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“Marielle, presente!”: o legado da vereadora e ativista negra

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Herdeiras políticas mantêm vivas as pautas que ela representa


Pub­li­ca­do em 14/03/2023 — 06:31 Por Rafael Car­doso – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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“Marielle, pre­sente!” Há cin­co anos, o gri­to é ouvi­do em man­i­fes­tações pelo país. Nele, está expres­sa a indig­nação pelo assas­si­na­to da vereado­ra Marielle Fran­co e do motorista Ander­son Gomes. O gri­to é, ao mes­mo tem­po, uma hom­e­nagem à memória de quem dedi­cou boa parte da vida na luta con­tra as desigual­dades. Os tiros que tiraram a vida de Marielle inter­romper­am, de maneira pre­coce, uma tra­jetória políti­ca ascen­dente, mas não silen­cia­ram as pau­tas que rep­re­sen­ta­va. A morte rever­ber­ou o nome dela pelo mun­do. De agente dire­ta, virou sím­bo­lo e inspi­ração para os que defen­d­em os dire­itos humanos e a justiça social.

O dia 14 de março virou “Dia Marielle Fran­co – Dia de Luta con­tra o genocí­dio da Mul­her Negra” no cal­endário ofi­cial do Esta­do do Rio de Janeiro. E pode virar tam­bém uma data nacional, se o Con­gres­so Nacional aprovar o pro­je­to de lei envi­a­do pelo pres­i­dente Lula na sem­ana pas­sa­da. Um auditório da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (Uni­camp) foi bati­za­do com o nome dela, assim como a tri­buna da Câmara Munic­i­pal do Rio de Janeiro.

Marielle Fran­co virou nome de prêmios: um que con­tem­pla­va os mel­hores ensaios fem­i­nistas de uma edi­to­ra de livros e out­ro, aprova­do na Câmara dos Vereadores de São Paulo, para cel­e­brar defen­sores dos dire­itos humanos na cidade. Esco­las de sam­ba prestaram hom­e­na­gens a ela no Car­naval de 2019. No Rio, a Estação Primeira de Mangueira citou a vereado­ra no sam­ba-enre­do sobre heróis da resistên­cia. Em São Paulo, o ros­to dela foi o destaque de uma ala da Vai-Vai, que apre­sen­tou enre­do sobre lutas do povo negro.

Ness­es cin­co anos, o ros­to da vereado­ra pas­sou a estam­par murais e grafites em difer­entes partes do Brasil, geral­mente acom­pan­hados de pedi­dos de justiça. Das hom­e­na­gens mais emblemáti­cas, em 2018, man­i­fes­tantes colaram uma pla­ca com o nome dela em cima da sinal­iza­ção da praça Marechal Flo­ri­ano, no Cen­tro do Rio. Dois dep­uta­dos de extrema-dire­i­ta (Rodri­go Amor­im e Daniel Sil­veira) que­braram a pla­ca em um ato de cam­pan­ha eleitoral. Mas uma grande mobi­liza­ção, que incluiu finan­cia­men­to cole­ti­vo, garan­tiu a pro­dução de out­ras mil­hares, iguais à orig­i­nal.

Em 2021, a Prefeitu­ra do Rio de Janeiro inau­gurou ofi­cial­mente uma pla­ca na mes­ma praça. Em 2022, uma está­tua de bronze da vereado­ra foi colo­ca­da no Bura­co do Lume, tam­bém no Cen­tro, no lugar onde ela cos­tu­ma­va se reunir com eleitores e ativis­tas.

O recon­hec­i­men­to inter­na­cional veio de difer­entes maneiras. Uma ofic­i­na de arte dig­i­tal foi real­iza­da em Nairóbi, Quê­nia, com o nome de Marielle. Ela virou nome do ter­raço da Bib­liote­ca Munic­i­pal delle Oblate, em Flo­rença, Itália; de um jardim sus­pen­so em Paris, na França; de uma para­da de ônibus em Greno­ble, no sud­este da França; de uma rua em Lis­boa, Por­tu­gal; de uma bol­sa de estu­dos na uni­ver­si­dade Johns Hop­kins, em Wash­ing­ton, DC, Esta­dos Unidos. Teve o nome inseri­do em uma pla­ca da estação de metrô Rio de Janeiro, em Buenos Aires, Argenti­na. O ros­to foi pin­ta­do em um mur­al em Berlim, Ale­man­ha, e em um grafite na facha­da do Museu Stedelijk, em Ams­ter­dã, Holan­da.

“Quan­do veio a primeira hom­e­nagem inter­na­cional, eu me lem­bro per­feita­mente da sur­pre­sa que eu tive. Mas eu come­cei a enten­der um pouco a mis­são da min­ha irmã aqui”, lem­bra a min­is­tra da Igual­dade Racial, Anielle Fran­co. “Eu acho que a Mari pas­sou por isso para abrir muitos cam­in­hos. Pas­sou por isso para traz­er uma visão for­t­ale­ci­da para as mul­heres, prin­ci­pal­mente para as mul­heres negras, mas para todas as mul­heres que se recon­heci­am nela e na luta. Eu acho que ela virou onipresente”.

Legado político

Para além das hom­e­na­gens, o lega­do de Marielle con­tin­u­ou vivo, sobre­tu­do, pela ação políti­ca dire­ta das que assumi­ram as pau­tas que ela defendia. A viú­va Môni­ca Bení­cio foi elei­ta vereado­ra no Rio pelo PSOL em 2020 com 22.919 votos. Na cam­pan­ha, prom­e­teu rep­re­sen­tar os pro­je­tos de Marielle, focar nos dire­itos humanos e nas deman­das do uni­ver­so LGBTQIA+.

“Hoje, o sen­ti­do da min­ha luta é jus­ta­mente para que ninguém sin­ta uma dor pare­ci­da com a que eu sen­ti naque­le momen­to. Isso é um pouco do que norteia o meu faz­er tan­to na políti­ca insti­tu­cional, quan­to no meu faz­er de mil­i­tante”, diz Môni­ca. “Lutar pela memória da Marielle fala tam­bém sobre um lugar que não é só o da min­ha com­pan­heira, mas de todos os aspec­tos que envolvem hoje a imagem dela de rep­re­sen­tação, de luta, de esper­ança. Essa imagem da luta políti­ca tam­bém é uma imagem que me dá esper­ança em um mun­do mel­hor, me dá esper­ança em enten­der que a Marielle con­tin­ua em algum lugar”.

Em 2019, três asses­so­ras dire­tas da Marielle – igual­mente negras e ori­un­das de fave­las – assumi­ram mandatos como dep­utadas estad­u­ais. Rena­ta Souza, Dani Mon­teiro e Môni­ca Fran­cis­co fiz­er­am parte da ban­ca­da do PSOL na Assem­bleia Leg­isla­ti­va do Rio de Janeiro (Alerj). Na eleição seguinte, em 2022, as duas primeiras tiver­am um aumen­to expres­si­vo de votos e con­quis­taram um segun­do manda­to. Rena­ta Souza, saiu de 63.937 para 174.132 votos; Dani Mon­teiro, de 27.982 para 50.140 votos.

“Marielle era grande demais para que uma só pes­soa rep­re­sen­tasse toda a sua luta. A grandeza da Marielle rep­re­sen­ta a luta por uma nova sociedade. E o prin­ci­pal reca­do deix­a­do por ela é que a humanidade não se desuman­ize. Marielle é pre­sente em todas as lutas con­tra as desigual­dades soci­ais, em espe­cial con­tra as desigual­dades de gênero, raça e classe”, afir­ma Rena­ta Souza. “Que a gente sin­ta afe­to pelo out­ro, para garan­tir que a vida seja ple­na para qual­quer pes­soa, seja ela mul­her, negra, pobre, indí­ge­na, quilom­bo­la, caiçara, seja a pop­u­lação LGBTQIA+. Que a gente pos­sa ter esse nív­el de humanidade que a Marielle tan­to nos ensi­nou”.

Rena­ta Souza e Dani Mon­teiro estão entre as 44 pes­soas eleitas em 2022, no Con­gres­so Nacional e nas Assem­bleias Leg­isla­ti­vas do país, que ado­taram as dire­trizes da Agen­da Marielle Fran­co. O pro­je­to, cri­a­do em 2020, reúne um con­jun­to de com­pro­mis­sos políti­cos inspi­ra­dos no lega­do da vereado­ra, como antir­racis­mo, fem­i­nis­mo, dire­itos LGBTQIA+, saúde e edu­cação públi­ca, justiça ambi­en­tal e climáti­ca, além de deman­das de moradores de fave­las e per­ife­rias.

Instituto Marielle Franco

Rio de Janeiro (RJ) - Especial Marielle Franco - Matéria 3 - Legado. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução:  A dire­to­ra do insti­tu­to Marielle, Lígia Batista, (de amare­lo), recebe pai, fil­ha e mãe da vereado­ra — Arqui­vo pes­soal

Quem coor­de­na a Agen­da é o Insti­tu­to Marielle Fran­co, cri­a­do pela família da vereado­ra em 2018. O propósi­to ini­cial era defend­er a memória da par­la­men­tar e pres­sion­ar as autori­dades que inves­ti­gavam o assas­si­na­to. Mas o Insti­tu­to ampliou o alcance e pas­sou a focar tam­bém na pro­moção de mudanças soci­ais.

Na pági­na ofi­cial, con­s­ta que uma das mis­sões é “poten­cializar e dar apoio às mul­heres, pes­soas negras e fave­ladas que querem ocu­par a políti­ca, para que os espaços de toma­da de decisão ten­ham mais a cara do povo”. A direção ficou com Anielle Fran­co, irmã da vereado­ra, des­de a cri­ação até o iní­cio desse ano, quan­do ela assum­iu o car­go de min­is­tra da Igual­dade Racial.

Anielle coor­de­nou uma série de pro­je­tos no Insti­tu­to Marielle Fran­co. Entre eles, o lança­men­to da Platafor­ma Antir­racista (Pane) em 2020, para apoiar can­di­dat­uras negras nas eleições munic­i­pais, e o pro­je­to Esco­la Marielles em 2021, para for­mar politi­ca­mente mul­heres de gru­pos minoritários.

“Eu pre­cisa­va tomar con­ta da min­ha família, tomar con­ta desse lega­do, tomar con­ta dessa memória. E não digo ‘tomar con­ta’ como uma pes­soa que vai pegar, ter como posse, mas para legit­i­mar a luta que é de uma família pre­ta, que sem­pre lutou para ter tudo que tin­ha. E três coisas me moti­varam a seguir: cuidar dessa memória, cuidar da min­ha mãe e da min­ha sobrin­ha”, afir­ma a min­is­tra.

O Insti­tu­to Marielle Fran­co hoje está sob nova direção: Lígia Batista, de 29 anos. Ela é for­ma­da em dire­ito e mes­tran­da em Políti­cas Públi­cas e Dire­itos Humanos. Antes, tra­bal­hou na Anis­tia Inter­na­cional Brasil e na Open Soci­ety Foun­da­tions. A dire­to­ra enfa­ti­za que defend­er o lega­do de Marielle é inspi­rar mul­heres negras, LGBTQIA+ e per­iféri­c­as a ocu­par espaços de poder e toma­da de decisão.

“Que o medo não seja um impedi­ti­vo para que elas este­jam ali. Ao mes­mo tem­po que a gente quer ver cada vez mais mul­heres negras eleitas, tam­bém quer­e­mos que elas se sus­ten­tem no poder. Então, a gente entende o lugar do debate sobre vio­lên­cia políti­ca como muito cen­tral para esse tra­bal­ho. Até porque o Insti­tu­to surge a par­tir de um fem­i­nicí­dio políti­co. A nos­sa intenção é mobi­lizar através desse tra­bal­ho com a memória. Que as pes­soas não esqueçam da história da Marielle, não esqueçam desse lega­do políti­co deix­a­do para o Brasil”, diz.

Edição: Heloisa Cristal­do

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