos na Casa de Pas­sagem Ter­ra Nova. “As vagas de acol­hi­men­to são rota­ti­vas e o tem­po de per­manên­cia varia. Eles ficam de uma sem­ana a 18 meses, por exem­p­lo. Essas pes­soas podem per­manecer nos equipa­men­tos por tem­po inde­ter­mi­na­do até com­pro­varem condições de mora­dia autôno­ma”, infor­mou o órgão, em nota.

A Sec­re­taria estad­ual da Justiça e Cidada­nia tam­bém infor­ma que aten­deu cer­ca de 70 afegãos com emis­sões de CPF, pedi­dos de pro­to­co­los de refú­gios (SIS Conare), reg­u­lar­iza­ções de imi­gração, apli­cações de vaci­nas e dis­tribuição de roupas. Dois mutirões foram real­iza­dos para a real­iza­ção dess­es serviços: um deles em setem­bro e, o out­ro, ago­ra em out­ubro.

Por meio de nota, o Min­istério das Relações Exte­ri­ores (MRE) infor­mou que vem man­ten­do ações de coor­de­nação com agên­cias espe­cial­izadas das Nações Unidas (Alto Comis­sari­a­do das Nações Unidas para Refu­gia­dos – ACNUR e Orga­ni­za­ção Inter­na­cional para as Migrações – OIM) “com vis­tas a bus­car soluções para os casos de maior vul­ner­a­bil­i­dade”.

“Na maio­r­ia dos casos, a vin­da de afegãos e afegãs ao Brasil foi inter­me­di­a­da por orga­ni­za­ções da sociedade civ­il, que os recebem e pro­movem sua inte­gração local. Parcela minoritária não con­ta com esse apoio prévio da sociedade civ­il orga­ni­za­da e chega ao país em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade. A assistên­cia social a essa pop­u­lação deve ser brinda­da pelos entes públi­cos com com­petên­cia legal para tan­to. O Ita­ma­raty, emb­o­ra não con­te com essa com­petên­cia legal especí­fi­ca, vem atuan­do na artic­u­lação e ofer­e­cen­do sug­estões de medi­das a demais enti­dades gov­er­na­men­tais envolvi­das no assun­to, nas esferas fed­er­al, estad­ual e munic­i­pal”, diz o órgão, em nota.

O MRE infor­mou ain­da que pro­moveu uma reunião com embaix­adas sedi­adas em Brasília para mobi­lizar apoio finan­ceiro a ações de acol­hi­da.

Refugiados afegãos que obtiveram visto humanitário para o Brasil acampam no Aeroporto de Guarulhos a espera de abrigo.
Repro­dução: Refu­gia­dos afegãos que obtiver­am vis­to human­itário para o Brasil acam­pam no Aero­por­to de Guarul­hos a espera de abri­go. — Rove­na Rosa/Agência Brasil

*Os nomes das entre­vis­tadas serão preser­va­dos por moti­vo de segu­rança

*Matéria alter­a­da às 19h42 para inserção de nota  do Ita­ma­raty

Edição: Lílian Beral­do

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

BC comunica exposição de dados de 644 chaves Pix da Caixa

Foram expostas informações cadastrais, como nome e CPF Well­ton Máx­i­mo – Repórter da Agên­cia Brasil …