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Máquinas ao chão: a silenciosa resistência dos jornalistas à ditadura

Repro­dução: © A Cul­pa é da Foto/J.França/Divulgação

Gesto de fotojornalistas, de 1984, é lembrado até os dias de hoje


Publicado em 07/04/2024 — 10:29 Por Luiz Claudio Ferreira — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Câmeras no chão e os olhares ficaram fixos à cena. Um gesto de ousa­dia feito há mais de 40 anos por um grupo de fotó­grafos no pé da ram­pa do Palá­cio do Planal­to entrou para a história da cober­tu­ra políti­ca durante a ditadu­ra no Brasil. Neste domin­go (7), Dia do Jor­nal­ista, episó­dios de resistên­cia como esse, con­heci­do como “Máquinas ao chão”, cos­tu­mam ser lem­bra­dos.

O dia 24 de janeiro de 1984, pouco menos de 20 anos depois do golpe de 1964 e na reta final do regime dita­to­r­i­al, ficou con­heci­do porque os profis­sion­ais da imagem se negaram a fotogra­far o então pres­i­dente João Figueire­do. O gesto ocor­reu após uma sequên­cia de atri­tos entre o gen­er­al e os foto­jor­nal­is­tas.

“Sorrio quando quiser”

O repórter fotográ­fi­co Sér­gio Mar­ques, com 25 anos de idade na época, relem­bra que entre os prob­le­mas estavam as recla­mações diárias dos profis­sion­ais a respeito do trata­men­to do pres­i­dente Figueire­do para com eles. Em um dos con­fli­tos ante­ri­ores, o pres­i­dente rece­beu o dep­uta­do fed­er­al Paulo Maluf, futuro can­dida­to à presidên­cia.

“O Maluf vis­i­tou o pres­i­dente Figueire­do e, quan­do nós da impren­sa entramos, ele olhou para o pres­i­dente e sug­eriu um sor­riso. O pres­i­dente olhou para ele e disse: ‘estou na min­ha casa. Sor­rio quan­do quis­er’”, recor­da.

Em out­ro episó­dio, no mês de dezem­bro de 1983, Figueire­do havia sofri­do um aci­dente de cav­a­lo, se machu­cou e esta­va com o braço enges­sa­do. Mes­mo assim, colo­cou paletó. O fotó­grafo Wil­son Pedrosa, então no Cor­reio Braziliense, reg­istrou o pres­i­dente na hora em que ele foi coçar o ros­to. O episó­dio elevou a ten­são entre os profis­sion­ais e o gen­er­al.

Essa ten­são se agravou quan­do os profis­sion­ais de imagem, úni­cos que entravam no gabi­nete para reg­is­trar as reuniões do pres­i­dente, relataram o teor de um encon­tro aos repórteres de tex­to, cuja entra­da era proibi­da. A par­tir de então, Figueire­do pas­sou a impedir o aces­so dos fotó­grafos ao seu gabi­nete.

“Imag­ine você tra­bal­har todos os dias no Palá­cio do Planal­to para cobrir as audiên­cias e não ter aces­so ao gabi­nete. Nós começamos a recla­mar com a asses­so­ria, mas não adiantou”, recor­da Sér­gio Mar­ques. Até que, na tarde do dia 24 de janeiro de 1984, uma terça-feira, diante de tan­tas lim­i­tações, os fotó­grafos cre­den­ci­a­dos resolver­am colo­car as câmeras no chão assim que o pres­i­dente desceu a ram­pa.

Mar­ques expli­ca que depois daque­le dia não foi adver­tido ou ouviu comen­tários do pres­i­dente Figueire­do. Os fotó­grafos voltaram a ser chama­dos para even­tos. Em um deles, o gen­er­al falou para os profis­sion­ais deixarem as máquinas e servirem-se em um coque­tel. O fotó­grafo recor­da que con­cor­dou e deixou a câmera no chão. “Ele me olhou. Colo­quei sobre a mesa. Aí ele deu um sor­riso e falou, ‘eu não gostei daque­le dia’”, lem­bra-se.

Filme

O episó­dio de ousa­dia foi reg­istra­do no doc­u­men­tário “A Cul­pa é da foto”, de André Dusek, Eral­do Peres e Joéd­son Alves, lança­do em 2015. “Foi o úni­co protesto que teve de jor­nal­is­tas cre­den­ci­a­dos do Palá­cio do Planal­to con­tra um dita­dor”, ressalta Alves, que foi respon­sáv­el pela pesquisa para o filme.

O doc­u­men­tário, de aprox­i­mada­mente 15 min­u­tos de duração, está disponív­el no YouTube.

O dire­tor entende que esse acon­tec­i­men­to se tornou um sím­bo­lo para os jor­nal­is­tas brasileiros e não pode­ria cair no esquec­i­men­to. Em 1984, Joéd­son, que hoje é da equipe da Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação (EBC), nem son­ha­va tra­bal­har com fotografia. Afi­nal, tin­ha ape­nas 13 anos de idade. No entan­to, assim que se tornou profis­sion­al, com mais de 20 anos, soube da história dos vet­er­a­nos.

Den­tre os profis­sion­ais que par­tic­i­param do episó­dio, estavam Mor­eira Mariz (Fol­ha de São Paulo), Cláu­dio Alves (Jor­nal de Brasília), Sér­gio Mar­ques (Revista Veja), Júlio Fer­nan­des (Jor­nal de Brasília), Fran­cis­co Gual­ber­to (Cor­reio Braziliense), Beth Cruz (Agên­cia Ágil), Élder Miran­da (Rede Globo), Anto­nio Dor­gi­van (Jor­nal do Brasil), Adão Nasci­men­to (Esta­do de São Paulo), Cél­son Fran­co (Cor­reio Braziliense), Car­los Zarur (EBN), Sér­gio Borges (Esta­do de São Paulo) e Vicente Fon­se­ca (Rede Globo).

Para o foto­jor­nal­ista Joéd­son Alves, dire­tor do filme, foi um ato de bravu­ra. “Muito emo­cio­nante. É algo para ter como refer­ên­cia para min­ha profis­são. Eu ten­ho um respeito muito grande por todos eles. Já tive­mos situ­ações muito graves [ao lon­go dos anos] con­tra a impre­sa e nun­ca hou­ve nen­hum tipo de ação ou movi­men­to para faz­er algum protesto”.

Edição: Marce­lo Brandão

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