...
sábado ,18 janeiro 2025
Home / Direitos Humanos / Mais de 1,5 milhão são afetados por remoções forçadas no Brasil

Mais de 1,5 milhão são afetados por remoções forçadas no Brasil

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Levantamento inédito foi divulgado hoje pela Campanha Despejo Zero


Publicado em 14/08/2024 — 08:28 Por Elaine Patricia Cruz e Guilherme Jeronymo– Repórteres da Agência Brasil e da TV Brasil — São Paulo

ouvir:

Um lev­an­ta­men­to inédi­to, pro­duzi­do pela Cam­pan­ha Nacional Despe­jo Zero e divul­ga­do nes­ta quar­ta-feira (14), mostra que mais de 1,5 mil­hão de brasileiros sofr­eram com despe­jos ou remoções forçadas entre out­ubro de 2022 e jul­ho de 2024. Isso rep­re­sen­tou aumen­to de 70%, já que em out­ubro de 2022, 898.916 pes­soas tin­ham enfrenta­do essa situ­ação.

O mapea­men­to reúne casos cole­tivos de remoção força­da de pes­soas e de comu­nidades inteiras, que foram expul­sas de seus locais de mora­dia. Isso inclui não só os casos judi­cial­iza­dos, mas tam­bém proces­sos admin­is­tra­tivos pro­movi­dos pelo poder públi­co.

O aumen­to ver­i­fi­ca­do no perío­do, expli­cou Raquel Lud­er­mir, ger­ente de Incidên­cia Políti­ca da orga­ni­za­ção Habi­tat para a Humanidade Brasil, pode estar rela­ciona­do ao fato de que, durante a pan­demia de covid-19, o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) deter­mi­nou a sus­pen­são dos despe­jos e a rein­te­gração de posse con­tra famílias vul­neráveis. A medi­da acabou duran­do até o final de out­ubro de 2022. “Até esse momen­to, vários casos ficaram repre­sa­dos por essa deter­mi­nação do STF. Depois dis­so, a gente teve a lib­er­ação, e os despe­jos voltaram a ser legais. Então, o que a gente nota é um aumen­to muito expres­si­vo que reflete a retoma­da do anda­men­to dess­es proces­sos judi­ci­ais de despe­jo e ameaça de rein­te­gração de posse, de uma for­ma ger­al”, disse ela, em entre­vista à Agên­cia Brasil e à TV Brasil.

Out­ro fator que pode ter con­tribuí­do para esse aumen­to, expli­cou Raquel, é o cus­to de vida ele­va­do como reflexo da pan­demia. “A gente sabe que, durante a pan­demia, hou­ve um empo­brec­i­men­to muito sério das pes­soas e o cus­to de vida aumen­tou bas­tante. Então é pos­sív­el que muitas pes­soas ten­ham recor­ri­do a ocu­pações”, lem­brou. “Se a família já está moran­do de for­ma precária, está moran­do de favor, às vezes está ten­do que com­pro­m­e­ter ali­men­tação e segu­rança ali­men­tar para pagar o aluguel no final do mês, aí ela pode recor­rer a uma ocu­pação urbana”.

Perfil

A crise habita­cional brasileira tem classe, gênero e raça, rev­el­ou o lev­an­ta­men­to. A grande maio­r­ia dos afe­ta­dos é for­ma­da por pes­soas que se autode­clar­am pre­tas e par­das (66,3% do total), mul­heres (62,6%) e que gan­ham até dois salários mín­i­mos (74,5%). “Esta­mos falan­do de pes­soas pre­dom­i­nan­te­mente de baixa ren­da, muito vul­ner­a­bi­lizadas do pon­to de vista socioe­conômi­co. É tam­bém uma pop­u­lação pre­dom­i­nan­te­mente negra e, muitas vezes, chefi­a­da por mul­heres. Existe uma dívi­da históri­ca do país em relação à deman­da dessa pop­u­lação por mora­dia”.

Do total de víti­mas dessas remoções e despe­jos, cer­ca de 267 mil são cri­anças e mais de 262 mil, pes­soas idosas. “Sabe­mos que ape­sar de a mora­dia ser um dire­ito con­sti­tu­cional e um dire­ito humano, ain­da esta­mos em um país em que exis­tem pelo menos 6 mil­hões de pes­soas em situ­ação de déficit habita­cional e mais 26 mil­hões em condição de inad­e­quação habita­cional. A pesquisa indi­ca a pon­ta do ice­berg de um prob­le­ma históri­co no Brasil. Esta­mos falan­do aqui da mora­dia, do prob­le­ma da luta pela ter­ra e de como isso está atre­la­do às questões da pobreza e de inter­sec­cional­i­dades”, disse Raquel Lud­er­mir.

Números subestimados

Segun­do a Cam­pan­ha Nacional Despe­jo Zero — artic­u­lação nacional com­pos­ta por 175 orga­ni­za­ções que atu­am na luta pelo dire­ito à vida na cidade e no cam­po e que fez o mapea­men­to de for­ma cole­ti­va — esse número pode ser ain­da maior já que a pesquisa não con­sid­era a pop­u­lação em situ­ação de rua e pes­soas que estão ameaçadas por desas­tres socioam­bi­en­tais.

O que o lev­an­ta­men­to con­seguiu apon­tar é que, do total de víti­mas de despe­jos ou remoções forçadas, 333.763 cor­re­spon­dem a famílias ameaçadas, 42.098 a famílias despe­jadas e 78.810 a famílias viven­do com o despe­jo sus­pen­so.

Entre as regiões mais afe­tadas, São Paulo lid­era o rank­ing com o maior número de famílias ameaçadas (90.015) e despe­jadas (9.508). O esta­do de Per­nam­bu­co aparece na segun­da posição no rank­ing de famílias ameaçadas (43.411) e em quin­to no de despe­jadas (2.194). Já o esta­do do Ama­zonas aparece na segun­da posição em número de despe­ja­dos (5.541) e em ter­ceiro no de ameaça­dos (31.902).

Reintegração de posse e grandes obras

De acor­do com Raquel, essas remoções forçadas ou despe­jos são moti­va­dos prin­ci­pal­mente por rein­te­gração de posse, quan­do há con­fli­to entre a pes­soa que se diz pro­pri­etária do imóv­el ou da ter­ra e as famílias que estão ocu­pan­do ess­es locais.

Como segun­da prin­ci­pal razão estão as remoções forçadas impul­sion­adas pelo poder públi­co, prin­ci­pal­mente por grandes obras. “Isso pode estar rela­ciona­do a grandes obras — como de sis­tema de trans­porte, drenagem ou esgo­ta­men­to san­itário — ou obras em menor escala, que são suposta­mente para o bene­fí­cio da própria pop­u­lação, mas que acabam ten­do efeitos con­tra­ditórios de remoção”, afir­mou.

É por isso que, neste momen­to em que as grandes obras do Pro­gra­ma de Acel­er­ação do Cresci­men­to (PAC) estão sendo retomadas, Raquel defende que é pre­ciso repen­sar o quan­to elas podem estar afe­tan­do tam­bém a pop­u­lação mais vul­neráv­el. “É muito impor­tante a gente estar aten­to para que essas obras não ten­ham um efeito ain­da mais neg­a­ti­vo sobre a pop­u­lação vul­ner­a­bi­liza­da”, desta­cou. “A obra públi­ca não pode nun­ca aumen­tar o déficit habita­cional ou o prob­le­ma da mora­dia no país, porque senão a gente está favore­cen­do ape­nas um setor de desen­volvi­men­to”.

Soluções

Para a ger­ente da orga­ni­za­ção, é urgente que se pense em uma políti­ca nacional de medi­ação de con­fli­tos fundiários, com esforço inter­min­is­te­r­i­al para que o prob­le­ma seja resolvi­do. Out­ro pon­to lev­an­ta­do por ela diz respeito às leg­is­lações e decisões judi­ci­ais. “Temos diver­sas medi­das em nív­el do Con­sel­ho Nacional de Justiça, como por exem­p­lo a Res­olução 510 de 2003, que esta­b­elece a neces­si­dade de medi­ação dess­es con­fli­tos com vis­i­tas in loco, ou seja, é o juiz descer do escritório e real­mente colo­car o pé na ter­ra e con­hecer as pes­soas que estão sendo removi­das”.

Tam­bém é pre­ciso, segun­do ela, que se encer­rem pro­postas leg­isla­ti­vas que pre­ten­dem mar­gin­alizar ain­da mais essas pes­soas. “Há pro­postas leg­isla­ti­vas que estão trami­tan­do e que esta­b­ele­cem — ou ten­tam esta­b­ele­cer — que as pes­soas que pre­cisam ocu­par imóveis ou ter­renos per­cam tam­bém seus dire­itos a pro­gra­mas soci­ais, como o Bol­sa Família, o Bene­fí­cio de Prestação Con­tin­u­a­da (BPC) ou o dire­ito de par­tic­i­par de con­cur­sos públi­cos. Existe aqui uma ten­ta­ti­va de punir dupla­mente a pop­u­lação que já está bas­tante vul­ner­a­bi­liza­da, ou seja, uma pes­soa que já não tem dire­ito à mora­dia, além de tudo, corre o risco de perder o dire­ito a um pro­gra­ma social”.

O mapea­men­to pode ser con­sul­ta­do no site da cam­pan­ha.

Edição: Graça Adju­to

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Por enquanto, fim de checagem de fatos é limitado aos EUA, diz Meta

Companhia defende permitir ofensas em nome da liberdade de expressão Lucas Pordeus León — Repórter …