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Mais Professores pode resgatar esperanças, diz doutor criado em favela

Professor Thiago Santos cita também desafios do programa

Luiz Clau­dio de Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 19/01/2025 — 13:43
Brasília
Brasília (DF), 17/01/2025 - Thiago Santos em sala de aula. Programa Mais professores. Foto: Thiago Santos/Arquivo Pessoal
Repro­dução: © Thi­a­go Santos/Arquivo Pes­soal

A casa da tia San­dra era um dos mel­hores lugares do mun­do para o meni­no recifense Thi­a­go San­tos. Por um moti­vo sim­ples: ela era a úni­ca da família com emprego fixo. A avó teve dez fil­hos. Mas era na casa de San­dra, na cidade de Abreu e Lima, que tin­ha um espaço “raro”: o ban­heiro. A estru­tu­ra da casa e o saber dela fiz­er­am bril­har os olhos de Thi­a­go, então morador da favela de Frei Damião, na mes­ma cidade da tia. San­dra havia cur­sa­do mag­istério e con­segui­do tra­bal­har como pro­fes­so­ra. O son­ho do meni­no, então, gan­ha­va o con­torno de uma casa, mas tam­bém de uma sala de aula.

O garo­to pen­sou, então, que que­ria ser pro­fes­sor para tam­bém ter um dia dire­ito a essa dig­nidade. “Atual­mente, eu quero con­tin­uar a ser docente para que todos pos­sam ter ban­heiro em suas casas e muito mais”, diz Thi­a­go, hoje aos 31 anos, que é doutor em edu­cação e pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Per­nam­bu­co (UFPE). Ele é pesquisador do lab­o­ratório em políti­cas públi­cas, edu­cação e sociedade na insti­tu­ição, e for­ma novos pro­fes­sores.

Como espe­cial­ista no tema, ele lamen­ta, entre­tan­to, que “muitos estu­dantes” de licen­ciatu­ra e tam­bém profis­sion­ais desistem da profis­são por causa da desval­oriza­ção da car­reira docente. Por isso, nesse cenário, ele entende que o pro­gra­ma Mais Pro­fes­sores, anun­ci­a­do pelo gov­er­no fed­er­al na últi­ma sem­ana, pode faz­er sal­var e res­gatar esper­anças de profis­sion­ais – e tam­bém de alunos. “Já vi mui­ta gente desistin­do da car­reira”, lamen­ta.

Atual­mente, o pro­fes­sor uni­ver­sitário ouve dos alunos sobre o que faz a paixão pela profis­são renascer ou ficar frágil. “Eu visu­al­i­zo a neces­si­dade de uma con­ver­sa con­stante sobre esse tema. Os alunos devem enten­der o val­or da profis­são e lutar pela val­oriza­ção da car­reira”, defende.

Recursos

O gov­er­no defend­eu que os pon­tos prin­ci­pais do pro­gra­ma são a seleção para o ingres­so na docên­cia, a atra­tivi­dade para as licen­ciat­uras, a alo­cação de pro­fes­sores, o aper­feiçoa­men­to da for­mação docente e a val­oriza­ção da car­reira. “De modo ger­al, min­ha avali­ação é pos­i­ti­va sobre o pro­gra­ma”, disse o pesquisador. Ele cita que a políti­ca públi­ca pode mel­ho­rar a parce­ria do Min­istério da Edu­cação (MEC) com as uni­ver­si­dades e tam­bém for­t­ale­cer a relação fed­er­a­ti­va em relação à edu­cação, do municí­pio até o gov­er­no fed­er­al.

Entre as ações da políti­ca públi­ca, estão pre­vis­tas a cri­ação da Pro­va Nacional Docente (PND), que será real­iza­da anual­mente para a seleção de pro­fes­sores, e o Pé-de-Meia Licen­ciat­uras (bol­sa de atra­tivi­dade e for­mação para a docên­cia), que ofer­e­cerá auxílio finan­ceiro men­sal para estu­dantes per­manecerem em cur­sos de for­mação de pro­fes­sores.

Ele con­sid­era a alo­cação de recur­sos para estu­dantes que tiver­am um bom rendi­men­to no Exame Nacional do Ensi­no Médio (notas aci­ma de 650 de média) como um acer­to. “Isso vai faz­er com que as pes­soas que tiraram boas médias no Enem ten­ham dire­ito a se inscr­ev­er para ter sub­sí­dio do gov­er­no fed­er­al.” Segun­do o pro­gra­ma, alunos vão ser apoia­dos des­de o iní­cio até o final da con­clusão do seu cur­so. Rece­berão bol­sa de R$ 1.050 por mês (R$ 700 para sacar a cada mês e R$ 350 para uma poupança).

Dificuldades

Por out­ro lado, o pro­fes­sor argu­men­ta que há desafios ime­di­atos para a efe­tivi­dade do pro­gra­ma. Ele entende que há um cenário de desval­oriza­ção da profis­são docente, desre­speito fla­grante ao piso salar­i­al do mag­istério e tam­bém fal­ta de planos de car­gos e car­reiras que sejam atra­ti­vas para novos pro­fes­sores. O pro­fes­sor lamen­ta, inclu­sive, que municí­pios pri­or­izem fes­tas com cus­tosas con­tratações de artis­tas em detri­men­to da mel­ho­ria salar­i­al para os tra­bal­hadores da edu­cação.

“A car­reira docente no Brasil aca­ba por não ser atra­ti­va porque não há uma val­oriza­ção salar­i­al, e o plano de car­gos e car­reiras não é efe­ti­va­do ou inex­iste em muitos municí­pios”, afir­ma o pesquisador. Ele acres­cen­ta que já existe no enten­der de estu­dantes que ser pro­fes­sor não é bom porque causa cansaço e por não pro­por­cionar qual­i­dade de vida, como em out­ras profis­sões.

“Não resolve sozinho”

Sob a mes­ma óti­ca, o pres­i­dente do Sindi­ca­to dos Pro­fes­sores do Ensi­no Ofi­cial do Esta­do de São Paulo (Apeoe­sp), Fábio Moraes, entende que o gov­er­no apre­sen­tou um pro­gra­ma necessário para a val­oriza­ção da docên­cia para evi­tar a pos­si­bil­i­dade de fal­ta de pro­fes­sores. Mas, ele entende que, por si só, o Mais Pro­fes­sores não vai resolver todos os prob­le­mas. “Os pro­fes­sores da edu­cação bási­ca estão vin­cu­la­dos aos esta­dos e aos municí­pios. Que os prefeitos e os gov­er­nadores enten­dam o reca­do do gov­er­no fed­er­al que é necessário val­orizar a profis­são docente.”

A dire­to­ria da Con­fed­er­ação Nacional dos Tra­bal­hadores em Edu­cação (CNTE) tam­bém desta­cou, em nota, que vis­lum­bra desafios ime­di­atos, como a lib­er­ação dos docentes para aces­sarem os cur­sos de for­mação con­tin­u­a­da e de pós-grad­u­ação. “Out­ro desafio será garan­tir a adesão dos entes públi­cos à pro­va nacional do MEC para con­tratação efe­ti­va de pro­fes­sores”, apon­ta a enti­dade.

Para efe­ti­vação do pro­gra­ma, a con­fed­er­ação propõe ajustes, incluin­do condi­cionar repass­es fed­erais à adesão de esta­dos e municí­pios a essas políti­cas de val­oriza­ção dos profis­sion­ais. A enti­dade afir­mou que é fun­da­men­tal a luta pela val­oriza­ção do piso e das car­reiras do mag­istério e pela imple­men­tação do piso do fun­cionários. Além dis­so, aguar­da a pub­li­cação da por­taria do MEC, que, seguin­do a leg­is­lação atu­al, ele­varia o piso para R$ 4.867,77.

Disparidades

A enti­dade que rep­re­sen­ta os tra­bal­hadores lamen­ta que, con­forme lev­an­ta­men­to da Orga­ni­za­ção para a Coop­er­ação e o Desen­volvi­men­to Econômi­co (OCDE), o inves­ti­men­to per capi­ta na edu­cação bási­ca brasileira é o ter­ceiro pior entre os país­es em desen­volvi­men­to e que pos­suem mel­hores resul­ta­dos no Pro­gra­ma Inter­na­cional de Avali­ação de Estu­dantes (Pisa). “Em 2023, o con­jun­to das redes públi­cas no Brasil investiu cer­ca de R$ 17,7 mil anu­ais por aluno, con­tra R$ 158,2 mil em Lux­em­bur­go, R$ 103,9 na Suíça e R$ 99 mil na Bél­gi­ca”.

A con­se­quên­cia é, con­forme argu­men­ta a enti­dade, que o Brasil estaria “há décadas nas últi­mas colo­cações da pesquisa da OCDE em relação aos salários de pro­fes­sores que atu­am no nív­el bási­co”. A CNTE acres­cen­ta que, atual­mente, 54% dos docentes das redes estad­u­ais tra­bal­ham com con­tratos precários, sem esta­bil­i­dade ou a garan­tia do piso do mag­istério.

Esperança em sala de aula

O pro­fes­sor per­nam­bu­cano Thi­a­go San­tos, que pas­sou mais de 20 anos moran­do em favela, son­hou que, um dia, pode­ria faz­er a difer­ença em sala de aula, inclu­sive para comu­nidades como a que ele nasceu e cresceu. Hoje ele sente ale­gria e emoção com a for­mação de novos pro­fes­sores. “Eu vi que, através dessa profis­são, nós podemos faz­er muito pelo país”. Em sua for­mação no ensi­no médio, Thi­a­go ouviu de cole­gas que estran­havam a escol­ha do estu­dante por cur­sar licen­ciatu­ra, já que ele era estu­dioso e inteligente.

“Uma pes­soa que veio da extrema pobreza, por que escol­he­ria essa car­reira?”, per­gun­tavam ao rapaz. Thi­a­go seguiu firme e até influ­en­ciou a mãe (que mor­reu de covid-19 em 2020), empre­ga­da domés­ti­ca, a tam­bém voltar para a esco­la. “Ela sen­tia a neces­si­dade de voltar para a esco­la porque teve um momen­to que ela não con­seguia mais nos aju­dar com o dev­er de casa.”

Além da tia pro­fes­so­ra, a história da mãe de Thi­a­go foi inspi­ração para o pro­fes­sor. Ele recor­da que era ela que fazia a cap­in­ha dos livros e dos cader­nos que rece­bi­am na esco­la. Em meio à mis­éria, a mãe nun­ca abriu mão que o rapaz con­tin­u­asse os estu­dos. Ao olhar para a própria história, ele entende bem a trans­for­mação que um pro­fes­sor e a esco­la podem faz­er na vida de alguém.

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